São Paulo, terça-feira, 22 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BENJAMIN STEINBRUCH

Despoluir o Tietê


Relatório da Cetesb que mostra piora da qualidade do Tietê revela desastre e expõe a incompetência de paulistas

CONTA-NOS o repórter Sérgio Dávila, desta Folha, que um jornalista espanhol integrante da comitiva de George W. Bush, que visitou São Paulo em março, ao passar pela marginal do Tietê, fez a seguinte pergunta: "Isso é um rio ou só água suja?".
Foi bondoso o jornalista ao chamar de água o líquido repugnante que corre no meio da maior e mais rica cidade do país. Aquilo é uma quase-água. Relatório divulgado na semana passada pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) mostra que, em alguns trechos do rio, o líquido que corre pelo Tietê tem zero miligrama de oxigênio por litro.
A notícia mais assustadora do relatório foi que a qualidade da "água" do rio conseguiu piorar em relação ao ano anterior, quando havia 0,4 miligrama de oxigênio por litro no pior trecho. Estamos muito distantes ainda do dia em que o Tietê voltará a ser um rio vivo na região metropolitana de São Paulo. Segundo os técnicos, para haver vida no rio são necessários 4 mg/l e, para haver peixes, 8 mg/l.
Em meio a tanto barulho sobre o momento econômico positivo, só conturbado pela ameaça cambial, teve pouco destaque o relatório da Cetesb da semana passada. Mas ele revela um desastre e expõe a prova da incompetência de paulistas e paulistanos, governantes e governados, que, a despeito dos avanços tecnológicos, não conseguem melhorar as condições de um rio há tantos anos moribundo.
Há 62 anos, em 1945, ao escrever o poema "A Meditação sobre o Tietê", Mario de Andrade já descrevia os sinais da doença do rio: "Debaixo do arco admirável da ponte das Bandeiras, o rio murmura num banzeiro de água pesada e oliosa (sic). (...) Estas águas do meu Tietê são abjetas e barrentas. Dão morte decerto, e dão garças e antíteses".
Nesses anos todos desde que Mario de Andrade escreveu seu poema, a situação do rio só piorou com a urbanização e a industrialização de São Paulo. Não há mistérios na poluição do rio Tietê, do Pinheiros e dos riachos que cortam a capital paulista. Ela decorre do lixo e, principalmente, da enorme quantidade de esgotos não tratados ainda são despejados no seu leito. Em Guarulhos, por exemplo, o índice de tratamento é zero. Os sedimentos retirados a cada ano do Tietê e do rio Pinheiros atingem 5 milhões de m3, ou 800 mil caminhões.
Há um programa de despoluição do rio iniciado em 1992. Até 1998, foi gasto US$ 1,1 bilhão, a maior parte no aprofundamento da calha e na construção das estações de tratamento de esgoto na região metropolitana. Na fase atual, estão sendo construídos interceptores, coletores e ligações domiciliares para levar o esgoto às estações de tratamento. A conclusão dessas obras está prevista para 2008.
O rio Tâmisa, em Londres, era conhecido como o "Grande Fedor", que interrompia até sessões do Parlamento pelo mau cheiro que exalava no século 19. Foi despoluído a partir dos anos 1860 e voltou a ser contaminado com o surto industrial do século 20. Mas, a partir de 1970, passou a ser um rio vivo, onde nadam hoje 121 espécies de peixes.
Despoluir o Tietê e seus afluentes não pode ser uma missão impossível. Mas essa tarefa certamente exige determinação e ação conjunta de governantes, além da pressão constante da sociedade. Há urgência. Esses rios são uma vergonha para São Paulo desde os anos 1940, quando Mario de Andrade meditava sobre a ponte das Bandeiras. Que tal fixar uma data para sua despoluição completa?


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Artigo: Retorno do Brasil supera 1.000%
Próximo Texto: Compra de empresas entra em "zona de risco", alerta OCDE
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.