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Crédito farto compensava ineficiências
Redes de varejo começam a reestruturar operações, mas empresas mais fragilizadas deverão passar por consolidação
Linha da CEF para varejistas
tem 40 redes interessadas;
empresas irão administrar
dia-a-dia e buscarão crédito
com a própria indústria
Robson Ventura-13.nov.08/Folha Imagem
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Concessionária de veículos em SP, um dos setores mais afetados
DA REPORTAGEM LOCAL
A oferta de crédito farto e a
demanda em alta, provocada
pela entrada de novos consumidores na classe média, encobriam ineficiências do varejo,
segundo especialistas do setor.
"Com a contenção do crédito,
tais ineficiências vieram à tona
e as redes ficaram desnudas",
diz Fernando Blanco, presidente da seguradora Coface, que
teve mais de 80 sinistros de redes varejistas em dezembro.
Entre os problemas apontados, estão estrutura de capital
inadequada, resultado de uma
relação entre dívida e capital
próprio desproporcional. Também há o descasamento de ativos e passivos, que são os recebimentos e as obrigações das
empresas. Há ainda erros em
planejamento estratégico,
principalmente ligados a processos de expansão acelerada.
"Tudo isso funciona com o
crédito abundante e o consumo
em alta", afirma Blanco. "Mas
quando se pára de pedalar
abruptamente, como aconteceu agora, a bicicleta cai."
As compras de fim de ano e as
promoções para desovar estoques deverão garantir capital
de giro para o início do ano. A
partir daí, os especialistas acreditam que a administração do
negócio será literalmente diária, sem qualquer condição de
planejamento no longo prazo.
"As empresas estão agindo
como se houvesse a volta do
processo inflacionário", afirma
Adalberto Viviani, sócio da
consultoria Concept. "Cortaram estoques, aumentaram as
entradas para 50% e estão
apostando na volta do consórcio", completa.
A intenção evidente é girar o
caixa, ao mesmo tempo em que
tentam reduzir a inadimplência. "Temos incentivado os varejistas a vender todo o seu estoque, a fazer caixa e evitar a todo custo ir a bancos", diz Fábio
Campos, gerente de serviços financeiros do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas).
Segundo Campos, depois de
ver como as vendas se comportarão no Natal, a instrução é
que os pequenos comerciantes
passem a negociar os prazos de
financiamento com a própria
indústria. "A reposição de estoques será menor, e os negócios
serão administrados no dia-a-dia", diz Campos.
Viviani cita, como exemplo, o
caso de um de seus clientes da
área de embalagens, que tinha
recebido 50% das encomendas
habituais para dezembro. Depois de quatro dias, os pedidos
tinham chegado a 65% do normal e, na última semana, estavam em 85%.
"A expectativa tem sido pior
do que a realidade, pelo menos
por enquanto", afirma Viviani.
Indicadores confusos
Isso porque, mesmo os indicadores que mostram aumento
no consumo, podem esconder,
na verdade, uma tendência de
queda futura.
"A venda de eletroeletrônicos, principalmente computadores, só não mostrou sinais de
queda porque os consumidores
resolveram antecipar a compra
frente a alta do dólar", diz Claudio Felisoni, coordenador do
Provar (Programa de Administração do Varejo) da FEA-USP.
"Vamos identificar sinais evidentes de crise, principalmente
nas lojas que vendem produtos
mais caros e dependem do crédito ao consumidor."
Felisoni exemplifica a teoria
falando das concessionárias. Se
até três meses atrás um carro
usado de R$ 30 mil era comprado pelo lojista com deságio de
17%, hoje ele paga 30% menos
sobre o valor de tabela.
"A situação das concessionárias só não é uma hecatombe
porque a indústria administra
sua cadeia de distribuição de
forma muito profissional", diz
Blanco. Já na área de eletroeletrônicos, que teve historicamente as piores quebras do varejo brasileiro, a Coface parou
de aceitar pedidos de seguros.
"Acendeu a luz amarela naqueles segmentos que dependem de financiamento", diz
Eugênio Foganholo, diretor da
consultoria especializada em
varejo Mixxer. "Em muitas delas, boa parte da lucratividade
vinha de receita financeira conseguida nos crediários, que diminuíram muito."
Segundo levantamento do
Corecon (Conselho Regional
de Economia), o varejo movimenta R$ 15 bilhões em financiamentos de compras por ano.
Mas 65% dos varejistas dependem de parcerias com bancos
para financiar o consumidor.
Janela estreita
Mesmo com a situação de
crédito mais escasso e caro, a
CEF (Caixa Econômica Federal) abriu uma linha de crédito
voltada especialmente ao varejo. A CEF financia o consumidor de determinadas redes, que
até então parcelavam com capital próprio suas vendas.
Por enquanto, no entanto, a
linha funciona apenas em projeto-piloto, testado com sete
varejistas, com exceção do Estado de Santa Catarina, para o
qual foi totalmente aberto em
função das enchentes. No total,
são 1.600 lojas atendidas.
Com R$ 2 bilhões disponíveis, a estimativa é que a linha
de crédito seja oferecida em todo o país a interessados no fim
de janeiro. Por enquanto, há 40
redes na fila.
"Não desenhamos essa operação por causa da crise, até
porque uma estrutura dessa levou um ano e meio para ser
montada", afirma Milton Krueger, superintendente da CEF.
"Pretendemos atender a 250
redes e 11 mil lojas."
Consolidação do setor
Com poucas alternativas, no
entanto, os consultores da área
esperam que 2009 seja marcado por fusões e aquisições. "É
bastante provável que haja consolidações no setor", diz Luiz
Fernando Biasetto, sócio da
consultoria GSMD. "As empresas que estiverem capitalizadas
certamente encontrarão boas
oportunidades nas que estão
mais frágeis."
Enquanto isso não acontece,
os consultores dizem que a demanda por prestação de serviços ligados a reestruturações
começou a crescer desde novembro. "As vendas menores e
situações como a substituição
tributária obrigam os varejistas
a buscar eficiência de maneira
mais intensa do que durante a
época em que o crédito era farto", diz Biasetto.
Para alguns deles, o momento é importante para essa reorganização, uma vez que, passada a onda de compras de Natal,
pode haver um recrudescimento da crise. "O agravamento da
crise é inevitável", diz Blanco.
"O único antídoto é o investimento do governo em atividades produtivas, mas isso demorará meses até ser executado.
Antes de melhorar, as coisas
vão piorar."
(CRISTIANE BARBIERI)
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