São Paulo, terça-feira, 21 de agosto de 2007

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Investir é arma anticrise, diz ex-secretário

Gomes de Almeida, que ocupou secretaria de Política Econômica da Fazenda, diz que gasto com PAC
deveria triplicar


Economista, de volta ao Iedi, afirma que a crise financeira pode durar até três anos e defende obras de infra-estrutura como remédio

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Após ter deixado o governo, no início de maio, e cumprido o prazo de quarentena, o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, 52, voltou ao Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) e assumiu o cargo de diretor-executivo. Em sua primeira grande entrevista após sua passagem na secretaria de Política Econômica da Fazenda, diz que a crise nos mercados deve durar até três anos, mas que o Brasil, hoje, está mais protegido.
"O Brasil deve ser afetado como qualquer outro emergente: perderá espaço e perspectiva de crescimento", afirma.
Almeida defende ainda, como proteção contra a crise, que o governo eleve em três vezes os investimentos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do qual foi um dos formuladores. "Podemos ter um programa de obras públicas, que melhorará nossa infra-estrutura e poderá sustentar a economia no período de crise."
Apesar de apoiar a política econômica do governo, principalmente a acumulação de reservas, ele mantém suas críticas à valorização do câmbio, um dos motivos de sua saída.
Poucos dias antes de deixar o governo, Gomes de Almeida não conteve a irritação com a valorização do real e deu a seguinte declaração à Folha em 30 de março, uma sexta-feira: "Com esse dólar, a indústria vai virar pó". Na segunda, pediu demissão. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
 

FOLHA - Como o Brasil será afetado pela crise atual?
JÚLIO SÉRGIO GOMES DE ALMEIDA
- Essa crise tem conotações muito mais globais, gerais e profundas do que as crises anteriores. Ela é maior, mais ampla e mais profunda. Foram feitos empréstimos além das possibilidades de pagamento para uma parcela expressiva da população americana. Quem colocou o dinheiro ali perdeu. Como mostra o último relatório do FMI, a economia americana ainda é o centro econômico e financeiro internacional. Quando está bem, é como se dispensasse um pouco essa sua supremacia. Mas, quando a coisa fica mais difícil, retoma o papel original e exercita a capacidade de irradiação. A China, por sua vez, está com a economia superaquecida e com uma inflação motivada por alimentos. Está na cara que vai desacelerar sua economia. Como? Ninguém sabe ainda. Quanto à duração, creio que a crise atual não será superada facilmente. Quanto à dimensão, depende de quem vai pagar a conta. Pode ser o investidor ou alguma entidade pública. Se fosse no Brasil, estaria claro, pois quem paga a conta sempre é o setor público. Mas, no mundo, nem sempre é assim. A conseqüência, creio, é que, na melhor das hipóteses, a economia mundial já não crescerá tanto quanto cresceu ultimamente, com taxas superiores a 5%. E o espaço para uma economia como a brasileira ter o seu próprio crescimento se retrai.

FOLHA - Qual o impacto direto sobre o Brasil?
GOMES DE ALMEIDA
- Preços de exportações não tão favoráveis e um crescimento das suas importações. Mas nada traumático. O Brasil deve ser afetado por essa crise como qualquer outro emergente: perderá espaço e perspectiva de crescimento. Mas neste ano o crescimento está dado. É muito difícil sair do processo. A economia brasileira está caminhando para 6% de crescimento neste ano. Há quatro setores crescendo muito: comércio varejista, agropecuário, construção e indústria.

FOLHA - O investimento externo ainda pode aumentar?
GOMES DE ALMEIDA
- Neste ano ,fica mais difícil, porque num ambiente como esse todo mundo congela expectativas e avaliações. O Brasil sofrerá com isso, mas, assim que a crise tiver um desdobramento visível, o país mostrará que está melhor do que as agências de risco têm nos avaliado. Há certa injustiça quanto à avaliação do Brasil.

FOLHA - Quanto dura a crise?
GOMES DE ALMEIDA
- Eu acho que é uma crise de uns três anos. Enquanto isso, o Brasil pode fazer um programa de investimentos públicos e atravessá-la com mais facilidade. É um tempo grande, você vai ter que digerir esse processo todo. O que significa isso? Uma taxa menor de crescimento da economia mundial. Podemos ter um programa de obras públicas, que melhorará nossa infra-estrutura e poderá sustentar a economia nesse período de crise.

FOLHA - O PAC não prevê isso? GOMES DE ALMEIDA - Teoricamente, você pode ter um prosseguimento do PAC em 2008 ou para os outros anos, caso se faça necessário, diante da retração da economia mundial.

FOLHA - Mas o governo nem sequer consegue gastar com o PAC. GOMES DE ALMEIDA - É questão de tempo. As pessoas têm que entender o PAC como ruptura de um processo de inércia dentro do setor público. O setor público foi desenvolvido, nos últimos 15 anos, para proteger o não-gasto. O PAC tem um impacto sobre o orçamento público de mais ou menos 0,5% [do PIB] adicional por ano. Tinha que ser alguma coisa como 1,5%. Será preciso optar entre manter o superávit primário [economia para pagar juros da dívida pública] e fazer esse tipo de coisa. É uma escolha. Não estou propondo que se reduza o superávit primário, mas imaginando uma meta, lá para o futuro, em que o PAC seja três vezes maior. Teremos de fazer investimentos maiores na infra-estrutura, um grande gargalo do nosso investimento.

FOLHA - Por que o sr. deixou o governo? GOMES DE ALMEIDA - Por motivos pessoais. Não me adaptei em Brasília. Já trabalhei lá em outras épocas, mas dessa vez eu não me adaptei. O fato de eu ter criticado a política cambial não é novidade. Sempre fiz isso e, graças a Deus, o ministro [da Fazenda, Guido Mantega] sempre me deu liberdade para um debate franco. Eu me dava muito bem com ele.

FOLHA - Qual o ponto mais importante da economia no primeiro e no segundo governo Lula? GOMES DE ALMEIDA - No primeiro, a recuperação do mercado interno consumidor. No segundo, vários pontos, mas especialmente relevante é a evolução da empresa nacional, que resolveu questões pendentes há muito tempo. Exemplos: sucessão familiar, governança empresarial, força exportadora, produtividade em linha com padrões internacionais, internacionalização, acesso a mercado de capitais no Brasil e no exterior e equilíbrio financeiro.

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