|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Espanhóis ensaiam saída de "países de risco" da AL
Repsol quer vender 45% da YPF e se desfazer de propriedades na Venezuela e na Bolívia
Santander diz que está "com
freio de mão" e prioriza
Brasil e México; empresas
espanholas chegaram a
ter 8% do PIB argentino
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
O grupo espanhol Repsol,
que controla a YPF, a maior petrolífera argentina, definiu a estratégia para se desfazer de
seus capitais em "países de risco" na América Latina. Vai vender suas propriedades na Venezuela e na Bolívia para sua filial
argentina.
Depois, venderá 45% dessa
"nova" Repsol-YPF para investidores argentinos. A Folha
apurou que o favorito para ficar
com 25% é um empresário próximo ao presidente Néstor
Kirchner - outros 20% seriam
comercializados na Bolsa de
Buenos Aires.
Em 1999, quando a Repsol
comprou a YPF por US$ 14 bilhões, empresas espanholas
chegaram a ter 8% do PIB argentino. Graças às privatizações, ficaram com monopólios
na telefonia, água, eletricidade
e petróleo. Agora, elas congelaram investimentos no vizinho
ou organizam a retirada.
Há 15 dias, ao anunciar investimentos de US$ 2 bilhões
na América Latina, o vice-presidente do Grupo Santander,
Francisco Luzón, falou que se
concentraria em Brasil, México
e Chile. Apesar de proprietário
do maior banco da Argentina,
Luzón mal citou o país durante
três dias de seminário organizado pelo Santander. Colocado
contra a parede por jornalistas
argentinos, ele disse que o banco colocou o "freio de mão" na
Argentina. Questionado pela
Folha, ele disse que "todo
mundo quer investir no Brasil,
não na Argentina".
A saída "à espanhola" da Repsol já causa barulho na Argentina. Um dos colunistas políticos
mais conhecidos do país, Carlos Pagni, do jornal "La Nación", diz que essa atitude causa duas apreensões. "Uma é que
a Argentina seja vista como um
país sem regras de jogo claras,
como Venezuela e Bolívia. A
outra, pior, é que as grandes
empresas tenham que buscar
amigos de Kirchner como sócios para conseguir fazer negócios na Argentina".
O favorito para ficar com parte da Repsol-YPF é o empreiteiro e banqueiro Enrique Eskenazi, sem experiência no setor energético. Ele é dono do
Banco de Santa Cruz, Província
que Kirchner governou por 12
anos e é seu feudo eleitoral.
A situação de casamento do
governo Kirchner já acontece
na sociedade entre a estatal
Enarsa, recentemente criada, e
a empresa Electroingeniería,
também controlada por gente
próxima do peronismo.
Recentemente, a Petrobras
teve que vender sua participação na empresa argentina de
transmissão de energia Transener à Electroingeniería e à
Enarsa por decisão da lei antimonopólios. A Petrobras havia
fechado acordo para vendê-la a
um fundo americano, negócio
vetado pelo governo argentino.
Mudança de rota
"É fato que as empresas espanholas estão concentrando
seus investimentos nos lugares
mais seguros da América Latina", disse à Folha o presidente
do Lehman Brothers na Espanha, Luis De Guindos.
Outro motivo é a diversificação dos investimentos das multinacionais espanholas, que ficaram mais musculosas nos últimos anos. Se, na década de
90, os espanhóis investiram
US$ 80 bilhões na América Latina, só nos últimos seis anos a
Espanha comprou empresas
britânicas por US$ 60 bilhões.
A Telefónica, que virou a
quinta empresa de telefonia do
mundo, comprou a empresa de
celulares O2 britânica e investe
na China e na Europa do Leste.
O Santander comprou o britânico Abbey, tenta comprar o
ABN Amro e gasta pesado para
se tornar uma marca global
-patrocina ao mesmo tempo
estrelas da Fórmula 1 como o
espanhol Fernando Alonso e o
britânico Lewis Hamilton,
além da promessa que é Bruno
Senna, sobrinho de Ayrton.
Seu maior rival, o banco Bilbao Vizcaya BBVA, investiu
US$ 1,4 bilhão na China.
A empreiteira Ferrovial gastou US$ 20 bilhões para comprar o controle de sete aeroportos britânicos, entre eles o
de Heathrow, o mais movimentado do mundo.
À Folha, executivos espanhóis dizem que suas empresas
se preparam para a desaceleração da economia da Espanha e
querem colocar seu dinheiro
em lugares com menos risco.
Sem energia
No comitê de campanha de
Kirchner, a transferência da
YPF é considerada uma grande
notícia, pois significaria a
"reargentinização" da que foi a
maior empresa do país.
Como o período das privatizações foi seguido por uma recessão e o desmoronamento da
economia argentina em 2001,
as multinacionais privatizadas
se tornaram bem impopulares
no final dos anos 90, com protestos até diante da Embaixada
da Espanha em Buenos Aires.
Kirchner pretende faturar com
a saída dos espanhóis.
O problema é que a Argentina vive racionamento de energia e não chegam novos investimentos para gerar luz ou gás.
As tarifas estão congeladas desde janeiro de 2001, quando foram convertidas de dólar a peso, sem reajustes.
Os argentinos pagam menos
de um terço pela mesma quantidade de energia que no Brasil.
"Com a fuga das multinacionais
do país, ficará mais difícil promover a expansão energética
que o crescimento da economia
argentina demanda", diz o consultor Daniel Gerold, da G&G
Energy, de Buenos Aires.
O jornalista RAUL JUSTE LORES
viajou a convite do Banco Santander
Texto Anterior: UGT vai "reacomodar" forças, diz especialista Próximo Texto: Codesa é acusada em ação de improbidade Índice
|