São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2008

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Crédito farto compensava ineficiências

Redes de varejo começam a reestruturar operações, mas empresas mais fragilizadas deverão passar por consolidação

Linha da CEF para varejistas tem 40 redes interessadas; empresas irão administrar dia-a-dia e buscarão crédito com a própria indústria

Robson Ventura-13.nov.08/Folha Imagem
Concessionária de veículos em SP, um dos setores mais afetados

DA REPORTAGEM LOCAL

A oferta de crédito farto e a demanda em alta, provocada pela entrada de novos consumidores na classe média, encobriam ineficiências do varejo, segundo especialistas do setor. "Com a contenção do crédito, tais ineficiências vieram à tona e as redes ficaram desnudas", diz Fernando Blanco, presidente da seguradora Coface, que teve mais de 80 sinistros de redes varejistas em dezembro.
Entre os problemas apontados, estão estrutura de capital inadequada, resultado de uma relação entre dívida e capital próprio desproporcional. Também há o descasamento de ativos e passivos, que são os recebimentos e as obrigações das empresas. Há ainda erros em planejamento estratégico, principalmente ligados a processos de expansão acelerada.
"Tudo isso funciona com o crédito abundante e o consumo em alta", afirma Blanco. "Mas quando se pára de pedalar abruptamente, como aconteceu agora, a bicicleta cai."
As compras de fim de ano e as promoções para desovar estoques deverão garantir capital de giro para o início do ano. A partir daí, os especialistas acreditam que a administração do negócio será literalmente diária, sem qualquer condição de planejamento no longo prazo.
"As empresas estão agindo como se houvesse a volta do processo inflacionário", afirma Adalberto Viviani, sócio da consultoria Concept. "Cortaram estoques, aumentaram as entradas para 50% e estão apostando na volta do consórcio", completa.
A intenção evidente é girar o caixa, ao mesmo tempo em que tentam reduzir a inadimplência. "Temos incentivado os varejistas a vender todo o seu estoque, a fazer caixa e evitar a todo custo ir a bancos", diz Fábio Campos, gerente de serviços financeiros do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).
Segundo Campos, depois de ver como as vendas se comportarão no Natal, a instrução é que os pequenos comerciantes passem a negociar os prazos de financiamento com a própria indústria. "A reposição de estoques será menor, e os negócios serão administrados no dia-a-dia", diz Campos.
Viviani cita, como exemplo, o caso de um de seus clientes da área de embalagens, que tinha recebido 50% das encomendas habituais para dezembro. Depois de quatro dias, os pedidos tinham chegado a 65% do normal e, na última semana, estavam em 85%.
"A expectativa tem sido pior do que a realidade, pelo menos por enquanto", afirma Viviani.

Indicadores confusos
Isso porque, mesmo os indicadores que mostram aumento no consumo, podem esconder, na verdade, uma tendência de queda futura.
"A venda de eletroeletrônicos, principalmente computadores, só não mostrou sinais de queda porque os consumidores resolveram antecipar a compra frente a alta do dólar", diz Claudio Felisoni, coordenador do Provar (Programa de Administração do Varejo) da FEA-USP. "Vamos identificar sinais evidentes de crise, principalmente nas lojas que vendem produtos mais caros e dependem do crédito ao consumidor."
Felisoni exemplifica a teoria falando das concessionárias. Se até três meses atrás um carro usado de R$ 30 mil era comprado pelo lojista com deságio de 17%, hoje ele paga 30% menos sobre o valor de tabela.
"A situação das concessionárias só não é uma hecatombe porque a indústria administra sua cadeia de distribuição de forma muito profissional", diz Blanco. Já na área de eletroeletrônicos, que teve historicamente as piores quebras do varejo brasileiro, a Coface parou de aceitar pedidos de seguros.
"Acendeu a luz amarela naqueles segmentos que dependem de financiamento", diz Eugênio Foganholo, diretor da consultoria especializada em varejo Mixxer. "Em muitas delas, boa parte da lucratividade vinha de receita financeira conseguida nos crediários, que diminuíram muito."
Segundo levantamento do Corecon (Conselho Regional de Economia), o varejo movimenta R$ 15 bilhões em financiamentos de compras por ano. Mas 65% dos varejistas dependem de parcerias com bancos para financiar o consumidor.

Janela estreita
Mesmo com a situação de crédito mais escasso e caro, a CEF (Caixa Econômica Federal) abriu uma linha de crédito voltada especialmente ao varejo. A CEF financia o consumidor de determinadas redes, que até então parcelavam com capital próprio suas vendas.
Por enquanto, no entanto, a linha funciona apenas em projeto-piloto, testado com sete varejistas, com exceção do Estado de Santa Catarina, para o qual foi totalmente aberto em função das enchentes. No total, são 1.600 lojas atendidas.
Com R$ 2 bilhões disponíveis, a estimativa é que a linha de crédito seja oferecida em todo o país a interessados no fim de janeiro. Por enquanto, há 40 redes na fila.
"Não desenhamos essa operação por causa da crise, até porque uma estrutura dessa levou um ano e meio para ser montada", afirma Milton Krueger, superintendente da CEF. "Pretendemos atender a 250 redes e 11 mil lojas."

Consolidação do setor
Com poucas alternativas, no entanto, os consultores da área esperam que 2009 seja marcado por fusões e aquisições. "É bastante provável que haja consolidações no setor", diz Luiz Fernando Biasetto, sócio da consultoria GSMD. "As empresas que estiverem capitalizadas certamente encontrarão boas oportunidades nas que estão mais frágeis."
Enquanto isso não acontece, os consultores dizem que a demanda por prestação de serviços ligados a reestruturações começou a crescer desde novembro. "As vendas menores e situações como a substituição tributária obrigam os varejistas a buscar eficiência de maneira mais intensa do que durante a época em que o crédito era farto", diz Biasetto.
Para alguns deles, o momento é importante para essa reorganização, uma vez que, passada a onda de compras de Natal, pode haver um recrudescimento da crise. "O agravamento da crise é inevitável", diz Blanco. "O único antídoto é o investimento do governo em atividades produtivas, mas isso demorará meses até ser executado. Antes de melhorar, as coisas vão piorar." (CRISTIANE BARBIERI)


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