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BENJAMIN STEINBRUCH
Despoluir o Tietê
Relatório da Cetesb que mostra piora da qualidade do Tietê revela desastre e expõe a incompetência de paulistas
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CONTA-NOS o repórter Sérgio
Dávila, desta Folha, que um
jornalista espanhol integrante da comitiva de George W.
Bush, que visitou São Paulo em
março, ao passar pela marginal do
Tietê, fez a seguinte pergunta: "Isso é um rio ou só água suja?".
Foi bondoso o jornalista ao chamar de água o líquido repugnante
que corre no meio da maior e mais
rica cidade do país. Aquilo é uma
quase-água. Relatório divulgado na
semana passada pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) mostra que, em
alguns trechos do rio, o líquido que
corre pelo Tietê tem zero miligrama de oxigênio por litro.
A notícia mais assustadora do relatório foi que a qualidade da
"água" do rio conseguiu piorar em
relação ao ano anterior, quando
havia 0,4 miligrama de oxigênio
por litro no pior trecho. Estamos
muito distantes ainda do dia em
que o Tietê voltará a ser um rio vivo na região metropolitana de São
Paulo. Segundo os técnicos, para
haver vida no rio são necessários 4
mg/l e, para haver peixes, 8 mg/l.
Em meio a tanto barulho sobre o
momento econômico positivo, só
conturbado pela ameaça cambial,
teve pouco destaque o relatório da
Cetesb da semana passada. Mas ele
revela um desastre e expõe a prova
da incompetência de paulistas e
paulistanos, governantes e governados, que, a despeito dos avanços
tecnológicos, não conseguem melhorar as condições de um rio há
tantos anos moribundo.
Há 62 anos, em 1945, ao escrever
o poema "A Meditação sobre o Tietê", Mario de Andrade já descrevia
os sinais da doença do rio: "Debaixo do arco admirável da ponte das
Bandeiras, o rio murmura num
banzeiro de água pesada e oliosa
(sic). (...) Estas águas do meu Tietê
são abjetas e barrentas. Dão morte
decerto, e dão garças e antíteses".
Nesses anos todos desde que Mario de Andrade escreveu seu poema, a situação do rio só piorou com
a urbanização e a industrialização
de São Paulo. Não há mistérios na
poluição do rio Tietê, do Pinheiros
e dos riachos que cortam a capital
paulista. Ela decorre do lixo e,
principalmente, da enorme quantidade de esgotos não tratados ainda são despejados no seu leito. Em
Guarulhos, por exemplo, o índice
de tratamento é zero. Os sedimentos retirados a cada ano do Tietê e
do rio Pinheiros atingem 5 milhões
de m3, ou 800 mil caminhões.
Há um programa de despoluição
do rio iniciado em 1992. Até 1998,
foi gasto US$ 1,1 bilhão, a maior
parte no aprofundamento da calha
e na construção das estações de
tratamento de esgoto na região
metropolitana. Na fase atual, estão
sendo construídos interceptores,
coletores e ligações domiciliares
para levar o esgoto às estações de
tratamento. A conclusão dessas
obras está prevista para 2008.
O rio Tâmisa, em Londres, era
conhecido como o "Grande Fedor",
que interrompia até sessões do
Parlamento pelo mau cheiro que
exalava no século 19. Foi despoluído a partir dos anos 1860 e voltou a
ser contaminado com o surto industrial do século 20. Mas, a partir
de 1970, passou a ser um rio vivo,
onde nadam hoje 121 espécies de
peixes.
Despoluir o Tietê e seus afluentes não pode ser uma missão impossível. Mas essa tarefa certamente exige determinação e ação
conjunta de governantes, além da
pressão constante da sociedade.
Há urgência. Esses rios são uma
vergonha para São Paulo desde os
anos 1940, quando Mario de Andrade meditava sobre a ponte das
Bandeiras. Que tal fixar uma data
para sua despoluição completa?
BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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