São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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LUÍS NASSIF

Os desafios da Presidência

Quais as âncoras, de fato, da economia e da política brasileiras? A questão é relevante, quando se chega à reta final das eleições, para uma avaliação de riscos e oportunidades de cada candidatura.
Comecemos pela de Ciro Gomes e sua frente que abarca da direita pefelista à esquerda brizolista. O grande ativo de Ciro é o poder da palavra, o que os politicólogos chamam de "carisma". O carisma de JK foi relevante para levantar o país de norte a sul em torno de planos de metas. Cada pequena empresa tratava de ter seu próprio plano de metas. O de Jânio Quadros foi desperdiçado em bobagens irrelevantes, como proibição a brigas de galo e uso de biquínis.
O próprio Fernando Collor foi relevante agente de modernização, com seu discurso em favor da abertura, da desregulamentação e contra as "carroças".
Já FHC -que, por seu preparo e sua formação, poderia ser o grande desfraldador de bandeiras- jogou fora seu ativo em embates menores, como o episódio dos "neobobos".
A palavra só pode ser eficaz se acompanhada da bandeira correta e dos acordos adequados de sustentação política. Hoje em dia, há um conjunto de bandeiras que demandam mobilização, como a luta pelo aumento das exportações, a inovação nas pequenas e médias empresas, a implantação da qualidade total como valor nacional, bandeiras sociais etc.
O primeiro desafio de qualquer candidato será encontrar a bandeira adequada. Para tanto, terá de sair da armadilha desse subeconomicismo que domina a discussão eleitoral. Superávit fiscal, estabilidade econômica, política monetária adequada são valores consolidados, estabilizados, reiterados e brandidos, hoje em dia, apenas por quem não tem mais nada a dizer. É preciso mudar a partitura.
Fora isso, há três riscos a analisar. O primeiro, como o candidato irá compor seu futuro governo. Nesse item há dois problemas: um mais agudo, que é o de as demandas políticas levarem ao descontrole do déficit público. Desde que obtido um pacto político adequado e com limitações, esse risco é menor, já que o candidato não aparenta ser um tresloucado na área fiscal. De qualquer modo, Jânio Quadros começou seu governo visitando Estados e com o assessor Ernâne Galveas levando o livro do Orçamento debaixo do braço. A cada demanda apresentada, Jânio pedia que o solicitante indicasse que item a compensaria no Orçamento. Mas não segurou a peteca, muito mais por seu desequilíbrio emocional e político do que pela falta de convicções fiscais.
Na composição de governo, o segundo risco é imobilizar a administração com o loteamento de cargos. A falta de estrutura partidária fará de um futuro governo Ciro uma colcha de retalhos.
Como se resolve essa situação? Utilizando as ferramentas do Plano Plurianual que será herdado de FHC. Hoje em dia, há uma tecnologia pronta, com funcionários concursados com cursos de gestor e desenvolvimento de indicadores. O caminho adequado é reservar alguns ministérios menos essenciais para os aliados, mas cuidando de manter na secretaria geral um técnico de confiança, tanto para tocar a máquina quanto para evitar abusos decorrentes de pactos fisiológicos, a exemplo do ocorrido no governo Geisel.
O segundo risco está na escolha da equipe para as áreas-chave da administração. Ciro não dispõe de equipe nem de conhecimento adequado sobre os melhores quadros e melhores formuladores. Por não ter ligações políticas maiores, poderá tanto escolher os melhores quanto os piores. Dependendo da escolha, sua impetuosidade política poderá fazer o país avançar celeremente, ou celeremente levá-lo para o buraco.
O terceiro risco é como irá administrar seu temperamento. A Presidência da República não comporta destempero.
Será desafio grande montar acordos políticos sem imobilizar o governo, compor maiorias sem sacrificar a qualidade e negociar politicamente sem perder as estribeiras.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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