São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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NO BAGAÇO

Em São Paulo, indústria exportadora de suco contrata de forma irregular e demite trabalhadores que reclamam

Exploração envenena colheita da laranja

CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria de suco de laranja, um dos setores mais importantes da economia brasileira, que exporta perto de US$ 1 bilhão por ano, paga R$ 0,16, em média, pela caixa da fruta colhida, não remunera o dia de trabalho de quem fica doente, faz contratação de forma irregular e expõe o empregado a agrotóxicos, sem proteção. Quem reclama é demitido.
Essa é a situação vivida pelos colhedores de laranja da região de Araraquara, a 273 quilômetros de São Paulo, responsável por 12% da produção paulista de laranja, segundo o Instituto de Economia Agrícola. A resistência dos trabalhadores começou há cerca de um mês na chamada Califórnia brasileira, em referência ao Estado norte-americano pela riqueza e diversidade econômica da região. Na última segunda-feira, um grupo de 160 trabalhadores da fazenda Fittipaldi Citrus (que pertence ao ex-piloto Emerson Fittipaldi), localizada em Araraquara, entrou em greve após descobrir irregularidades na contratação, feita pelo Condomínio Antônio Martinez e Outros, localizado em Catanduva.
Os colhedores de laranja foram contratados em 18 de junho por um período determinado, mas outro carimbo na carteira dá como cancelado esse contrato com a mesma data. Isto é, eles trabalharam três meses sem registro, o que não lhes dá direito a benefício algum, nem sequer ao seguro-desemprego. Além do acerto na carteira, eles querem ganhar mais pela caixa colhida: R$ 0,25.
Antônio Martinez, sócio do condomínio responsável pelas contratações na fazenda Fittipaldi, informa que seguiu instruções da Delegacia Regional do Trabalho de Catanduva e que as carteiras dos trabalhadores seriam recolhidas para serem corrigidas.
"Entendemos que, quando um contrato de trabalho determinado é cancelado, passa a valer o indeterminado", diz Martinez. Só que na carteira dos colhedores de laranja isso não está especificado.
A Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araraquara solicitaram aos fiscais do Ministério do Trabalho que investiguem o caso. O condomínio tem prazo até terça-feira para se explicar.
Élio Neves, presidente da federação, diz que o condomínio não pode contratar trabalhador por prazo determinado. A idéia desses condomínios rurais -formados por grupos de produtores- é justamente manter o emprego do trabalhador durante o ano todo num esquema de rodízio entre as fazendas da região.
A Fittipaldi Citrus, que é de propriedade do ex-piloto e de José Francisco de Fátima Santos, é uma das fazendas que abastecem a Cutrale, uma das maiores exportadoras de suco de laranja do país e, portanto, sofre grande pressão para vender laranja "a preço de banana", segundo os trabalhadores.
Roni Bello, administrador da fazenda Fittipaldi, que trabalha para José Francisco, diz que a fazenda não está em débito com os trabalhadores e que iria entrar em contato com o sindicato deles para acertar a situação.
Os colhedores de laranja têm outras reclamações. Ao chegar à fazenda, eles são obrigados a molhar, em produtos químicos, os pés, as mãos e os garrafões de água que carregam. A Fittipaldi alega, assim como todas as outras fazendas da região, que isso é necessário para evitar a proliferação do cancro cítrico, uma doença dos pomares, e outras pragas.
"Nós já denunciamos isso ao Ministério Público do Trabalho porque todas as fazendas da região chegavam a pulverizar o trabalhador no frio e no calor como num lava-rápido. Depois da denúncia, eles pararam de pulverizar o corpo todo deles. Agora, só pedem para molhar os pés, as mãos e os garrafões de água e ninguém sabe quais os produtos são usados", afirma Neves.
Há cerca de três semanas foi a vez dos empregados do grupo Fischer cruzarem os braços. Cerca de 4.000 trabalhadores que colhem laranja para a empresa em fazendas espalhadas em quatro cidades da região participaram de uma greve de 15 dias para pedir mais pela caixa colhida. Recebiam R$ 0,14, e, após a paralisação, conseguiram aumento para R$ 0,18.
Em Matão (SP), a situação da exploração da mão-de-obra não é diferente. Trabalhadores informaram que tiveram de procurar a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho para receber pelo serviços prestados.

Mais problemas

Fiscais, engenheiros do trabalho e procuradores do interior do Estado também detectaram casos de superexploração da mão-de-obra na região de Nova Odessa, Limeira e Piracicaba. Um grupo de 50 trabalhadores foi encontrado em condição de trabalho degradante em Nova Odessa. Trazidos da Paraíba, eles ficaram até dois meses sem receber salário pelo corte de cana. Em depoimento feito ao Ministério Público do Trabalho de Campinas, eles informaram ainda que eram obrigados a fazer compra em armazém determinado pelo empreiteiro, eram maltratados, não tinham direito a folga e viviam em alojamentos com péssimas condições de higiene.


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