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ANÁLISE
A insensatez da política monetária
MARCOS ANTONIO CINTRA
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
A decisão do Copom (Comitê
de Política Monetária) de elevar
os juros básicos (Selic) em meio
ponto percentual, para 16,75%, a
fim de perseguir a meta de inflação, parece completamente fora
de propósito.
Do ponto de vista interno, as
principais variáveis que norteiam
as decisões sobre a taxa de juros
sinalizavam cautela na elevação
dos juros. Havia forte expectativa
de convergência gradual em direção à meta de inflação de 2005, de
5,1%. Vários índices de preços
(IPCA-15, IGP-M e IPC-Fipe)
apresentavam tendência de desaceleração; havia uma significativa
valorização da taxa de câmbio,
componente importante do modelo de projeção de inflação do
Banco Central; e, nos últimos
dias, constataram-se também sucessivas reduções nas projeções
de inflação para os próximos 12
meses e estabilidade das projeções de inflação para 2005 (Pesquisa Focus-Banco Central).
Além disso, o caráter ainda incipiente da recuperação da renda e
do emprego mantém remotos,
pelo menos no curto prazo, os riscos de desequilíbrios entre a oferta e a demanda que possam desencadear pressões inflacionárias
generalizadas, como temem os
membros do Copom.
Da perspectiva externa, a taxa
de crescimento moderada da economia dos Estados Unidos parece
consolidar uma perspectiva de alta gradual e modesta nas taxas de
juros básicas do país ("federal
funds rate") e, portanto, deverá
manter o cenário de elevada liqüidez para os países emergentes.
As baixas taxas de juros nos países desenvolvidos impulsionam a
economia e a demanda global,
ocasionando forte alta nos preços
das commodities e reduzindo os
custos do serviços das dívidas dos
países em desenvolvimento.
Bolha do petróleo
É verdade que há algumas pressões de custo. O preço do barril do
petróleo superou a cotação de
US$ 55,00/barril, acumulando alta de 69% no ano, e o aço subiu
mais de 70% no ano. A alta do petróleo, no entanto, tem forte componente especulativo, dada a
atuação dos "hedge funds", dos
fundos de commodities e dos fundos de pensão, em busca de elevada rentabilidade para seus estoques de ativos.
De todo modo, a bolha do petróleo pode furar a qualquer momento, e os investidores internacionais logo procurarão outro ativo para inflar, realizar ganhos de
capital e desinflar. É da natureza
do próprio sistema.
Isso não parece justificar a manutenção de juros elevados no
Brasil, deteriorando as finanças
públicas e as perspectivas de expansão dos investimentos. Ao
contrário, a taxa de juros real no
país, descontada a inflação projetada pelo mercado para os próximos 12 meses, subiu para 9,97%
ao ano, mantendo a segunda posição no ranking mundial, perdendo apenas para a Turquia,
com juros reais de 11,5% ao ano.
A média das taxas de juros reais
de 40 países monitorados pela
Global Invest situa-se em 1,3% ao
ano, sendo a média dos países
emergentes de 2,2% ao ano, e a
dos países desenvolvidos, de 0,5%
ao ano.
Por conseguinte, a taxa de juros
brasileira está mais de sete vezes
maior que a média dos demais
países. As taxas de juros nominais
em alguns países emergentes têm
registrado quedas consecutivas,
enquanto no Brasil o movimento
é de alta.
Infelizmente, esse movimento
de elevação da taxa de juros básica
no mercado doméstico pode ampliar a margem para arbitragem
entre as taxas de juros doméstica e
internacional e, mediante a entrada de capitais de curto prazo, desencadear expressiva valorização
da taxa de câmbio e prejudicar o
processo de redução da vulnerabilidade externa.
Além disso, a subida dos juros
pode comprometer a retomada
dos investimentos, garantindo a
permanência da economia brasileira na onda de crescimento
mundial. Para 2004, o Fundo Monetário Internacional projeta uma
expansão de 6,6% para os países
em desenvolvimento, a maior em
pelo menos 30 anos. Os países
emergentes da Ásia e da ex-União
Soviética devem crescer perto de
8%. América Latina, Europa Central e do Leste, Oriente Médio e
África, cerca de 5%. A China continuará crescendo a taxa anualizada de quase 10%. A Índia e a Rússia se expandem a taxa de 7%. O
Brasil deverá crescer abaixo da
média dos emergentes, em torno
de 4%, e o Copom ainda procura
conter esse pequeno dinamismo.
É lamentável.
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