São Paulo, sábado, 21 de julho de 2007

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Espanhóis ensaiam saída de "países de risco" da AL

Repsol quer vender 45% da YPF e se desfazer de propriedades na Venezuela e na Bolívia

Santander diz que está "com freio de mão" e prioriza Brasil e México; empresas espanholas chegaram a ter 8% do PIB argentino

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

O grupo espanhol Repsol, que controla a YPF, a maior petrolífera argentina, definiu a estratégia para se desfazer de seus capitais em "países de risco" na América Latina. Vai vender suas propriedades na Venezuela e na Bolívia para sua filial argentina.
Depois, venderá 45% dessa "nova" Repsol-YPF para investidores argentinos. A Folha apurou que o favorito para ficar com 25% é um empresário próximo ao presidente Néstor Kirchner - outros 20% seriam comercializados na Bolsa de Buenos Aires.
Em 1999, quando a Repsol comprou a YPF por US$ 14 bilhões, empresas espanholas chegaram a ter 8% do PIB argentino. Graças às privatizações, ficaram com monopólios na telefonia, água, eletricidade e petróleo. Agora, elas congelaram investimentos no vizinho ou organizam a retirada.
Há 15 dias, ao anunciar investimentos de US$ 2 bilhões na América Latina, o vice-presidente do Grupo Santander, Francisco Luzón, falou que se concentraria em Brasil, México e Chile. Apesar de proprietário do maior banco da Argentina, Luzón mal citou o país durante três dias de seminário organizado pelo Santander. Colocado contra a parede por jornalistas argentinos, ele disse que o banco colocou o "freio de mão" na Argentina. Questionado pela Folha, ele disse que "todo mundo quer investir no Brasil, não na Argentina".
A saída "à espanhola" da Repsol já causa barulho na Argentina. Um dos colunistas políticos mais conhecidos do país, Carlos Pagni, do jornal "La Nación", diz que essa atitude causa duas apreensões. "Uma é que a Argentina seja vista como um país sem regras de jogo claras, como Venezuela e Bolívia. A outra, pior, é que as grandes empresas tenham que buscar amigos de Kirchner como sócios para conseguir fazer negócios na Argentina".
O favorito para ficar com parte da Repsol-YPF é o empreiteiro e banqueiro Enrique Eskenazi, sem experiência no setor energético. Ele é dono do Banco de Santa Cruz, Província que Kirchner governou por 12 anos e é seu feudo eleitoral.
A situação de casamento do governo Kirchner já acontece na sociedade entre a estatal Enarsa, recentemente criada, e a empresa Electroingeniería, também controlada por gente próxima do peronismo.
Recentemente, a Petrobras teve que vender sua participação na empresa argentina de transmissão de energia Transener à Electroingeniería e à Enarsa por decisão da lei antimonopólios. A Petrobras havia fechado acordo para vendê-la a um fundo americano, negócio vetado pelo governo argentino.

Mudança de rota
"É fato que as empresas espanholas estão concentrando seus investimentos nos lugares mais seguros da América Latina", disse à Folha o presidente do Lehman Brothers na Espanha, Luis De Guindos.
Outro motivo é a diversificação dos investimentos das multinacionais espanholas, que ficaram mais musculosas nos últimos anos. Se, na década de 90, os espanhóis investiram US$ 80 bilhões na América Latina, só nos últimos seis anos a Espanha comprou empresas britânicas por US$ 60 bilhões.
A Telefónica, que virou a quinta empresa de telefonia do mundo, comprou a empresa de celulares O2 britânica e investe na China e na Europa do Leste.
O Santander comprou o britânico Abbey, tenta comprar o ABN Amro e gasta pesado para se tornar uma marca global -patrocina ao mesmo tempo estrelas da Fórmula 1 como o espanhol Fernando Alonso e o britânico Lewis Hamilton, além da promessa que é Bruno Senna, sobrinho de Ayrton.
Seu maior rival, o banco Bilbao Vizcaya BBVA, investiu US$ 1,4 bilhão na China.
A empreiteira Ferrovial gastou US$ 20 bilhões para comprar o controle de sete aeroportos britânicos, entre eles o de Heathrow, o mais movimentado do mundo.
À Folha, executivos espanhóis dizem que suas empresas se preparam para a desaceleração da economia da Espanha e querem colocar seu dinheiro em lugares com menos risco.

Sem energia
No comitê de campanha de Kirchner, a transferência da YPF é considerada uma grande notícia, pois significaria a "reargentinização" da que foi a maior empresa do país.
Como o período das privatizações foi seguido por uma recessão e o desmoronamento da economia argentina em 2001, as multinacionais privatizadas se tornaram bem impopulares no final dos anos 90, com protestos até diante da Embaixada da Espanha em Buenos Aires. Kirchner pretende faturar com a saída dos espanhóis.
O problema é que a Argentina vive racionamento de energia e não chegam novos investimentos para gerar luz ou gás. As tarifas estão congeladas desde janeiro de 2001, quando foram convertidas de dólar a peso, sem reajustes.
Os argentinos pagam menos de um terço pela mesma quantidade de energia que no Brasil. "Com a fuga das multinacionais do país, ficará mais difícil promover a expansão energética que o crescimento da economia argentina demanda", diz o consultor Daniel Gerold, da G&G Energy, de Buenos Aires.


O jornalista RAUL JUSTE LORES viajou a convite do Banco Santander


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