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São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2003

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DÓLAR FRACO

Investimento direto nos EUA caiu 77% em apenas 12 meses; resposta européia pode livrar o mundo da deflação

EUA tentam dividir o custo de seu ajuste

VINICIUS MOTA
DA REPORTAGEM LOCAL

As Bolsas norte-americanas viveram ontem mais um dia de perdas. O índice Dow Jones, que caiu para 8.491 pontos, está 17% abaixo do nível em que estava há um ano. A depreciação de ativos financeiros, fenômeno que já dura mais de três anos, agora se associa aos temores de que as maiores economias do planeta entrem num ciclo de deflação de preços.
Na base dessa discussão, o que está em jogo, em última instância, é se os EUA ainda suportam exercer o papel de único grande propulsor da economia mundial.
O movimento de queda do dólar acirra ânimos europeus e asiáticos. Japão, Alemanha e China, entre outros, têm ancorado sua estabilidade financeira na manutenção de grandes superávits com o exterior: produzem excedentes comerciais e financeiros.
Para que essas nações produzam saldos, é preciso que haja um mercado consumidor externo que absorva suas mercadorias e um mercado financeiro no qual seja interessante aplicar suas sobras de capital. Para o conjunto de países superavitários deve haver um conjunto de nações deficitárias, que gastam mais no exterior do que vendem para fora e que, em contrapartida, recebem capitais advindos do primeiro grupo.

Sorvedouro de capitais
Os EUA são responsáveis por cerca de 70% de todo o déficit externo global. Esse apetite por divisas -que necessita ser coberto por montante equivalente de remessas de capital oriundas do exterior- correspondia a 2,3% do PIB americano em 98. Em 2002 essa relação chegou a 4,8%.
A desvalorização do dólar -de cerca de 20% em 12 meses- é um sinal de que a disposição de investir nos EUA caiu bastante. O balanço de pagamentos americano de 2002 dá uma idéia da magnitude desse movimento de fuga de capitais que está na base do enfraquecimento do dólar.
Num mundo aturdido por crises em sequência, a manutenção do motor de consumo americano em aceleração é o fundamento dos cenários que prevêem a retomada paulatina do crescimento econômico mundial. Para que os EUA sigam esse percurso, porém, será necessária a disposição dos agentes financeiros globais de financiar um déficit externo, neste ano, da ordem de 5,3% do PIB - previsão da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Fuga do dólar
O fluxo líquido de investimento direto estrangeiro para os EUA, em 2001, foi de US$ 130 bilhões. No ano passado, esse saldo foi de US$ 30 bilhões -uma diminuição de 77% em apenas 12 meses. Se somadas todas as aplicações líquidas privadas de estrangeiros em ativos nos EUA, houve uma queda superior a US$ 200 bilhões (quase 30%) de 2001 para 2002.
A perda de valor da moeda americana no ano passado só não foi maior porque Bancos Centrais estrangeiros, principalmente de países asiáticos, compensaram a queda nas inversões privadas adquirindo, com suas reservas oficiais, ativos nos EUA. Esse fluxo oficial de divisas, que havia sido de US$ 5 bilhões em 2001, saltou para US$ 96 bilhões em 2002, um aumento de mais de 1.800%.
Como o dólar se mantém em queda em 2003, deduz-se que a fuga de capitais persiste. Duas questões surgem dessa grande reacomodação dos termos em que se deu, nos anos 90, a chamada globalização financeira: a primeira é saber em que tipo de ativos se abrigou essa massa de capitais; a segunda, a de tentar vislumbrar se haverá, no mundo, alguma outra região capaz de sustentar o crescimento caso os EUA entrem em desaquecimento. No cruzamento dessas duas indagações está a União Européia.

Contra-ataque europeu?
A Europa é um dos destinos desse fluxo de capitais que ficaram como que órfãos depois de anos de bonança nos EUA. Os juros de curto prazo do Banco Central Europeu, de 2,5% ao ano -o dobro da taxa fixada pelo Federal Reserve, nos EUA-, ajudam a atrair esse dinheiro. Não há indícios, entretanto, de que esse afluxo esteja gerando, por exemplo, um boom de novos investimentos produtivos na Europa.
Segundo relatório do FMI sobre deflação, publicado no domingo passado, a tendência do crédito ao setor privado na Alemanha, na França e no Reino Unido é de desaceleração. Os dispêndios com novos investimentos, no ano passado em relação a 2001, caíram 6,7% na Alemanha e 0,6% na França. A previsão da OCDE, para este ano, é de nova queda do indicador nas duas maiores economias da Europa continental.

Especulação
Como o dinheiro não vai, em escala relevante, para o setor produtivo, se pode cogitar a hipótese de que está em curso um grande processo especulativo que, com o declínio do dólar, procura segurança e/ou maiores ganhos de curto prazo em ativos líquidos disponíveis no planeta. Não é apenas o euro que vive um momento de alta, mas também a cotação do ouro, que chegou ontem a seu maior valor desde 7 de fevereiro de 2003, os papéis de países emergentes (como os do Brasil) e preços de outras commodities, como a soja.
Se não incrementar a demanda por bens e serviços na Europa, esse afluxo de capitais apenas terá desferido um duro golpe contra a estabilidade financeira européia. Reduzindo a competitividade das exportações alemãs e aumentando o poder de compra internacional do euro, esse processo tende a empurrar a Alemanha, a terceira maior economia do planeta, para um processo recessivo e de queda continuada de preços.

Japão, Alemanha
É importante lembrar que o ponto mais baixo do último ciclo de desvalorização global do dólar antes do atual (1985-1995) coincidiu exatamente com o momento em que o Japão adernou em espiral deflacionária. Até hoje os japoneses se debatem para sair dessa armadilha. As taxas de juros nominais de curto prazo estão zeradas desde 99, o Banco do Japão irriga a economia com cada vez mais dinheiro e o déficit público, no ano passado, superou 7% do PIB. Mas nem assim a deflação foi vencida: o índice de preços ao consumidor caiu 3,5% em março, em termos anualizados.
Resta saber se as autoridades econômicas dos países desenvolvidos de fato aprenderam com o exemplo japonês. Os EUA estão utilizando um de seus últimos recursos para evitar o pior: desvalorizando o dólar para tentar sustentar os preços domésticos e impulsionar a sua economia através das exportações. Ao fazê-lo num ambiente de estresse financeiro e de baixa coordenação entre as nações industrializadas, podem estar condenando a Alemanha, o esteio do euro, ao naufrágio.


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