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ENTREVISTA - NOURIEL ROUBINI
Crise global vai continuar mesmo depois da recessão
Para economista, movimento atual de recuperação das Bolsas não é sustentável
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
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O economista Nouriel Roubini concede entrevista em São Paulo; para ele, o crescimento do Brasil neste ano ficará entre 0 e -1% |
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista de Nouriel Roubini à Folha ontem,
após participar de seminário
promovido pela Serasa Experian em São Paulo.
FOLHA - O senhor está sorrindo hoje! É difícil vê-lo assim nas fotos, nas
imagens da televisão... Isso contribui para a sua fama de "Doutor Apocalispe"?
NOURIEL ROUBINI - [Fica sério] A
crise econômica é um assunto
tão grave que, quando estou falando a respeito, simplesmente
acho que sorrir não é apropriado. As pessoas me chamam de
"Doutor Apocalipse" porque
fui o primeiro a prever o atual
desastre, mas prefiro ser chamado de "Doutor Realista".
Não vejo, à nossa frente, uma
depressão ou uma longa recessão, como muitos apontam.
Creio que vamos sair desta crise no ano que vem. Ainda estou
preocupado, no entanto, com
determinados aspectos econômicos de curto prazo.
FOLHA - Alguns analistas afirmam
já detectar aqui e ali sinais de recuperação da economia americana.
Quais indicadores realmente apontam o começo de um restabelecimento e quais não devem ser interpretados assim?
ROUBINI - Os índices mais importantes a acompanhar são os
relativos a consumo, investimento das empresas, produção
industrial e mercado imobiliário. Eles continuam caindo. Só
que estão recuando menos do
que o observado no ano passado -se apresentassem o mesmo ritmo de queda dos últimos
meses de 2008, não estaríamos
em uma recessão, mas em uma
depressão profunda. Isso não
significa uma luz verde, mas
uma luz amarela, na minha opinião. Não se pode tomá-los como indicativos de retomada.
FOLHA - Então, em que ponto da
crise nos encontramos agora?
ROUBINI - Eu havia afirmado
que a recessão dos EUA duraria
24 meses. Como começou em
dezembro de 2007, deve terminar em dezembro de 2009.
Transcorridos 17 meses, já passamos de dois terços do caminho, portanto, em termos de
recessão. Entretanto, não chegamos nem perto do fim da crise bancária ou de crédito -esta
deve levar mais dois ou três
anos para passar.
FOLHA - O senhor quer dizer que
não se deve comemorar o fato de já
ser possível avistar o final do período de contração?
ROUBINI - Sim. No caso de economias avançadas como os
EUA, a Europa e o Japão, o cenário para os próximos dois
anos é de crescimento abaixo
do potencial. O potencial americano é de um avanço de 2,75%
a 3% ao ano, mas ficará abaixo
de 1% em 2010, o que é medíocre. Apesar de não estar mais
em uma recessão, tecnicamente falando, o sentimento no
país será o de estar porque o desemprego seguirá subindo por
ao menos um ano e meio. Assim aconteceu nas últimas duas
retrações, em 1991 e 2001, e
tende a se repetir.
FOLHA - Quais são as perspectivas
para o Brasil?
ROUBINI - O Brasil deve no máximo apresentar crescimento
zero neste ano; o mais provável
é que tenha uma pequena retração do PIB [Produto Interno
Bruto], entre 0 e 1% negativo.
Após fortes quedas no último
trimestre de 2008 e no primeiro deste, o desempenho fica positivo no segundo, pelas nossas
previsões. A sorte do Brasil é
possuir um mercado doméstico
robusto a ser explorado. Já as
exportações dependem mais da
recuperação do preço das commodities, que dependem da retomada da China. Com uma
agressiva política de governo, a
China realmente tem reagido
nos últimos meses.
FOLHA - Os seus críticos argumentam que o senhor previu essa crise
diversas vezes nos últimos anos, por
isso acertou.
ROUBINI - Ouvi essa história de
que até mesmo um relógio parado está certo duas vezes por
dia. Mas essas críticas são tolas
e injustas, pois não fiz previsões genéricas sobre a crise,
basta ler com atenção tudo o
que escrevi. Fui bastante específico, dei detalhes sobre os
problemas financeiros, quando
e como seriam os seus desenvolvimentos. Por exemplo, falei, um ano e meio atrás, que
dois grandes bancos de investimento dos EUA iriam à lona em
dois anos. Adivinhe. Levou sete
meses apenas para o colapso do
Lehman Brothers e do Bear
Stearns. Pode-se dizer na verdade que eu fui até muito otimista quando falei de prazos.
FOLHA - Onde o senhor tem investido o seu próprio dinheiro?
ROUBINI - Nos últimos três
anos, deixei na poupança ou em
títulos de depósito interbancário, bem longe do mercado financeiro. Aí me falam: "Você
ganhou quase zero". Bem, é
melhor ganhar zero do que perder 50%, não é? Continuo fora
do mercado financeiro porque
ainda vejo riscos de recuos macroeconômicos e no lucro das
empresas, além de turbulências no setor financeiro. É claro
que vai chegar o tempo de recuperação do preço dos ativos financeiros em nível global. Porém, só vejo isso ocorrendo daqui a um ano ou até um ano e
meio. Não acredito que a escalada recente das Bolsas seja
sustentável, porque o movimento está indo além do que os
dados sobre a economia permitem. Por esse motivo, pode haver uma correção.
FOLHA - Como tem sido a vida de
economista-celebridade? O que mudou na sua rotina?
ROUBINI - Não acho que eu seja
uma celebridade porque não
tenho vida de celebridade. Trabalho 12 horas por dia, sete dias
por semana, e gasto 80% do
meu tempo viajando pelo mundo. Se eu fosse celebridade, não
estaria passando a vida a conversar com jornalistas e outros
pesquisadores -eu estaria pegando uma praia no Rio de Janeiro [risos]. É muito trabalhoso fazer análise porque requer
que visitemos o mundo inteiro
para falar com pessoas, empresários, investidores, autoridades. Não tenho uma bola de
cristal.
FOLHA - Circula uma piada segundo a qual os únicos que estão lucrando com a atual crise são os advogados, por causa das falências de empresas, e os economistas, que nunca
deram tantas palestras. Entendo
que o seu trabalho seja desgastante;
no entanto, é uma oportunidade de
ganhar dinheiro e fazer o seu nome
no planeta todo.
ROUBINI - O momento é bastante complexo e interessante
para os economistas. Aconteceram mais coisas no último ano
e meio do que nos 70 anteriores. Só acho que não se pode dizer que alguém está tirando
vantagem da pior crise financeira desde a Grande Depressão. Há enormes custos humanos, sociais, fiscais. É muito sério. Eu e os outros economistas
estamos engajados em ajudar o
mundo a entender o que aconteceu e a buscar uma solução.
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