São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

No lugar certo na hora certa

Os dados recém-publicados sobre o PIB de vários países, no 1º trimestre, permitem ver resultados do descolamento

BASTA QUE eu associe a bonança econômica que estamos vivendo a partir do crescimento da China para que receba e-mails irados de leitores, que me acusam "de dor-de-cotovelo" pelo atual sucesso da economia no governo Lula.
Não tenho por hábito responder a esses senhores e senhoras, pois minha função neste espaço público que a Folha me abre semanalmente é refletir sobre o dia-a-dia da economia brasileira e mundial. Nessa função, não me oriento por valores político-partidários, mas apenas pelo raciocínio econômico. Aprendi há muito tempo, com o dr. Roberto Campos, a separar o bolso de outros sentimentos quando se trata de análise econômica.
Faço esse preâmbulo porque os dados recém-publicados sobre o crescimento do PIB de vários países, no primeiro trimestre do ano, permitem mostrar ao leitor os resultados concretos de um fenômeno novo na economia mundial, sobre o qual já tratei recentemente nesta coluna. Ele se chama "descolamento". Em outras palavras, o aparecimento de duas zonas de crescimento econômico no mundo globalizado de hoje. Uma delas está vinculada mais diretamente à economia americana; a outra, à dinâmica chinesa, que adquire cada vez mais vigor interno. Para ser mais preciso, poderia dizer que existe uma terceira -e aqui a Europa é bom exemplo-, que sofre influência conjunta desses dois motores principais da economia mundial.
Essa nova divisão do mundo -processo recentíssimo- está clara nos números de crescimento recém-divulgados. A economia japonesa saiu de seu inferno astral -está crescendo mais de 3% ao ano- exportando máquinas e equipamentos para a China. O mesmo está acontecendo com a Alemanha, outro centro de excelência na produção de bens de capital. O Brasil é o paradigma de outra força criada pelo dinamismo chinês: as exportações de produtos primários para o mercado desse novo gigante.
Nesse grupo estão também a África do Sul, a Austrália e os países produtores de petróleo.
Do lado menos dinâmico atualmente estão os EUA e seus satélites mais próximos. O exemplo mais claro desse grupo é o México, que é uma antiga zona de processamento industrial para o mercado americano baseada em mão-de-obra barata. No primeiro trimestre de 2007, com uma política econômica similar à do governo Lula e com fundamentos macroeconômicos até mais sólidos, o México cresceu apenas 2,6% ao ano. É o exemplo mais evidente de que o crescimento brasileiro -4,3% nesse mesmo período- tem origens diferentes do que apenas a qualidade da política econômica de Lula. A política econômica similar e de qualidade razoável do México e do Brasil é condição necessária para o crescimento no mundo atual, mas a suficiência para atingir taxas mais elevadas é dada pelo padrão de inserção internacional. O México fornece para os EUA e concorre diretamente com a China, situação muito diferente da nossa, pelo menos por enquanto. É isso o que separa o crescimento medíocre mexicano, apesar de seus fundamentos, do crescimento mais robusto de nosso país. Em outras palavras, o forte vento chinês chega ao Brasil com muito mais intensidade que ao México. E tudo isso nada tem a ver com opções políticas. Ao contrário, o padrão de inserção internacional hoje favorável ao Brasil pode até induzir o governo a opções ruins, caso ele caia no erro de creditar apenas a si mesmo a bonança atual.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


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