São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

A insensatez da política monetária

MARCOS ANTONIO CINTRA
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

A decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de elevar os juros básicos (Selic) em meio ponto percentual, para 16,75%, a fim de perseguir a meta de inflação, parece completamente fora de propósito.
Do ponto de vista interno, as principais variáveis que norteiam as decisões sobre a taxa de juros sinalizavam cautela na elevação dos juros. Havia forte expectativa de convergência gradual em direção à meta de inflação de 2005, de 5,1%. Vários índices de preços (IPCA-15, IGP-M e IPC-Fipe) apresentavam tendência de desaceleração; havia uma significativa valorização da taxa de câmbio, componente importante do modelo de projeção de inflação do Banco Central; e, nos últimos dias, constataram-se também sucessivas reduções nas projeções de inflação para os próximos 12 meses e estabilidade das projeções de inflação para 2005 (Pesquisa Focus-Banco Central).
Além disso, o caráter ainda incipiente da recuperação da renda e do emprego mantém remotos, pelo menos no curto prazo, os riscos de desequilíbrios entre a oferta e a demanda que possam desencadear pressões inflacionárias generalizadas, como temem os membros do Copom.
Da perspectiva externa, a taxa de crescimento moderada da economia dos Estados Unidos parece consolidar uma perspectiva de alta gradual e modesta nas taxas de juros básicas do país ("federal funds rate") e, portanto, deverá manter o cenário de elevada liqüidez para os países emergentes.
As baixas taxas de juros nos países desenvolvidos impulsionam a economia e a demanda global, ocasionando forte alta nos preços das commodities e reduzindo os custos do serviços das dívidas dos países em desenvolvimento.

Bolha do petróleo
É verdade que há algumas pressões de custo. O preço do barril do petróleo superou a cotação de US$ 55,00/barril, acumulando alta de 69% no ano, e o aço subiu mais de 70% no ano. A alta do petróleo, no entanto, tem forte componente especulativo, dada a atuação dos "hedge funds", dos fundos de commodities e dos fundos de pensão, em busca de elevada rentabilidade para seus estoques de ativos.
De todo modo, a bolha do petróleo pode furar a qualquer momento, e os investidores internacionais logo procurarão outro ativo para inflar, realizar ganhos de capital e desinflar. É da natureza do próprio sistema.
Isso não parece justificar a manutenção de juros elevados no Brasil, deteriorando as finanças públicas e as perspectivas de expansão dos investimentos. Ao contrário, a taxa de juros real no país, descontada a inflação projetada pelo mercado para os próximos 12 meses, subiu para 9,97% ao ano, mantendo a segunda posição no ranking mundial, perdendo apenas para a Turquia, com juros reais de 11,5% ao ano.
A média das taxas de juros reais de 40 países monitorados pela Global Invest situa-se em 1,3% ao ano, sendo a média dos países emergentes de 2,2% ao ano, e a dos países desenvolvidos, de 0,5% ao ano.
Por conseguinte, a taxa de juros brasileira está mais de sete vezes maior que a média dos demais países. As taxas de juros nominais em alguns países emergentes têm registrado quedas consecutivas, enquanto no Brasil o movimento é de alta.
Infelizmente, esse movimento de elevação da taxa de juros básica no mercado doméstico pode ampliar a margem para arbitragem entre as taxas de juros doméstica e internacional e, mediante a entrada de capitais de curto prazo, desencadear expressiva valorização da taxa de câmbio e prejudicar o processo de redução da vulnerabilidade externa.
Além disso, a subida dos juros pode comprometer a retomada dos investimentos, garantindo a permanência da economia brasileira na onda de crescimento mundial. Para 2004, o Fundo Monetário Internacional projeta uma expansão de 6,6% para os países em desenvolvimento, a maior em pelo menos 30 anos. Os países emergentes da Ásia e da ex-União Soviética devem crescer perto de 8%. América Latina, Europa Central e do Leste, Oriente Médio e África, cerca de 5%. A China continuará crescendo a taxa anualizada de quase 10%. A Índia e a Rússia se expandem a taxa de 7%. O Brasil deverá crescer abaixo da média dos emergentes, em torno de 4%, e o Copom ainda procura conter esse pequeno dinamismo. É lamentável.


Texto Anterior: Para analistas, aumento impõe "teto" a expansão
Próximo Texto: Tensão pós-Copom: Juro elevará dívida em mais de R$ 2 bi
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.