São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

O acordo comercial EUA-Coréia


Tratados com as grandes economias têm potencial muito maior de benefícios do que com Venezuela ou Bolívia

NÃO É EVIDENTE que o acordo de livre comércio assinado no começo deste mês pelos negociadores dos Estados Unidos e da Coréia do Sul irá efetivamente vigorar. O tratado ainda depende da aprovação dos respectivos Congressos e há forte oposição de lobbies protecionistas nos dois países. Mas, se ratificado, o acordo marcará uma mudança importante nas negociações globais para a liberalização do comércio.
A Coréia do Sul é um país com menos de 50 milhões de habitantes e com um Produto Interno Bruto que, medido pela paridade de poder de compra, é cerca de 75% do PIB do Brasil. Mas, com uma economia muito integrada ao resto do mundo, os coreanos exportam US$ 300 bilhões por ano, montante só superado por União Européia, Estados Unidos, China, Japão e Hong Kong.
Para o Japão, será complicado ficar fora de uma zona de livre comércio EUA-Coréia. Algumas das principais exportações coreanas -semicondutores e automóveis, por exemplo- são também itens importantes nas exportações do Japão.
Além disso, os EUA e a Coréia são, respectivamente, o primeiro e o terceiro países compradores de produtos japoneses. Um tratado entre essas três nações constituiria a maior zona de livre comércio do planeta.
Com um desempenho desastroso na arena internacional, o governo Bush não vai poupar esforços para aprovar o pacto com a Coréia. Infelizmente, isso pode afetar negativamente seu empenho a favor de um novo acordo na Organização Mundial do Comércio. Embora a Rodada Doha pareça moribunda, seu malogro seria uma má notícia para o comércio internacional em geral e para o Brasil em particular.
Os economistas preferem os acordos globais aos bilaterais ou regionais porque estes distorcem o padrão de comércio entre os países. O tratado EUA-Coréia tornará menos competitivo o equipamento automobilístico brasileiro nos EUA e a soja do Brasil no mercado coreano.
Apesar do progresso realizado nos últimos anos, principalmente nas exportações, o Brasil ainda é uma economia pouco integrada ao resto do mundo. Os resultados da limitada abertura no começo dos anos 90 indicam que o país pode se beneficiar muito de um menor grau de protecionismo. Marcos Lisboa, Naércio Menezes Filho e Adriana Schor(*) utilizaram os dados da Pesquisa Industrial Anual do IBGE para examinar o comportamento de 1.700 firmas brasileiras. Os autores documentam que a redução das tarifas de importação de insumos e bens de capital foi a principal responsável pelos ganhos de produtividade das firmas brasileiras entre 1988 e 1998.
A atual estrutura de proteção no Brasil ainda impõe altos custos a consumidores e a produtores, forçados a pagar mais por bens de capital e insumos protegidos. A nossa economia tem muito a ganhar com a redução de alíquotas de importação.
Nesse caso, certamente haveria também perdedores, e alguns, especialmente os trabalhadores em setores protegidos, merecem receber uma ajuda temporária do governo, mas é preciso lembrar que muitas empresas que vão perder com essa mudança já se beneficiaram por longo tempo da proteção tarifária.
Mas a Rodada Doha prometeu diminuir o protecionismo agrícola dos países ricos em troca de maior abertura para manufaturados e serviços em países como o Brasil, e, nessa permuta, a maioria dos brasileiros ganharia duas vezes -uma economia mais eficiente e com maiores chances de crescimento e mais acesso a mercados para seus produtos.
Se Doha fracassar, uma alternativa é perseguir pactos bilaterais e regionais de livre comércio tendo em conta dois importantes princípios:
1) as áreas de livre comércio são preferíveis às uniões aduaneiras, como o Mercosul, porque não nos comprometem a manter barreiras contra os produtos de outros países; e 2) os ganhos no comércio internacional são, em geral, proporcionais ao tamanho dos nossos parceiros. Por isso, acordos com as grandes economias -EUA, Japão, China e União Européia- têm potencial muito maior de gerar benefícios do que pactos com a Venezuela ou a Bolívia. Esses princípios aparentemente contradizem a atual doutrina do Itamaraty, mas constituem o melhor caminho para que o Brasil se aproveite do crescimento global.


(*) "Os Efeitos da Liberalização Comercial sobre a Produtividade: Competição ou Tecnologia?" - Anais do 24º Encontro da Sociedade Brasileira de Econometria, 2002 ( http://www.sbe.org.br/ebe24/075.pdf ).

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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