São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2008

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Sistema norueguês prevê forte ação estatal

Modelo cogitado pela equipe de Lula dá ao governo poderes para escolher empresas privadas que vão explorar os campos de petróleo

No padrão adotado pelo país nórdico, não há leilão nem licitação para decidir as petrolíferas que vão extrair o óleo de sua costa marítima

VALDO CRUZ
ENVIADO ESPECIAL A OSLO

Decidida a criação de uma estatal para gerir a riqueza do pré-sal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria de definir se também copiará outras regras do modelo norueguês. Entre elas, a que dá ao governo nórdico praticamente plenos poderes para escolher as empresas privadas que vão explorar os campos de petróleo do país, inclusive nos quais a sua estatal será a parceira.
No modelo norueguês, considerado o preferido pelo governo brasileiro, não há leilão nem licitação para decidir que companhias petrolíferas vão extrair o óleo de sua costa marítima. A última palavra é do governo.
Criado em 2001 pelo Partido Trabalhista, hoje no comando do país numa coalizão que conta também com socialistas e conservadores, o atual modelo norueguês estipula que as empresas interessadas devem apresentar suas propostas para exploração de determinado campo ao Diretório de Petróleo da Noruega.
Órgão similar à ANP (Agência Nacional de Petróleo), mas não independente e vinculado ao Ministério do Petróleo e Energia. Cabe a esse diretório analisar tecnicamente as propostas. O passo seguinte é informar aos ministros de Finanças e do Petróleo as empresas que considera mais experientes, com capacidade financeira e tecnologia para ganhar o direito da exploração.
Com base nesses estudos do diretório, o governo faz a escolha. Inclusive se a estatal norueguesa, a Petoro, será ou não sócia daquele campo. Decisão sempre tomada de acordo com o potencial da reserva em disputa pelas empresas privadas.
No Brasil, seria o mesmo que a ANP convocar as empresas a apresentar propostas para explorar um campo da camada de pré-sal, analisá-las tecnicamente e preparar um relatório ao Palácio do Planalto apontando aquelas que o órgão acredita terem as melhores condições para ganhar a disputa.
Em seguida, o governo brasileiro analisaria o relatório da ANP, faria a escolha final e decidiria se a futura estatal entraria naquele negócio.
Nesse caso, se for copiar totalmente o modelo do país nórdico, a estatal brasileira, que alguns já chamam de "Petro-Sal", teria de investir dinheiro próprio na exploração daquele campo na proporção de sua parte na sociedade.
É assim na Noruega, onde a Petoro, a estatal 100% controlada pelo governo, tem participações que vão de 5% a 65% em vários campos de petróleo na plataforma continental. Optando por essa via, o Brasil teria de garantir fontes de financiamento para a futura estatal.
Na Noruega, o governo pode também decidir que a sua empresa ficará de fora de certas áreas. Nesse caso, o Estado deixa de ter participação direta no negócio, não lucrando com o faturamento do consórcio, mas recebe impostos pagos pelas petrolíferas -hoje na casa dos 78%. Tributos cobrados de todas as empresas do setor. Já a Petoro, a estatal pura, é isenta.
Ela funciona hoje como administradora da riqueza do petróleo. Não é, porém, operadora, não comanda plataformas. Isso fica por conta de uma das empresas que participa com ela da exploração do campo.

Statoil
Além da Petoro, o governo também controla a Statoil, a primeira estatal norueguesa no setor, da qual possui 62,5% das ações. É a Petrobras daqui, que opera diretamente os campos, tem ações em Bolsa e investimentos em outros países, o que a sua irmã puramente estatal não pode fazer. Criada em 1971 também pelo Partido Trabalhista, legenda de linha parecida com a do PT, a Statoil surgiu logo depois das descobertas dos megacampos de petróleo. Até então, o setor privado era quem se arriscava no negócio de encontrar óleo na costa do país.
Ao longo dos anos, tornou-se uma empresa poderosa com as descobertas das grandes reservas de óleo, que fizeram da Noruega o terceiro maior exportador mundial de petróleo e o quinto produtor. O tamanho e a autonomia da Statoil incomodaram o governo local, da mesma forma que a Petrobras no Brasil. Quando os conservadores assumiram o poder, decidiram em 1985 reduzir a força da estatal. Retiraram dela vários privilégios, como o que garantia ser dona de ao menos 50% de todo campo de petróleo explorado no país.
Essa riqueza foi transferida a um fundo, que passou a administrar os interesses do Estado no petróleo. Hoje tem em caixa quase US$ 400 bilhões. No início, porém, a Statoil ainda era responsável pelo fundo, apesar de não lucrar com ele.
Os recursos têm como objetivo, como dizem os noruegueses, garantir as futuras gerações, bancando, por exemplo, aposentadorias. São totalmente aplicados no exterior. No país, só podem ser gastos 4% dos rendimentos.
Em 2001, veio a última mudança, com a volta ao poder do Partido dos Trabalhadores. A Statoil perdeu o controle do fundo e, em contrapartida, foi autorizada a abrir seu capital.
Passou a ser uma empresa mista, como a Petrobras. Em seu lugar, a Petoro foi criada para administrar o dinheiro do fundo e ser a representante do governo norueguês no setor.


O jornalista VALDO CRUZ
viajou a convite do governo da Noruega


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