São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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PORTA GIRATÓRIA

Diretores de instituições tomam decisões que podem gerar receitas milionárias a empresas que depois os acolhem

Cargos decidem destino de bilhões de reais

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ocupar alguns cargos-chave no governo, como no Banco Central, no Banco do Brasil e em agências reguladoras, não significa apenas um trampolim para eventual carreira de sucesso na iniciativa privada. Obriga também o responsável a decidir sobre o destino de bilhões de reais na economia, causando perdas ou lucros para bancos, empresas e governo.
Em janeiro de 1999, a taxa básica de juros (Selic) estava em 25% ao ano. Em março, subiu para 45%. A alta foi determinada pelos então oito integrantes do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC e resultou numa elevação da parcela da dívida pública corrigida pelos juros, em apenas três meses, de 30%. De R$ 99,46 bilhões subiu para R$ 130,5 bilhões em junho.
Naquele mesmo ano, a receita dos bancos com títulos (sobretudo papéis do Tesouro Nacional) somou R$ 54,041 bilhões, o que representou 36% de toda a receita registrada pelas instituições financeiras no período, segundo levantamento da ABM Consulting.
O ganho com títulos propiciado aos bancos é influenciado diretamente pela decisão dos integrantes do Copom -cujos salários mensais são de R$ 8.362,80. Quanto mais altos os juros básicos definidos pelo BC, maiores os retornos com títulos públicos.
A dívida do país vai aumentando, mas os diretores e presidentes do BC vão saindo.
Quatro dos oito integrantes do Copom de 1999 já deixaram o BC e trabalham no mercado financeiro. Entre eles está Armínio Fraga, que presidia a instituição. Abriu sua própria gestora de recursos e também ocupa cadeira no Conselho de Administração do Unibanco, presidido pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.
Outros dois integrantes do Copom de 1999 estão próximos a Armínio. Luiz Fernando Figueiredo (ex-diretor de Política Monetária) é sócio de Armínio na Gávea Investimentos. Daniel Gleizer (Assuntos Internacionais) é diretor-executivo do Unibanco. O quarto ex-integrante do Copom, Sérgio Werlang (Política Econômica), é hoje diretor-executivo do Itaú.
Em 1999, a receita do Itaú com títulos foi de R$ 3,159 bilhões. A do Unibanco, R$ 1,448 bilhão.
O mercado financeiro e o BC usam uma via de mão dupla. No atual Copom estão ex-executivos do Unibanco e do BankBoston. Alexandre Schwartsman (Assuntos Internacionais) foi economista-chefe do Unibanco. Hoje no comando do BC, Henrique Meirelles presidiu o BankBoston no Brasil e nos Estados Unidos.
Em fevereiro do ano passado, já com Meirelles no BC, a dívida pública em títulos do Tesouro corrigida pela Selic estava em R$ 381,234 bilhões. Naquele mês, o BC elevou a taxa básica em um ponto percentual, para 26,5%. A Selic ficou nesse nível por quatro meses, o que correspondeu a uma elevação dos gastos públicos com juros de cerca de R$ 1,25 bilhão.
Em 2003, o Unibanco teve receita de R$ 2,538 bilhões com títulos. O BankBoston, R$ 386 milhões.
Hoje, o estoque da dívida em títulos atrelada à Selic está em R$ 420,9 bilhões, dos quais R$ 181,8 bilhões nas carteiras das instituições financeiras. Se o BC resolvesse aumentar os juros em um ponto percentual, supondo que fossem mantidos nesse nível por um ano e sem que houvesse resgate da dívida corrigida pela taxa básica no período, isso corresponderia a um aumento da dívida pública em R$ 4,2 bilhões.
Além do impacto na dívida pública, as ações de política monetária do BC podem provocar também prejuízos para a própria instituição. Em maio, por exemplo, a alta do dólar levou o BC a ter perdas de R$ 2,866 bilhões em operações realizadas no mercado futuro, chamadas de "swap". Nessas transações, os resultados negativos para o BC significam ganhos para os bancos privados e empresas. Por esse instrumento, o BC se compromete a vender dólar futuro aos agentes de mercado.

Banco do Brasil
No Banco do Brasil, maior instituição financeira do país, as decisões não têm reflexos tão significativos para a economia quanto o BC, mas também podem representar grandes perdas para o governo. Hoje, a carteira de crédito do banco está em aproximadamente R$ 83 bilhões. No passado, o BB amargou enormes prejuízos, causados, entre outros, por operações de crédito malfeitas.
Em 1995, o rombo foi de R$ 4,253 bilhões. No ano seguinte, o prejuízo subiu para R$ 7,525 bilhões, o que levou o Tesouro a injetar na instituição R$ 8 bilhões.

BNDES e agências
As decisões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e das agências reguladoras têm reflexo direto na economia. Pelo balanço de 2002, o BNDES tinha patrimônio de R$ 151 bilhões. No mesmo ano, realizou operações de crédito num valor total de R$ 124,5 bilhões. É a maior fonte de recursos para investimentos no país.
O governo não divulga os salários dos diretores e do presidente do BNDES. Quem passa pelos cargos sai com experiência para dar conselhos a empresas em dificuldades. Nos últimos dez anos, vários ex-presidentes do banco passaram a dar consultoria.
Nas agências reguladoras, o fenômeno é recente, pois elas têm menos de dez anos. Mas já é possível notar um padrão de comportamento semelhante ao que se vê no BC e em outros órgãos.
Os diretores das agências têm, em princípio, pouca razão para aceitar os cargos. O máximo que recebem por mês é R$ 8.524,79. Mas acumulam muito poder e saem com o passe valorizado.
Tome-se o caso da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), criada em 1997. Seu Conselho Diretor tem cinco integrantes escolhidos pelo presidente da República e aprovados pelo Senado. Essas cinco pessoas -salário máximo de R$ 8.524,79- decidem sobre um mercado que teve receita de R$ 71,3 bilhões no ano passado -entre operadoras de telefones fixos e celulares.
Até o final do ano, os diretores da Anatel decidirão sobre os termos da licitação para o SCD (Serviço de Comunicações Digitais). A idéia é integrar digitalmente em cinco anos cerca de 180 mil escolas públicas de ensino fundamental, médio e profissionalizante.
A Anatel já tem seis ex-diretores. Antes de entrar para a agência, todos eram funcionários públicos ou professores universitários. Só um continua como professor. Os outros cinco trabalham em posições de destaque no mercado de telecomunicações.
Renato Guerreiro, primeiro presidente da Anatel, criou a Guerreiro Teleconsult. Já prestou serviços, entre outros, para as gigantes Brasil Telecom e Telemar.
Ainda há poucos casos concretos nas agências reguladoras, mas quase sempre vão na direção de que não existe freio na maneira como esses órgãos podem servir de trampolim nas carreiras.
Na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), por exemplo, só há dois ex-diretores. Ambos são professores universitários, mas também prestam consultoria ao setor privado. É um mercado próspero: em 2003, as empresas distribuidoras de energia faturaram R$ 66 bilhões. (FERNANDO RODRIGUES e LEONARDO SOUZA)


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