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LUÍS NASSIF
A Mesbla e o crítico japonês
Certa vez, um crítico brasileiro
foi incumbido de analisar um
disco japonês e produziu um
monumento da crítica inútil,
sustentando que toda música japonesa era igual. Não era. Apenas faltava-lhe conhecimento
sobre o tema.
Na análise econômica freqüentemente sucede o mesmo.
Principalmente quando o analista vale-se do arsenal de conceitos e slogans econômicos para
a avaliação de temas ligados à
microeconomia. O executivo, o
gerente, o analista de crédito e
as pessoas que habitam o mundo real aprendem desde cedo a
tratar com um conceito básico: a
relação custo/benefício na análise de casos. Ou seja, dadas duas
ou mais alternativas, identificar
a que oferece melhor resultado
ou menor prejuízo.
Nesse mundo das generalidades habitado pelo analista econômico, o slogan se sobrepõe à
análise objetiva dos fatos. O que
interessa é enquadrar todos os
casos em dois ou três conceitos
genéricos, para facilitar a análise.
Exemplo? Esse caso Mesbla/
Mappin -tratado como se fosse
uma operação-hospital.
As operações-hospital -como
ficaram conhecidas- surgiram
nos anos 80 depois que, a um período de extraordinária expansão dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
seguiu-se uma crise econômica
que abortou todas as projeções
iniciais de crescimento. O banco
passou a amparar as empresas
com mais financiamento, sem
exigir reestruturações mais profundas e mudanças de direção
ou, em alguns casos, a assumir a
própria empresa e seus passivos.
Houve reação da opinião pública e, a partir daí, a estigmatização da reestruturação empresarial. Toda reestruturação passou a ser tratada como se fosse
operação-hospital, assim como
toda música japonesa é igual,
para quem não as conhece.
Caso Mappin-Mesbla
Fechadas, ambas as redes resumem-se a um conjunto de
pontos que podem ser vendidos.
Abertas, têm os pontos, a marca, a estrutura de 9 mil funcionários, treinada e organizada,
a relação com fornecedores, o
know-how de todos seus departamentos etc. A diferença entre
uma e outra situação pode chegar a R$ 500 milhões -fora os
empregos em jogo.
Há compradores para ambas
as redes, mas as negociações levam de 120 a 150 dias. Nesse ínterim, não há estoques que permitam à empresa se manter pelo período de negociação. O que
se está tentando é uma operação na qual os maiores credores
aportem R$ 100 milhões para
capital de giro, permitindo à
empresa se manter até a sua
venda.
Os credores privados nem vacilaram, porque analisam a
operação sob o prisma custo/benefício e sabem que essa é a melhor alternativa até agora apresentada, para minimizar seus
prejuízos.
Além disso, a operação em si
embute pouco risco. Seria constituída uma empresa com propósito definido, que receberia o
aporte de R$ 100 milhões, compraria as mercadorias e entregaria às duas redes em consignação. Haveria auditores garantindo o pronto ressarcimento, a cada estoque vendido.
Já os credores oficiais recuaram, depois de uma campanha
de alguns analistas falando em
"operação-hospital". Houve a
crítica moral: não se pode beneficiar um empresário irresponsável como Ricardo Mansur
-o aventureiro que se apossou
das duas empresas. Pelas informações disponíveis, Mansur está fora da operação, com todos
seus bens conhecidos indisponíveis desde a quebra do Crefisul,
que deixou R$ 200 milhões em
passivos. Há indícios de desvio
de bens do Mappin e da Mesbla,
que podem ensejar ações contra
ele -ninguém fabrica R$ 1,5
bilhão de prejuízo em três anos
apenas. A salvação da empresa
nada tem a ver com a salvação
do ex-controlador.
Por tudo isso, é de uma tolice
irremediável permitir o fim de
ambas as companhias, e, mais
do que isso, do próprio conceito
de reestruturação de empresas.
Quatro anos de irresponsabilidade nas áreas monetária e
cambial produziram um gigantesco passivo nas empresas
-além do setor público. Esse tema terá que ser encarado nos
próximos meses objetivamente,
sem preconceitos, de acordo
com os princípios básicos da relação custo/benefício.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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