São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O grande capitão

Os de minha geração, e aqueles um pouco mais velhos, sustentam que ele talvez tenha sido o maior zagueiro da história. E dizem "talvez" apenas porque não assistiram a Domingos da Guia. As jogadas do "divino" da Guia só chegaram aos contemporâneos pelos relatos embasbacados dos que lhe assistiram.
Mas quem chegou depois de 1950 jamais duvidou: Mauro Ramos de Oliveira foi o maior zagueiro da segunda metade da década. Em campo, era de uma elegância a toda prova, em uma posição em que os jogadores se notabilizavam pelos chutões e caneladas. Atuava limpo, tirava a bola sem tocar no adversário, era imbatível nas bolas altas e não ficou registro de um único jogo que tenha perdido a cabeça.
Na minha infância, Mauro ocupava uma posição mítica e, ao mesmo tempo, familiar: era poçoscaldense. Foi reserva de Pinheiro na Copa de 1954, que eu não tive idade para acompanhar. Foi reserva de Bellini na de 1958. A seleção foi se concentrar em Poços de Caldas, e meu pai, diretor de futebol da Caldense, me levou e à minha irmã Regina ao campo de aviação, para recepcionar os jogadores.
Lembro-me de Feola descendo do avião, de Gilmar, Mauro e Bellini, imensos. E da surra que levei da minha mãe por desmanchar o rabo-de-cavalo da Regina. Para meu azar, todos os jornais e revistas do país registraram a foto da Regina, toda moreninha e bonitinha, ao lado de Gilmar e de Mauro. Cada publicação que chegava em casa me custava um safanão da dona Tereza, à vista da Regina sem o rabo-de-cavalo. E seu Oscar levava a segunda bronca, por não ter conseguido acertar o cabelo depois que fiz o estrago.
As histórias sobre Mauro corriam região. Contava-se a vez em que o São Paulo foi jogar em São João da Boa Vista, contra o Sanjoanense, e Mauro, que saíra de lá para o São Paulo, foi vaiado. Contam, e não tenho por que duvidar, que Canhoteiro, o Garrincha que não aconteceu, ficou indignado, cochichou com Mauro. Depois, saiu driblando todo o mundo e, na área, entregou por duas vezes a bola para Mauro marcar.
Conheci Mauro nos vestiários da Caldense, naquele ano de 1958. E estava no palanque com ele, quando a seleção foi comemorar a vitória em Poços, e o palanque em que estávamos, meu pai, eu, e os jogadores, caiu, matando um menino.
Mas a primeira conversa com ele foi apenas em 1972, quando fui incumbido de entrevistar Pelé na chácara Nicolau Moran. Não tive a menor chance. Aí fui falar com Mauro, que era técnico do Santos, e me apresentei como seu conterrâneo. Perguntou quem era meu pai. Quando eu disse, Mauro me contou que fora descoberto para o futebol pelo seu Oscar. Inicialmente no time amador, patrocinado por sua farmácia. Depois, contratado para a Caldense, a "Veterana", ou "um clube, um orgulho, uma tradição", os dois slogans que o seu Oscar cunhou para a Caldense, da mesma lavra que criara para a sua Farmácia Central, "salva sempre".
Depois disso, encontrei o Mauro poucos anos atrás, quando Poços resolveu inaugurar uma estátua em sua homenagem. O grande capitão já estava baqueado. Não conseguira superar a morte da mulher. No palanque, que aguentou firme, estavam alguns bicampeões da campanha heróica de 1962. Mesmo doente, Mauro continuava elegante, empertigado, bonito.
Depois disso, algumas vezes combinamos de nos encontrar, por intermédio do Bolão, amigo de infância de Mauro e afilhado do meu pai. Mas a vida acaba adiando os encontros.
De qualquer forma, para aquela Poços dos anos 60, Mauro foi a referência maior, como foi para o Brasil daquele período. Em uma época em que a malícia, a malandragem e o levar vantagem eram maldição, Mauro era o símbolo máximo da ética com competência em campo.
Chamavam-no de Marta Rocha, e não era de modo depreciativo, por sua beleza, sua elegância em campo e por sua determinação, sem atropelar, sem ser marqueteiro, refletindo bem o modo de ser daqueles meus conterrâneos, em uma região moldada pela tolerância e hospitalidade mineira, pela simplicidade e espírito de luta dos imigrantes.
Tornou-se simbólica até a maneira como conquistou o posto de titular da seleção de 1962, desbancando o também mítico Bellini. Simplesmente chegou no técnico Aymoré Moreira e ponderou. Em 1958 Bellini estava em melhor forma e mereceu ser titular. Em 1962, achava justo que ele fosse o titular. Aymoré concordou. E Mauro se tornou o segundo brasileiro a levantar o caneco de campeão do mundo.
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