São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O Brasil e o FMI

A estrutura de votação do Fundo é muito desequilibrada e deve ser corrigida

FOI APROVADA , anteontem, a indicação do meu nome para o cargo de diretor-executivo pelos outros oito países que integram a nossa circunscrição no Fundo Monetário Internacional (Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). Devo tomar posse logo após as reuniões de primavera do Fundo, que se realizarão em Washington, D.C., em meados de abril.
De certo modo, a perspectiva é animadora. O Brasil não depende atualmente dos empréstimos do FMI. A posição das contas externas do país é bastante forte. Temos registrado elevados saldos na balança comercial e superávits no balanço de pagamentos em transações correntes. As nossas reservas internacionais alcançam quase US$ 107 bilhões. Não estamos mais na situação de pedinte e temos condições de participar com autonomia nas discussões e decisões do FMI, assim como de outros organismos internacionais.
Ocorre que o poder de votação no FMI é muito concentrado. Os Estados Unidos têm 17% do total dos votos; o Japão e a Alemanha, 6% dos votos cada um; a França e o Reino Unido, 5% cada um. Apenas cinco países desenvolvidos respondem, portanto, por 39% dos votos. O conjunto dos desenvolvidos controla cerca de 60% dos votos. Os Estados Unidos contam com poder de veto sobre decisões que envolvam alterações nos estatutos do Fundo (os "Articles of Agreement"), uma vez que essas alterações exigem uma maioria de 85%.
O grupo de nove países que me caberá representar tem 2,4% dos votos; o Brasil, isoladamente, 1,4%. A nossa capacidade de influir depende, portanto, da construção de alianças com outros membros do Fundo. Alianças com nações sul-americanas que fazem parte de outras circunscrições. Alianças com outros países emergentes e em desenvolvimento, notadamente com os grandes países da periferia (China, Índia, Rússia, África do Sul e Indonésia, por exemplo).
Os desenvolvidos tendem a agir em bloco e não simpatizam, em geral, com as reivindicações das nações em desenvolvimento. Mas, mesmo com esses países, é possível encontrar pontos de convergência em alguns temas.
Já está em andamento no âmbito do Fundo uma reavaliação da estrutura de votação e dos critérios utilizados para definir o poder de voto de cada membro. A discussão vem avançando. Consolida-se aos poucos a percepção de que os países emergentes e em desenvolvimento, cujo peso na economia mundial é crescente e nos quais vive a maior parte da população do planeta, estão sub-representados na estrutura atual do Fundo.
Há distorções gritantes. Por exemplo: a Bélgica, com 2,1% dos votos, tem mais peso do que a Índia, que conta com 1,9%; a Holanda, com 2,3%, pesa mais do que o Brasil. A correção desses desequilíbrios e distorções é um dos principais temas da agenda atual do Fundo e irá ocupar boa parte do meu tempo.
As últimas semanas têm sido bastante pesadas. O convite do ministro Guido Mantega me pegou de surpresa, e eu ainda não me acostumei totalmente com a idéia de morar fora do Brasil, muito menos em Washington, trabalhando no FMI ("of all places!"). Mas repare, leitor, a sutileza: no e não para o FMI!
Algumas pessoas foram um pouco pessimistas. "Você será um estranho no ninho", comentou um amigo. Não creio que vá ficar inteiramente isolado, mas não há dúvida de que a mudança de vida e de ambiente será muito grande. Uma coisa tem me ajudado bastante: as inúmeras manifestações de apoio, carinho e confiança que venho recebendo de amigos, ex-alunos, conhecidos e leitores. Uma verdadeira avalanche de mensagens e telefonemas, que estou tentando responder aos poucos.
Outro dia, por exemplo, uma senhora muito simpática me parou na rua, declarou-se leitora desta coluna e me congratulou efusivamente. "Como é que você está se sentindo?", perguntou maternalmente. Eu respondi: "Estou um pouco apreensivo". E ela: "É que são muitos falcões lá, não é?". Emendei: "E eu um pombo...". Mas ela, sorrindo, foi enfática: "Mas não um pombo qualquer!".
Confirmei imediatamente: "Não, não! Vou dar as minhas bicadas!".


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).

pnbjr@attglobal.net


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