São Paulo, sábado, 22 de maio de 2010

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ARTIGO

Crédito chinês é motivo de preocupação

GILLIAN TETT
DO "FINANCIAL TIMES"

Nos últimos meses, um estranho tipo de serviço bancário clandestino vem proliferando em certas regiões da China. Conhecido como minjian jeidai, o sistema permite que empresas chinesas tomem empréstimos de curto prazo em domicílios de alta renda, por meio de um corretor armado de celular.
Em teoria, o método parece quase lógico. Muitas empresas de pequeno e médio porte vêm encontrando dificuldade para obter empréstimos bancários, e muitos domicílios chineses precisam desesperadamente encontrar algum lugar onde aplicar seu dinheiro (além do superaquecido setor imobiliário ou das Bolsas em queda).
Mas há um problema. Porque a prática é ilegal, os juros são altos; além disso, ninguém faz ideia de que dimensões essa prática pode ter assumido.
Isso é causa de preocupação para investidores que estejam tentando compreender os mercados mundiais. Nos últimos dias, com a violenta oscilação dos mercados, surgiram fortes lamentações públicas quanto aos dramas que vêm irrompendo na zona do euro.
Mas do outro lado do mundo há um segundo conjunto de riscos, menos discutido: as incertezas quanto à China. O país produziu diversas notícias econômicas positivas nos últimos meses. E alguns observadores continuam otimistas quanto às perspectivas do país.
O Goldman Sachs enviou a seus clientes nota de pesquisa, no começo da semana, na qual sugeria que era ridículo que os investidores perdessem tempo lastimando os problemas da zona do euro, já que os principais propulsores do crescimento nos próximos anos serão países emergentes, como a China.
"A China é cerca de 14 vezes maior que a Grécia", afirmava a sarcástica nota.
Mas nem todo mundo é tão entusiástico. Em 30 dias, o mercado chinês de ações caiu 20%, depois que os investidores se assustaram com os esforços do governo para desacelerar o mercado imobiliário.
Também há preocupações quanto ao grau de sofrimento que será infligido aos exportadores chineses, agora que há queda na demanda europeia.
E há preocupação quanto ao lado oficial das finanças (desconsiderando os bancos clandestinos). O BC recentemente ordenou que os grandes bancos elevassem as reservas de capital em 17%, em parte porque as autoridades desejavam debelar o temor de que um excesso de crédito em 2009 tenha resultado em mais inadimplência.
Isso é perfeitamente sensato. No entanto, o governo chinês também está presumindo, em suas projeções de crescimento, que os bancos concederão cerca de 7,5 trilhões de yuans em novos empréstimos em 2011.
A única maneira de resolver a charada, para os bancos, será levantar muito capital. Mas parece altamente improvável que possam fazê-lo sem uma recuperação nos mercados de ações.

Intervenção
O que acontece, então? Os bancos vão reduzir o nível de crédito, conduzindo a economia a uma desaceleração? O governo chinês intervirá? Ou é possível que um daqueles "bancos clandestinos" expanda seus empréstimos de uma maneira que ninguém espera (ou vê)?
Ninguém sabe.
Isso tem ao menos duas implicações. Para começar, toda a incerteza econômica e o tumulto do euro tornam improvável que a China aceite valorize o yuan em curto prazo.
Além disso, a incerteza tem o potencial de gerar instabilidade muito maior nos mercados.
Afinal, ainda que um vago senso de otimismo quanto à China tenha embasado o debate sobre investimento no mundo ocidental, no ano passado, a realidade é que poucos investidores ocidentais sabem sobre o que está -ou não está- acontecendo nas bases da economia chinesa.
O padrão não difere muito do que existia no mercado de habitação americano há cinco anos, quando investidores faziam vagas suposições de que o valor dos imóveis subiria para sempre e assim adquiriram títulos hipotecários -mas ignorando os detalhes do mercado hipotecário de risco ("subprime").
Desta vez, continua a haver motivo para acreditar que a história da China terminará melhor que a saga do "subprime"; afinal, a liderança chinesa age (em geral) de maneira sensata.
Mas, caso esse otimismo se prove infundado, o futuro "choque" pode ser doloroso.
Tenha em mente, para citar de novo o Goldman Sachs, que a China é 14 vezes maior que a Grécia; e ainda mais opaca.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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