São Paulo, Terça-feira, 22 de Junho de 1999
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LUÍS NASSIF

A Mesbla e o crítico japonês

Certa vez, um crítico brasileiro foi incumbido de analisar um disco japonês e produziu um monumento da crítica inútil, sustentando que toda música japonesa era igual. Não era. Apenas faltava-lhe conhecimento sobre o tema.
Na análise econômica freqüentemente sucede o mesmo. Principalmente quando o analista vale-se do arsenal de conceitos e slogans econômicos para a avaliação de temas ligados à microeconomia. O executivo, o gerente, o analista de crédito e as pessoas que habitam o mundo real aprendem desde cedo a tratar com um conceito básico: a relação custo/benefício na análise de casos. Ou seja, dadas duas ou mais alternativas, identificar a que oferece melhor resultado ou menor prejuízo.
Nesse mundo das generalidades habitado pelo analista econômico, o slogan se sobrepõe à análise objetiva dos fatos. O que interessa é enquadrar todos os casos em dois ou três conceitos genéricos, para facilitar a análise.
Exemplo? Esse caso Mesbla/ Mappin -tratado como se fosse uma operação-hospital.
As operações-hospital -como ficaram conhecidas- surgiram nos anos 80 depois que, a um período de extraordinária expansão dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), seguiu-se uma crise econômica que abortou todas as projeções iniciais de crescimento. O banco passou a amparar as empresas com mais financiamento, sem exigir reestruturações mais profundas e mudanças de direção ou, em alguns casos, a assumir a própria empresa e seus passivos. Houve reação da opinião pública e, a partir daí, a estigmatização da reestruturação empresarial. Toda reestruturação passou a ser tratada como se fosse operação-hospital, assim como toda música japonesa é igual, para quem não as conhece.

Caso Mappin-Mesbla
Fechadas, ambas as redes resumem-se a um conjunto de pontos que podem ser vendidos. Abertas, têm os pontos, a marca, a estrutura de 9 mil funcionários, treinada e organizada, a relação com fornecedores, o know-how de todos seus departamentos etc. A diferença entre uma e outra situação pode chegar a R$ 500 milhões -fora os empregos em jogo.
Há compradores para ambas as redes, mas as negociações levam de 120 a 150 dias. Nesse ínterim, não há estoques que permitam à empresa se manter pelo período de negociação. O que se está tentando é uma operação na qual os maiores credores aportem R$ 100 milhões para capital de giro, permitindo à empresa se manter até a sua venda.
Os credores privados nem vacilaram, porque analisam a operação sob o prisma custo/benefício e sabem que essa é a melhor alternativa até agora apresentada, para minimizar seus prejuízos.
Além disso, a operação em si embute pouco risco. Seria constituída uma empresa com propósito definido, que receberia o aporte de R$ 100 milhões, compraria as mercadorias e entregaria às duas redes em consignação. Haveria auditores garantindo o pronto ressarcimento, a cada estoque vendido.
Já os credores oficiais recuaram, depois de uma campanha de alguns analistas falando em "operação-hospital". Houve a crítica moral: não se pode beneficiar um empresário irresponsável como Ricardo Mansur -o aventureiro que se apossou das duas empresas. Pelas informações disponíveis, Mansur está fora da operação, com todos seus bens conhecidos indisponíveis desde a quebra do Crefisul, que deixou R$ 200 milhões em passivos. Há indícios de desvio de bens do Mappin e da Mesbla, que podem ensejar ações contra ele -ninguém fabrica R$ 1,5 bilhão de prejuízo em três anos apenas. A salvação da empresa nada tem a ver com a salvação do ex-controlador.
Por tudo isso, é de uma tolice irremediável permitir o fim de ambas as companhias, e, mais do que isso, do próprio conceito de reestruturação de empresas. Quatro anos de irresponsabilidade nas áreas monetária e cambial produziram um gigantesco passivo nas empresas -além do setor público. Esse tema terá que ser encarado nos próximos meses objetivamente, sem preconceitos, de acordo com os princípios básicos da relação custo/benefício.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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