São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

Rogério Ceni para o BC


Rogério é um grande defensor, mas também sabe marcar gols. Que tal um goleiro-artilheiro no BC?


PODE SER bom sinal uma palavra usada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada: ousadia. Pelo que se soube, foi o que ele pediu à equipe econômica ao examinar um conjunto de medidas com o objetivo de destravar a economia e alcançar um crescimento mínimo de 5% no PIB (Produto Interno Bruto) já em 2007.
Ousadia é algo que está em falta na condução da economia brasileira há muitos anos. A equipe econômica tem sido, nos últimos três governos, um time de goleiros. Ousadia, tanto no futebol quanto na economia, não quer dizer imprudência nem maluquice, mas, sim, coragem.
Imagino que o presidente esteja pedindo coragem à sua equipe para propor algumas atitudes que podem fazer muito bem à economia. Para cortar impostos, por exemplo, é necessário ter coragem. Não bastam medidas pontuais, que atendam apenas a um ou outro nicho setorial, embora alguns setores estratégicos exijam atenção especial.
Há que promover uma desoneração importante, para aliviar a carga tributária, que se aproxima de 40% do PIB. Há que apostar na idéia, que não é maluca, de que o crescimento decorrente desses cortes vai compensar eventuais perdas de receita.
Ousadia será cortar gastos da Previdência, que representam um peso insuportável para o setor público. Os dispêndios do INSS devem subir de R$ 164 bilhões neste ano para R$ 181 bilhões no próximo, em razão da indexação dos reajustes ao salário mínimo. Então, ousadia será encarar a exigência de desvincular o aumento do mínimo do reajuste das aposentadorias.
É correto o aumento real promovido neste governo no salário mínimo, que pode continuar subindo mais que a inflação. Os trabalhadores precisam disso, a economia precisa disso, e o Brasil pode pagar por isso. Mas a Previdência não pode, e é possível adotar um sistema de ajuste para os rendimentos que não prejudique os aposentados. Estes merecem ter uma garantia de aumentos iguais ao da inflação anual, que mantenham o valor real do benefício.
A redução de gastos correntes do governo central, portanto, é inadiável. Mas a ousadia não pode se restringir à área fiscal. Deve estender-se também à monetária. Cortar juros com coragem é algo que não se vê no país há muito tempo. A redução feita nos juros básicos nos últimos meses não é suficiente, porque a taxa real tem se mantido em níveis muito elevados, os maiores do mundo. Isso é péssimo por duas razões.
De um lado, o próprio governo se vê obrigado a gastar quantias elevadas -mais de R$ 150 bilhões por ano- para remunerar os aplicadores em títulos públicos. De outro, o setor privado, viciado em rendimentos sem risco, muito maiores do que os obtidos na atividade produtiva, posterga investimentos.
O corte corajoso nos juros terá ainda efeitos importantes no ajuste da taxa de câmbio. As exportações continuam suportando um superávit importante, acima de US$ 45 bilhões anuais, mas já se nota uma nítida tendência de redução da taxa de expansão das vendas de manufaturados. O ajuste gradual do câmbio em direção a uma taxa de pelo menos R$ 2,50 por dólar pode modificar essa tendência.
O objetivo dessas ousadias é um só: arrumar recursos para que o setor público invista mais e empurre o privado a fazer o mesmo. Só a expansão de investimentos pode destravar definitivamente a economia. Não faz sentido que seja mantido o cenário constrangedor em que o governo central, após investir apenas R$ 17,1 bilhões no ano passado, valor que corresponde a 0,88% do PIB (Produto Interno Bruto), projete para 2006 um aumento para apenas R$ 19 bilhões, ou 0,9% do PIB.
Por tudo isso, a palavra "ousadia" usada pelo presidente deve ser saudada neste momento em que se preparam as bases para o próximo governo. Na semana passada, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, comparou o trabalho do BC ao de um goleiro. Disse que seria absurdo cobrar de um goleiro que faça gols, porque a função do goleiro é defender, assim como a do Banco Central. Como são-paulino, logo me lembrei de Rogério Ceni e li, no dia seguinte, uma menção a ele na Folha, nesta página. Rogério é um grande defensor, mas também sabe marcar gols. Que tal um goleiro-artilheiro na diretoria do Banco Central?
BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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