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DÓLAR FRACO
Investimento direto nos EUA caiu 77% em apenas 12 meses; resposta européia pode livrar o mundo da deflação
EUA tentam dividir o custo de seu ajuste
VINICIUS MOTA
DA REPORTAGEM LOCAL
As Bolsas norte-americanas viveram ontem mais um dia de perdas. O índice Dow Jones, que caiu
para 8.491 pontos, está 17% abaixo do nível em que estava há um
ano. A depreciação de ativos financeiros, fenômeno que já dura
mais de três anos, agora se associa
aos temores de que as maiores
economias do planeta entrem
num ciclo de deflação de preços.
Na base dessa discussão, o que
está em jogo, em última instância,
é se os EUA ainda suportam exercer o papel de único grande propulsor da economia mundial.
O movimento de queda do dólar acirra ânimos europeus e asiáticos. Japão, Alemanha e China,
entre outros, têm ancorado sua
estabilidade financeira na manutenção de grandes superávits com
o exterior: produzem excedentes
comerciais e financeiros.
Para que essas nações produzam saldos, é preciso que haja um
mercado consumidor externo
que absorva suas mercadorias e
um mercado financeiro no qual
seja interessante aplicar suas sobras de capital. Para o conjunto de
países superavitários deve haver
um conjunto de nações deficitárias, que gastam mais no exterior
do que vendem para fora e que,
em contrapartida, recebem capitais advindos do primeiro grupo.
Sorvedouro de capitais
Os EUA são responsáveis por
cerca de 70% de todo o déficit externo global. Esse apetite por divisas -que necessita ser coberto
por montante equivalente de remessas de capital oriundas do exterior- correspondia a 2,3% do
PIB americano em 98. Em 2002
essa relação chegou a 4,8%.
A desvalorização do dólar -de
cerca de 20% em 12 meses- é um
sinal de que a disposição de investir nos EUA caiu bastante. O balanço de pagamentos americano
de 2002 dá uma idéia da magnitude desse movimento de fuga de
capitais que está na base do enfraquecimento do dólar.
Num mundo aturdido por crises em sequência, a manutenção
do motor de consumo americano
em aceleração é o fundamento
dos cenários que prevêem a retomada paulatina do crescimento
econômico mundial. Para que os
EUA sigam esse percurso, porém,
será necessária a disposição dos
agentes financeiros globais de financiar um déficit externo, neste
ano, da ordem de 5,3% do PIB -
previsão da OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Fuga do dólar
O fluxo líquido de investimento
direto estrangeiro para os EUA,
em 2001, foi de US$ 130 bilhões.
No ano passado, esse saldo foi de
US$ 30 bilhões -uma diminuição de 77% em apenas 12 meses.
Se somadas todas as aplicações líquidas privadas de estrangeiros
em ativos nos EUA, houve uma
queda superior a US$ 200 bilhões
(quase 30%) de 2001 para 2002.
A perda de valor da moeda
americana no ano passado só não
foi maior porque Bancos Centrais
estrangeiros, principalmente de
países asiáticos, compensaram a
queda nas inversões privadas adquirindo, com suas reservas oficiais, ativos nos EUA. Esse fluxo
oficial de divisas, que havia sido
de US$ 5 bilhões em 2001, saltou
para US$ 96 bilhões em 2002, um
aumento de mais de 1.800%.
Como o dólar se mantém em
queda em 2003, deduz-se que a
fuga de capitais persiste. Duas
questões surgem dessa grande
reacomodação dos termos em
que se deu, nos anos 90, a chamada globalização financeira: a primeira é saber em que tipo de ativos se abrigou essa massa de capitais; a segunda, a de tentar vislumbrar se haverá, no mundo, alguma outra região capaz de sustentar o crescimento caso os EUA entrem em desaquecimento. No
cruzamento dessas duas indagações está a União Européia.
Contra-ataque europeu?
A Europa é um dos destinos
desse fluxo de capitais que ficaram como que órfãos depois de
anos de bonança nos EUA. Os juros de curto prazo do Banco Central Europeu, de 2,5% ao ano -o
dobro da taxa fixada pelo Federal
Reserve, nos EUA-, ajudam a
atrair esse dinheiro. Não há indícios, entretanto, de que esse afluxo esteja gerando, por exemplo,
um boom de novos investimentos
produtivos na Europa.
Segundo relatório do FMI sobre
deflação, publicado no domingo
passado, a tendência do crédito
ao setor privado na Alemanha, na
França e no Reino Unido é de desaceleração. Os dispêndios com
novos investimentos, no ano passado em relação a 2001, caíram
6,7% na Alemanha e 0,6% na
França. A previsão da OCDE, para este ano, é de nova queda do indicador nas duas maiores economias da Europa continental.
Especulação
Como o dinheiro não vai, em escala relevante, para o setor produtivo, se pode cogitar a hipótese de
que está em curso um grande processo especulativo que, com o declínio do dólar, procura segurança e/ou maiores ganhos de curto
prazo em ativos líquidos disponíveis no planeta. Não é apenas o
euro que vive um momento de alta, mas também a cotação do ouro, que chegou ontem a seu maior
valor desde 7 de fevereiro de 2003,
os papéis de países emergentes
(como os do Brasil) e preços de
outras commodities, como a soja.
Se não incrementar a demanda
por bens e serviços na Europa, esse afluxo de capitais apenas terá
desferido um duro golpe contra a
estabilidade financeira européia.
Reduzindo a competitividade das
exportações alemãs e aumentando o poder de compra internacional do euro, esse processo tende a
empurrar a Alemanha, a terceira
maior economia do planeta, para
um processo recessivo e de queda
continuada de preços.
Japão, Alemanha
É importante lembrar que o
ponto mais baixo do último ciclo
de desvalorização global do dólar
antes do atual (1985-1995) coincidiu exatamente com o momento
em que o Japão adernou em espiral deflacionária. Até hoje os japoneses se debatem para sair dessa
armadilha. As taxas de juros nominais de curto prazo estão zeradas desde 99, o Banco do Japão irriga a economia com cada vez
mais dinheiro e o déficit público,
no ano passado, superou 7% do
PIB. Mas nem assim a deflação foi
vencida: o índice de preços ao
consumidor caiu 3,5% em março,
em termos anualizados.
Resta saber se as autoridades
econômicas dos países desenvolvidos de fato aprenderam com o
exemplo japonês. Os EUA estão
utilizando um de seus últimos recursos para evitar o pior: desvalorizando o dólar para tentar sustentar os preços domésticos e impulsionar a sua economia através
das exportações. Ao fazê-lo num
ambiente de estresse financeiro e
de baixa coordenação entre as nações industrializadas, podem estar condenando a Alemanha, o esteio do euro, ao naufrágio.
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