São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Régis Bittencourt põe concessão à prova

Ao assumir a BR-116, companhia espanhola OHL herdará obrigação de extinguir um dos trechos mais perigosos da "rodovia da morte'

Duplicação prevista no leilão da estrada custará R$ 308,7 milhões, segundo a ANTT; empresas dizem que será difícil conseguir licença

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Barracas vendem bananas ao longo da rodovia


JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA

Quando assumir a concessão da Régis Bittencourt (a BR-116, que liga São Paulo a Curitiba), a empresa espanhola OHL herdará também o fardo de terminar a duplicação de sua pista e, assim, tentar extinguir um dos únicos trechos que ainda justificam o antigo apelido de "rodovia da morte".
A serra do Cafezal, trecho de 33 km de pista simples no sudoeste do Estado de São Paulo, é o mais perigoso do trajeto, cujos cerca de 800 km (ida e volta) foram percorridos pela Folha na semana passada, durante cerca de 18 horas.
Em leilão organizado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) neste mês, a OHL ganhou o direito de administrar a via, com a proposta de cobrar R$ 1,30 por eixo em cada uma das seis praças de pedágio previstas. A duplicação da pista na serra do Cafezal é uma das obrigações do contrato e deve custar, segundo previsões iniciais da ANTT, ao menos R$ 308,7 milhões.
Até setembro, esse trecho foi palco de 19 das 134 mortes registradas nos dois sentidos da Régis. Ou seja, mesmo representando cerca de 8% do trajeto, teve mais de 14% dos óbitos.
A maior razão para isso são as batidas frontais, muitas vezes envolvendo os quase onipresentes caminhões, que levam mercadorias dos principais países do Mercosul e dos Estados do Sul para o porto de Santos (SP) e outros pontos da região Sudeste.
Os choques são agravados pelo relevo. O esforço para brecar às vezes é tão grande que, como conta o borracheiro Luis Constantino, 60, é comum que pneus de caminhões cheguem até ele pegando fogo e derretendo. "Daí a gente sai correndo para pegar água, extintor."
O asfalto da serra é também um dos piores de toda a Régis. Há buracos, rachaduras e ao menos três fissuras capazes de fazer um carro quase perder a direção. Não há acostamento em boa parte do trecho.
"A gente já desistiu disso aqui", disse um policial rodoviário federal. Na quinta-feira, não conseguia contatar a única viatura de seu posto porque o equipamento estava quebrado. Quando há acidentes simultâneos, os policiais são obrigados a escolher qual atender.
A reportagem ficou por cerca de uma hora no posto da Polícia Rodoviária Federal no trecho da serra. Com a aparelhagem de rádio quebrada e sem comunicação com a patrulha, o único policial no local lia uma fotocópia de "Vigiar e Punir", de Michel Foucault. Quando não há a batida de frente, é comum que as carretas virem nas curvas acentuadas e sua carga se espalhe pela rodovia.
Nesses casos, os maiores responsáveis por "limpar" a pista são os moradores da região, que sintonizam os rádios na freqüência dos caminhoneiros -que se comunicam quando há acidentes. Em poucos minutos, 200 ou 300 pessoas sabem até qual produto saquearão.
Empresas concorrentes do leilão ouvidas pela Folha dizem que os trechos mais problemáticos da Régis são a serra do Cafezal, o contorno de Curitiba e as cerca de 180 pontes da rodovia -que serão reformadas ou mesmo demolidas.
Além disso, afirmam, será difícil conseguir a licença ambiental para duplicar a pista no trecho da serra. Apesar de o Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) ter gasto apenas R$ 1.204 neste ano com sua conservação, o asfalto tem momentos de boa conservação (especialmente nos 100 km paranaenses).
Seu maior problema são as placas. Das 2.681 que a reportagem contou, 29,1% tinham sinais de má conservação. Do total, 70 estavam pichadas, 70 escondidas pela vegetação, 355 muito sujas ou apagadas, 130 entortadas e 157 queimadas.
A OHL não se pronunciou sobre a reportagem. O Dnit afirmou que há um contrato em vigência para a manutenção da rodovia, mas que não prevê fazer todos os reparos necessários. Para Arnaldo Teixeira Marabolim, superintendente do órgão em SP, o problema não é a falta de dinheiro, mas a demora causada pela lei da concorrência pública.


Texto Anterior: Promotora decide acusar conselheiro
Próximo Texto: Para famílias, privatização traz incerteza
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.