São Paulo, Terça-feira, 22 de Junho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Sejam bem-vindos, a casa é sua

BENJAMIN STEINBRUCH

Depois de enfrentar tanta confusão, desvalorização, grampos, notícias de corrupção, disputas entre poderes e uma repetição desagradável de crises políticas, tudo isso embrulhado em manchetes negativas e pesquisas desalentadoras publicadas pela mídia, resolvi pegar a família e passar um fim-de-semana prolongado na terrinha. Quando cheguei aqui a Lisboa, tive a exata sensação de que meu corpo e minha cabeça pediam uma pausa, um recarregador de baterias para que, na volta, fosse mais fácil enfrentar tanta desmotivação. Falei com amigos brasileiros, dentro e fora do nosso mundo empresarial e político, e senti que não estava sozinho nesse cansaço.
Quando é esse o clima e a auto-estima chega a grandes níveis de carência, é hora de dar uma arejada, mudar de paisagem, conversar com outras gentes. Portugal me pareceu o destino ideal. Fui ver as coisas acontecerem onde são, realmente, grandes e surpreendentes. E vim descobrir como aqui estão dando certo as medidas políticas, econômicas e sociais que defendemos para o nosso Brasil.
Estar em Portugal é sempre uma satisfação para aqueles que, como eu, acompanham este país há mais de 15 anos e viram o desenvolvimento e o crescimento econômico tomarem conta de toda uma região. Nossos irmãos portugueses estão realmente de parabéns. Tudo aquilo que precisava ser feito em termos de mudanças estruturais foi realizado com planejamento, determinação e sucesso e levou o país a viver uma realidade fabulosa, que lhe abriu um lugar de destaque no Primeiro Mundo, no mundo desenvolvido.
Longe estão os tempos em que os brasileiros diziam: "Coitadinho de Portugal". E passavam a falar desse país pequenino, pobre, antigo, subdesenvolvido, de quem havíamos herdado toda a burocracia, a maioria dos contratos complicados, dos carimbos desnecessários e dos selos inúteis... Passados mais de 15 anos, temos aqui um país renovado e pujante para servir de exemplo para o Brasil.
É verdade que Portugal está inserido na Europa. É verdade que é um país pequeno em extensão territorial, comparado com o Brasil. É verdade que Portugal tem uma população quase a mesma de São Paulo. Mas também é verdade que os portugueses mudaram sua cabeça, modernizaram seu país, abriram-se para o mundo e resolveram dar vários passos à frente. Tudo isso sem perder sua autonomia e soberania, enquanto investiam o mais possível em educação, saúde, habitação, infra-estrutura. Cortaram o país com autopistas e, por onde se anda, sempre se é acompanhado de gruas construindo o progresso.
Inseriram-se no Primeiro Mundo pela porta da frente, negociaram bem suas dificuldades e fraquezas e criaram condições para abrir o país à globalização, mas exigiram vias de duas mãos, em que os estrangeiros são muito bem recebidos, mas os empreendedores portugueses, apoiados pelo seu governo, converteram-se em agentes ativos e fortes na nova realidade internacional.
Estamos testemunhando, no Brasil, a postura das empresas portuguesas que chegaram comprando, e bem, companhias privatizadas de serviços, bancos e empresas de tecnologia, apoiadas pela estabilidade e pelo desenvolvimento conseguidos, ao mesmo tempo, em Portugal.
As empresas portuguesas hoje têm a seu dispor financiamentos de sete a oito anos, com carência de, no mínimo, três anos, a juros anuais de 3,5%. Elas conseguem a participação do governo no capital, a fundo perdido, para novos empreendimentos e a expansão dos seus atuais negócios, dentro e fora das fronteiras portuguesas. Estão muito certas. O governo português está ativamente engajado nos investimentos novos, estimulando a criação de empregos e a agressividade de suas empresas, que não visam apenas à busca da sobrevivência dentro do processo de globalização. As autoridades portuguesas, seus políticos, suas lideranças empresariais e trabalhadoras sabem que no mundo de hoje não basta apenas resistir para manter posições.
É preciso avançar, buscar caminhos permanentes de superação, para que a sobrevivência procurada pelas empresas seja um estímulo ao progresso do país, à melhoria dos níveis de vida da população, à redução das desigualdades sociais. Para que Portugal se credenciasse como um competidor global de futuro, era e é essencial que sua indústria e a oferta de seus serviços tivessem escala de produção e custos baixos. Isso só se tornaria possível se os investidores portugueses, os grandes e os pequenos, pudessem dispor de financiamentos a juros internacionais, apoiados em moeda estável que lhes desse condições de investir no mínimo em condições iguais às das grandes potências econômicas. Foi o que fizeram ontem. Foi o que permitiu a geração dos frutos que hoje são colhidos.
Está quase impossível, hoje em dia, para o empresário brasileiro investir no Brasil. O juro pago por nós, os empreendedores, é, em média, seis vezes maior do que o pago na Europa. O financiamento de "longo prazo" para investimento não passa de um ano, enquanto lá é oito vezes isso. O governo brasileiro não tem formas de incentivar e participar de investimentos brasileiros, quanto mais a fundo perdido. O que nos resta, então, é contemplar o enfraquecimento gradativo do empresariado brasileiro, abrir a porta aos que vêm de fora e dizer: "Sejam bem-vindos, a casa é sua".


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br


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