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OPINIÃO ECONÔMICA
O que fazer?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Outro dia, vinha andando
distraído pela rua da Consolação quando, de repente, um sujeito atravessa meu caminho e pergunta, sorridente: "O senhor não é
o dr. Laranjeira, que fala sobre
drogas na televisão?".
Lamentável. Neguei, um pouco
irritado, e segui em frente. De repente, baixa-lhe uma luz: "Ah, o
senhor é economista, não é?". Confirmei e apressei o passo. Enquanto
me afastava, ainda escutei: "Muito
melhor ser economista, muito melhor!".
Depois, fiquei pensando: por que
a irritação? Afinal, economista
também fala sobre drogas na televisão. A política econômica brasileira deve ter feito mais vítimas do
que o tráfico de entorpecentes.
Mas, enfim, no artigo da semana
passada prometi que hoje discutiria soluções. A crise cambial de
2002 torna evidente a necessidade
de uma reorientação profunda da
economia. Em que consistiria essa
reorientação?
Trata-se, é claro, de questão
complexa, que precisa ser avaliada
com cuidado. Permita-me, leitor,
remeter a um texto que publicarei
no próximo número da revista
"Estudos Avançados", do Instituto
de Estudos Avançados da USP. Esse texto tem a pretensão de apresentar os elementos principais de
uma estratégia de superação do
quadro de dependência externa e
de crescimento medíocre, criado
pelo modelo econômico adotado
pelo Brasil desde o início dos anos
90. Posso enviá-lo, sem custo, aos
interessados no tema. O que segue
é, em certa medida, um resumo da
parte normativa do texto.
A diminuição da vulnerabilidade externa requer, primeiramente,
um esforço sistemático, sustentado
ao longo de vários anos, de redução do déficit do balanço de pagamentos em conta corrente. O desafio é alcançar essa redução com a
economia crescendo a taxas significativas. Como o crescimento da
economia leva a uma maior demanda por importações e diminui
os excedentes exportáveis, o desafio é maior do que às vezes se pensa. Só será possível vencê-lo com a
mobilização de um conjunto variado de instrumentos de estímulo
à exportação e à substituição de
importações de bens e serviços (política cambial, política de comércio
exterior, política de crédito, política tributária, entre outros), que
são objeto de discussão no texto
mencionado.
Porém a diminuição do déficit
em conta corrente não é suficiente.
Precisamos, também, implantar
um sistema bem pensado e criterioso de regulação do endividamento externo e dos movimentos
de capital na economia brasileira.
É recomendável, além disso, acumular reservas internacionais próprias (em oposição às reservas emprestadas pelo FMI), que constituem a primeira linha de defesa
em conjunturas adversas.
Com a conta de capitais aberta e
as reservas relativamente baixas, o
Brasil continuará experimentando
turbulências financeiras e cambiais, que abalam a estabilidade
da economia e sufocam seu crescimento. Fala-se muito na relação
dívida pública-PIB. Um indicador
mais relevante talvez seja a relação
dívida-reservas. Mesmo com a depreciação cambial ocorrida, a dívida mobiliária federal, que é uma
espécie de quase-moeda, representava, ao final de junho último, o
equivalente a nada menos do que
8,4 vezes o valor das reservas internacionais líquidas do país. Basta
que uma parcela relativamente
pequena dessa dívida se converta
em demanda por moeda estrangeira para que apareça forte pressão sobre a taxa de câmbio e/ ou as
reservas.
O que significa regular os movimentos de capital? Há várias modalidades de controle. Um exemplo: o Banco Central negligenciou
a administração do perfil de vencimentos da dívida externa do setor
privado. Resultado: em um ano difícil como 2002, marcado pela retração da oferta de crédito externo,
acumulam-se amortizações de dívidas privadas que as empresas
não conseguem ou têm grande dificuldade de refinanciar voluntariamente, contribuindo para a depreciação extraordinária do real.
Convém restabelecer e aplicar com
rigor uma política de prazos mínimos de endividamento externo,
evitando a concentração de vencimentos e alongando gradualmente o prazo médio das obrigações.
Isso, evidentemente, na medida
em que as condições de mercado
permitirem e a diminuição do déficit em conta corrente for reforçando o nosso poder de barganha.
Outro exemplo: uma minoria
privilegiada de brasileiros passou a
ter a possibilidade de remeter capital para o exterior com excessiva liberdade. Resultado: em momentos
de nervosismo e incerteza, como o
atual, aumenta rapidamente a fuga de capitais para o exterior, reforçando a pressão sobre a taxa de
câmbio.
É verdade que o regime de câmbio flutuante pode ajudar a corrigir esse tipo de problema. A depreciação cambial resultante da fuga
de capitais encarece as compras de
moeda estrangeira, desencorajando novas saídas de capital.
No entanto, no caso de uma economia em desenvolvimento, sujeita a surtos de instabilidade, não é
um pouco ingênuo apostar nas
propriedades autocorretivas da
flutuação cambial? Em momentos
de pânico, a depreciação se auto-alimenta, desestabiliza empresas
endividadas no exterior, atinge
gravemente as finanças públicas
(dado que grande parte da dívida
governamental é externa ou indexada à taxa cambial) e dificulta o
controle da inflação.
Mais prudente seria rever em detalhes toda a legislação e os mecanismos de controle sobre os movimentos de capital e redobrar a supervisão sobre as operações externas das instituições financeiras
brasileiras e das estrangeiras que
operam no Brasil. Em contrapartida, o Estado brasileiro deve continuar dando total garantia e segurança jurídica às aplicações financeiras no território nacional.
Tudo isso teria um objetivo central, a ser perseguido obsessivamente ao longo dos próximos anos:
recuperar a nossa capacidade de
atuar de forma independente. Como economia satélite, cronicamente dependente de capital estrangeiro e submetida a crises recorrentes de liquidez externa, o
Brasil não tem futuro.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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