São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Classe média gasta 113 dias de trabalho por serviço "estatal"

Despesa anual de uma família com quatro pessoas abrange saúde, educação, previdência privada, segurança e pedágio

Contribuinte trabalha de 26 deste mês a 15 de setembro para substituir serviços que o Estado oferece, mas não com a eficiência que deveria

MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL

A classe média brasileira continua trabalhando mais para o Estado do que para si mesma. Estudo feito pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) mostra que as famílias de classe média gastam o equivalente a 113 dias de trabalho por ano apenas para custear despesas com saúde, educação, previdência privada, segurança e pedágio, serviços que deveriam ser oferecidos adequadamente pelo Estado aos contribuintes.
Para o advogado Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT e um dos autores do estudo, a "escravidão do contribuinte" é decorrente da ineficiência do Estado na prestação daqueles serviços.
Segundo o estudo, os contribuintes brasileiros trabalharão do dia 26 deste mês até o dia 15 de setembro apenas para custear a substituição de serviços públicos -que o Estado não oferece adequadamente- por itens de melhor qualidade, mas privados -ou seja, pagos.
"O contribuinte vai começar a trabalhar para a família comer, vestir, morar, comprar bens, gozar férias e poupar apenas no dia 16 de setembro deste ano", diz Amaral.
O trabalho para pagar esses serviços começa no dia 26, sexta-feira, porque até o dia 25 deste mês os contribuintes estarão trabalhando para outra finalidade: pagar os tributos devidos anualmente aos fiscos federal, estaduais e municipais (ver texto abaixo).

Segurança custa mais
"Os gastos com serviços privados vêm se acentuando ano a ano, de forma a comprometer cada vez mais o orçamento das famílias de classe média", afirma Amaral.
Para comprovar isso, ele diz que, na década de 70, aquelas famílias comprometiam 7% da renda para comprar os serviços. Neste ano, vão comprometer 31% -quase 3,5 vezes mais.
Trocando em números, o estudo do IBPT revela que os 7% dos anos 70 representavam menos de um mês de trabalho (exatos 25 dias). Em 2003 aquele período já era multiplicado por quatro, ou 102 dias. No ano seguinte eram 105 dias de trabalho, número que cresceu para 112 dias em 2005. Neste ano será necessário trabalhar mais um dia.
Para o IBPT, a classe média -que precisa trabalhar os 113 dias- tem renda familiar acima de R$ 3.000 e até R$ 10 mil por mês. Pelo estudo, famílias com renda até R$ 3.000 mensais são consideradas "pobres". Já as que ganham mais de R$ 10 mil são consideradas "classe alta". O estudo considera quatro pessoas por família: casal e dois filhos em idade escolar.
Um detalhe chama a atenção no estudo do IBPT: o crescente gasto da população com segurança. Isso se traduz em despesas com cercas elétricas, câmeras, vigilância particular (em geral, em grandes condomínios), veículos para ronda, coletes à prova de balas etc.
"Quanto maior a renda familiar, maior o percentual que as famílias despendem para garantir sua segurança." Hoje, diz Amaral, o quesito segurança ganhou tanta dimensão na vida das pessoas já há feiras mostrando as novidades do setor.

Mais que saúde e educação
Os dados do estudo comprovam isso. Na média da população brasileira, o gasto com segurança compromete 10 dias de trabalho por ano, ou 2,69% da renda bruta. Na classe pobre são 7 dias, ou 1,95% da renda; na média, 16 dias, ou 4,31%; e na alta, 27 dias, ou 7,28%.
"Os gastos com segurança pública e privada já superam os dispêndios com educação e saúde no país. É uma distorção do sistema", afirma Amaral.
Segundo estimativa do IBPT, os gastos com segurança pública no país em 2005 foram da ordem de R$ 60 bilhões. Some-se a esse valor cerca de R$ 70 bilhões dispendidos pelo setor privado. Essa soma de R$ 130 bilhões supera todo o gasto do Estado com educação e saúde.


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