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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
O acordo comercial EUA-Coréia
Tratados com as grandes economias têm potencial muito maior de benefícios do que com Venezuela ou Bolívia
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NÃO É EVIDENTE que o acordo
de livre comércio assinado
no começo deste mês pelos
negociadores dos Estados Unidos e
da Coréia do Sul irá efetivamente vigorar. O tratado ainda depende da
aprovação dos respectivos Congressos e há forte oposição de lobbies
protecionistas nos dois países. Mas,
se ratificado, o acordo marcará uma
mudança importante nas negociações globais para a liberalização do
comércio.
A Coréia do Sul é um país com menos de 50 milhões de habitantes e
com um Produto Interno Bruto que,
medido pela paridade de poder de
compra, é cerca de 75% do PIB do
Brasil. Mas, com uma economia
muito integrada ao resto do mundo,
os coreanos exportam US$ 300 bilhões por ano, montante só superado por União Européia, Estados
Unidos, China, Japão e Hong Kong.
Para o Japão, será complicado ficar fora de uma zona de livre comércio EUA-Coréia. Algumas das principais exportações coreanas -semicondutores e automóveis, por
exemplo- são também itens importantes nas exportações do Japão.
Além disso, os EUA e a Coréia são,
respectivamente, o primeiro e o terceiro países compradores de produtos japoneses. Um tratado entre essas três nações constituiria a maior
zona de livre comércio do planeta.
Com um desempenho desastroso
na arena internacional, o governo
Bush não vai poupar esforços para
aprovar o pacto com a Coréia. Infelizmente, isso pode afetar negativamente seu empenho a favor de um
novo acordo na Organização Mundial do Comércio. Embora a Rodada
Doha pareça moribunda, seu malogro seria uma má notícia para o comércio internacional em geral e para o Brasil em particular.
Os economistas preferem os acordos globais aos bilaterais ou regionais porque estes distorcem o padrão de comércio entre os países. O
tratado EUA-Coréia tornará menos
competitivo o equipamento automobilístico brasileiro nos EUA e a
soja do Brasil no mercado coreano.
Apesar do progresso realizado nos
últimos anos, principalmente nas
exportações, o Brasil ainda é uma
economia pouco integrada ao resto
do mundo. Os resultados da limitada abertura no começo dos anos 90
indicam que o país pode se beneficiar muito de um menor grau de
protecionismo. Marcos Lisboa,
Naércio Menezes Filho e Adriana
Schor(*) utilizaram os dados da Pesquisa Industrial Anual do IBGE para
examinar o comportamento de
1.700 firmas brasileiras. Os autores
documentam que a redução das tarifas de importação de insumos e bens
de capital foi a principal responsável
pelos ganhos de produtividade das
firmas brasileiras entre 1988 e 1998.
A atual estrutura de proteção no
Brasil ainda impõe altos custos a
consumidores e a produtores, forçados a pagar mais por bens de capital
e insumos protegidos. A nossa economia tem muito a ganhar com a redução de alíquotas de importação.
Nesse caso, certamente haveria
também perdedores, e alguns, especialmente os trabalhadores em setores protegidos, merecem receber
uma ajuda temporária do governo,
mas é preciso lembrar que muitas
empresas que vão perder com essa
mudança já se beneficiaram por longo tempo da proteção tarifária.
Mas a Rodada Doha prometeu diminuir o protecionismo agrícola dos
países ricos em troca de maior abertura para manufaturados e serviços
em países como o Brasil, e, nessa
permuta, a maioria dos brasileiros
ganharia duas vezes -uma economia mais eficiente e com maiores
chances de crescimento e mais acesso a mercados para seus produtos.
Se Doha fracassar, uma alternativa é perseguir pactos bilaterais e regionais de livre comércio tendo em
conta dois importantes princípios:
1) as áreas de livre comércio são preferíveis às uniões aduaneiras, como
o Mercosul, porque não nos comprometem a manter barreiras contra os produtos de outros países; e 2)
os ganhos no comércio internacional são, em geral, proporcionais ao
tamanho dos nossos parceiros. Por
isso, acordos com as grandes economias -EUA, Japão, China e União
Européia- têm potencial muito
maior de gerar benefícios do que
pactos com a Venezuela ou a Bolívia.
Esses princípios aparentemente
contradizem a atual doutrina do Itamaraty, mas constituem o melhor
caminho para que o Brasil se aproveite do crescimento global.
(*) "Os Efeitos da Liberalização Comercial sobre a Produtividade: Competição ou Tecnologia?" - Anais do 24º Encontro da Sociedade Brasileira de Econometria, 2002
( http://www.sbe.org.br/ebe24/075.pdf ).
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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