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Investir é arma anticrise, diz ex-secretário
Gomes de Almeida, que ocupou secretaria de Política Econômica da Fazenda, diz que gasto com PAC
deveria triplicar
Economista, de volta ao Iedi, afirma que a crise financeira pode durar até três anos
e defende obras de
infra-estrutura como remédio
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
Após ter deixado o governo,
no início de maio, e cumprido o
prazo de quarentena, o economista Júlio Sérgio Gomes de
Almeida, 52, voltou ao Iedi
(Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial) e
assumiu o cargo de diretor-executivo. Em sua primeira grande
entrevista após sua passagem
na secretaria de Política Econômica da Fazenda, diz que a
crise nos mercados deve durar
até três anos, mas que o Brasil,
hoje, está mais protegido.
"O Brasil deve ser afetado como qualquer outro emergente:
perderá espaço e perspectiva
de crescimento", afirma.
Almeida defende ainda, como proteção contra a crise, que
o governo eleve em três vezes
os investimentos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do qual foi um dos formuladores. "Podemos ter um programa de obras públicas,
que melhorará nossa infra-estrutura e poderá sustentar a
economia no período de crise."
Apesar de apoiar a política
econômica do governo, principalmente a acumulação de reservas, ele mantém suas críticas à valorização do câmbio, um dos motivos de sua saída.
Poucos dias antes de deixar o
governo, Gomes de Almeida
não conteve a irritação com a
valorização do real e deu a seguinte declaração à Folha em
30 de março, uma sexta-feira:
"Com esse dólar, a indústria vai
virar pó". Na segunda, pediu
demissão. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
FOLHA - Como o Brasil será afetado
pela crise atual?
JÚLIO SÉRGIO GOMES DE ALMEIDA -
Essa crise tem conotações muito mais globais, gerais e profundas do que as crises anteriores.
Ela é maior, mais ampla e mais
profunda. Foram feitos empréstimos além das possibilidades de pagamento para uma
parcela expressiva da população americana. Quem colocou
o dinheiro ali perdeu. Como
mostra o último relatório do
FMI, a economia americana
ainda é o centro econômico e financeiro internacional. Quando está bem, é como se dispensasse um pouco essa sua supremacia. Mas, quando a coisa fica
mais difícil, retoma o papel original e exercita a capacidade de
irradiação. A China, por sua
vez, está com a economia superaquecida e com uma inflação
motivada por alimentos. Está
na cara que vai desacelerar sua
economia. Como? Ninguém sabe ainda.
Quanto à duração, creio que a
crise atual não será superada
facilmente. Quanto à dimensão, depende de quem vai pagar
a conta. Pode ser o investidor
ou alguma entidade pública. Se
fosse no Brasil, estaria claro,
pois quem paga a conta sempre
é o setor público. Mas, no mundo, nem sempre é assim. A conseqüência, creio, é que, na melhor das hipóteses, a economia
mundial já não crescerá tanto
quanto cresceu ultimamente,
com taxas superiores a 5%. E o
espaço para uma economia como a brasileira ter o seu próprio crescimento se retrai.
FOLHA - Qual o impacto direto sobre o Brasil?
GOMES DE ALMEIDA - Preços de
exportações não tão favoráveis
e um crescimento das suas importações. Mas nada traumático. O Brasil deve ser afetado por
essa crise como qualquer outro
emergente: perderá espaço e
perspectiva de crescimento.
Mas neste ano o crescimento
está dado. É muito difícil sair
do processo. A economia brasileira está caminhando para 6%
de crescimento neste ano. Há
quatro setores crescendo muito: comércio varejista, agropecuário, construção e indústria.
FOLHA - O investimento externo
ainda pode aumentar?
GOMES DE ALMEIDA - Neste ano
,fica mais difícil, porque num
ambiente como esse todo mundo congela expectativas e avaliações. O Brasil sofrerá com isso, mas, assim que a crise tiver
um desdobramento visível, o
país mostrará que está melhor
do que as agências de risco têm
nos avaliado. Há certa injustiça
quanto à avaliação do Brasil.
FOLHA - Quanto dura a crise?
GOMES DE ALMEIDA - Eu acho que
é uma crise de uns três anos.
Enquanto isso, o Brasil pode fazer um programa de investimentos públicos e atravessá-la
com mais facilidade. É um tempo grande, você vai ter que digerir esse processo todo. O que
significa isso? Uma taxa menor
de crescimento da economia
mundial. Podemos ter um programa de obras públicas, que
melhorará nossa infra-estrutura e poderá sustentar a economia nesse período de crise.
FOLHA - O PAC não prevê isso?
GOMES DE ALMEIDA - Teoricamente, você pode ter um prosseguimento do PAC em 2008
ou para os outros anos, caso se
faça necessário, diante da retração da economia mundial.
FOLHA - Mas o governo nem sequer consegue gastar com o PAC.
GOMES DE ALMEIDA - É questão de
tempo. As pessoas têm que entender o PAC como ruptura de
um processo de inércia dentro
do setor público. O setor público foi desenvolvido, nos últimos 15 anos, para proteger o
não-gasto. O PAC tem um impacto sobre o orçamento público de mais ou menos 0,5% [do
PIB] adicional por ano. Tinha
que ser alguma coisa como
1,5%.
Será preciso optar entre
manter o superávit primário
[economia para pagar juros da
dívida pública] e fazer esse tipo
de coisa. É uma escolha. Não
estou propondo que se reduza o
superávit primário, mas imaginando uma meta, lá para o futuro, em que o PAC seja três vezes
maior. Teremos de fazer investimentos maiores na infra-estrutura, um grande gargalo do
nosso investimento.
FOLHA - Por que o sr. deixou o governo?
GOMES DE ALMEIDA - Por motivos
pessoais. Não me adaptei em
Brasília. Já trabalhei lá em outras épocas, mas dessa vez eu
não me adaptei. O fato de eu ter
criticado a política cambial não
é novidade. Sempre fiz isso e,
graças a Deus, o ministro [da
Fazenda, Guido Mantega] sempre me deu liberdade para um
debate franco. Eu me dava muito bem com ele.
FOLHA - Qual o ponto mais importante da economia no primeiro e no
segundo governo Lula?
GOMES DE ALMEIDA - No primeiro, a recuperação do mercado
interno consumidor. No segundo, vários pontos, mas especialmente relevante é a evolução
da empresa nacional, que resolveu questões pendentes há
muito tempo. Exemplos: sucessão familiar, governança empresarial, força exportadora,
produtividade em linha com
padrões internacionais, internacionalização, acesso a mercado de capitais no Brasil e no
exterior e equilíbrio financeiro.
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