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PIRATARIA
Diplomata critica proposta do país de relativizar direito de propriedade intelectual e minimiza saldo comercial brasileiro
EUA acusam o Brasil de "mistificação"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O governo norte-americano fulminou ontem com dureza a mais
recente proposta brasileira para a
legislação relativa aos direitos de
propriedade intelectual.
"É uma mistificação", disparou
Peter Allgeier, embaixador que é
o subchefe do USTr (United States Trade Representative, uma espécie de ministério norte-americano de comércio exterior).
A frase exata foi "I am mistifyed", que não tem tradução literal
mas que representantes da Câmara Americana de Comércio, onde
ela foi pronunciada, concordaram em que "é uma mistificação"
corresponderia precisamente ao
espírito da afirmação.
A proposta desqualificada por
Allgeier foi apresentada há duas
semanas pelo Brasil, em companhia de Argentina e Bolívia, no
âmbito da Ompi (Organização
Mundial de Propriedade Intelectual). Seu espírito é o de exigir que
a Ompi leve em conta em suas regulamentações uma "agenda do
desenvolvimento".
Diz o texto que o respeito aos direitos de propriedade intelectual
"não pode ser visto como um fim
em si mesmo" e que a harmonização das leis de propriedade intelectual, que levaria a um padrão
mais elevado de proteção em todos os países, não pode deixar de
levar em conta os diferentes níveis
de desenvolvimento.
Instrumento político
"A proteção à propriedade intelectual é um instrumento político
cuja operação pode, de acordo
com a prática, produzir benefícios
assim como custos, que podem
variar de acordo com o nível de
desenvolvimento de um país",
completa a proposta dos países
sul-americanos.
Allgeier rebateu o argumento,
ao responder pergunta da Folha,
após o almoço a ele oferecido ontem pela Câmara Americana de
Comércio: "Não entendemos como o relaxamento dos direitos de
propriedade intelectual possa ser
coerente com o desenvolvimento", disse o diplomata.
Terminou a resposta com o comentário sobre a "mistificação",
que se torna ainda mais agudo
quando se sabe que, imediatamente após o almoço, o funcionário norte-americano viajou para
Brasília, para se reunir com autoridades brasileiras justamente para discutir a propriedade intelectual.
Leva o seguinte recado, antecipado no almoço de ontem: "Para
que o Brasil mantenha o acesso
preferencial ao mercado norte-americano pelo nosso programa
de SGP [Sistema Geral de Preferências], sem falar de uma abertura mais ampla e permanente no
âmbito da Alca, precisamos garantir a aplicação dos direitos de
propriedade intelectual".
Traduzindo: ou o Brasil convence as autoridades norte-americanas de que é capaz de impor respeito aos direitos de propriedade
intelectual ou os Estados Unidos
eliminarão o privilégio concedido
ao país de exportar cerca de US$
2,5 bilhões por ano sem pagar tarifas alfandegárias, nos termos do
SGP.
É verdade que Allgeier fez questão de dizer que "não é do interesse" dos Estados Unidos "punir o
Brasil", mas lembrou que o próprio SGP impõe condicionalidades, entre elas a de verificar se o
país beneficiário cumpre certas
regras (no caso o respeito à propriedade intelectual).
Pior: o funcionário do USTr colocou a pirataria no Brasil no mesmo nível de China e de Rússia,
dois países cuja imagem é a de
violação maciça dos direitos de
propriedade intelectual.
O prazo para que o Brasil perca
ou mantenha os benefícios do
SGP vai até o fim do mês.
Mas a proposta brasileira sobre
propriedade intelectual no âmbito da Ompi abre uma nova frente
de batalha com os EUA, tal como
a Folha antecipara na semana retrasada -e que a frase de Allgeier
ontem confirma com contundência. Não foi, no entanto, o único
comentário do americano que
tende a provocar mal-estar no governo brasileiro.
Saldo comercial
Allgeier alvejou até a menina-dos-olhos do governo Lula, o
enorme saldo comercial, por sua
vez responsável por um superávit
no conjunto das contas externas.
"O crescimento desproporcional das exportações brasileiras
deve-se a um único país, a China,
e consiste de um conjunto relativamente pequeno de commodities e matérias-primas."
O subchefe do USTr também
advertiu o governo brasileiro para
não comemorar tanto as vitórias
nos contenciosos comerciais, como as recentemente obtidas contra os próprios EUA (caso do algodão) e contra a União Européia
(açúcar): "Sei que o Brasil ficou
muito satisfeito com as últimas
decisões da Organização Mundial
do Comércio, mas (...) existe o perigo de que a ênfase exagerada no
litígio, em detrimento da negociação, nos impeça de chegar a um
resultado satisfatório".
Como se fosse pouco, Allgeier
cobrou que, nas estancadas negociações da Alca, sejam oferecidas
pelo Brasil as mesmas vantagens
que o Mercosul está propondo
aos europeus, nas áreas de serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual. "Não é fácil entender porque propostas feitas à União Européia não se repetem na Alca",
queixou-se.
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