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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Banco Central pisou na bola

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Em decisão unânime, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) manteve inalterada a taxa básica de juros, sem viés. "Toda unanimidade é burra", sustentava Nelson Rodrigues. Será que a decisão do Copom foge à regra rodriguiana?
Qualificá-la de "burra" talvez seja exagero. Digamos, em nome da paciência, que foi uma decisão muito controvertida. O Banco Central deveria ter iniciado a diminuição da taxa básica, ou reduzido um pouco os depósitos compulsórios sobre passivos bancários, ou, no mínimo, estabelecido um viés de baixa para os juros.
Na última semana, apareceram diversas novas indicações de que a taxa básica de juro poderia começar a cair. Os índices de preços, inclusive ao consumidor, continuam a registrar queda da inflação. As expectativas inflacionárias estão diminuindo aos poucos. Novas informações sobre a economia real sugerem, em geral, aprofundamento do quadro de retração da produção e do emprego.
Ao manter a taxa nominal básica constante em 26,5%, o Copom decidiu implicitamente aumentá-la em termos reais. Como justificar uma decisão dessas se a economia está retraída, e o nível de desemprego, elevado? Combinado com a valorização cambial e o aumento do superávit fiscal primário, o aperto monetário configura, como dizem as más línguas, um verdadeiro "projeto PIB zero".
Não se deve perder de vista, além disso, que a taxa básica é muito inferior às taxas de juro cobradas pelos bancos. Nas operações de crédito com recursos livres, os juros vêm aumentando consideravelmente desde o início do governo Lula. Segundo dados do Banco Central, as taxas médias cobradas de pessoas jurídicas aumentaram de 30,9% ao ano em dezembro para 37,9% em março. No mesmo período, os juros nas operações com pessoas físicas aumentaram de 83,5% para 87,3%, em média.
O Banco Central alega que é preciso proceder com cautela e aguardar sinais mais claros de que a inflação está sob controle. A cautela é compreensível. Mas, convenhamos, o que se esperava do Banco Central não era muito. Apenas um pouco de flexibilidade e um pouco mais de atenção à situação da produção e do emprego. E o mínimo de ousadia para iniciar uma diminuição gradativa e cuidadosa das taxas de juro.
A própria cautela recomendaria alguma diminuição dos juros. Afinal, a inflação não é o único risco. E neste momento não é, provavelmente, o principal. Existe também o risco de que a política monetária precipite uma recessão. A experiência de diversos países mostra que a recessão, assim como a inflação, pode tornar-se um processo cumulativo, de difícil reversão.
Ceder ao clamor pela diminuição dos juros teria prejudicado a credibilidade do Banco Central e alimentado dúvidas sobre a sua disposição de combater a inflação? Não creio. A pressão pela queda dos juros não cresceu por acaso. Ela reflete a percepção fundamentalmente correta, ou pelo menos bastante defensável, de que os indicadores econômico-financeiros estão apontando para a conveniência de atenuar um pouco a restrição monetária.
Esse tipo de pressão surgirá toda vez que a conjuntura for mais favorável a uma diminuição da taxa de juro. Se a preocupação com a reputação antiinflacionária levar o Banco Central a ostentar uma postura inflexível, os juros nunca poderão ser reduzidos.


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

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