São Paulo, terça-feira, 22 de setembro de 2009

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BENJAMIN STEINBRUCH

O exemplo de Ted


A criação do sistema de saúde universal para os americanos foi sua última batalha; com ela, Ted redimiu-se

A MORTE do senador dos Estados Unidos Edward (Ted) Kennedy, no mês passado, expôs uma realidade norte-americana pouco conhecida fora do país, em um setor social importante no qual a rica nação do Norte se coloca quase em pé de igualdade com países do Terceiro Mundo.
O tema é saúde. Ted enfrentou tragédias familiares -seus três irmãos homens morreram de forma violenta, dois assassinados e um na guerra- e escândalos pessoais que mancharam sua carreira política e cortaram sua caminhada para a Casa Branca. Mas, ao morrer em 25 de agosto, com 77 anos, ele havia reconstruído sua reputação por conta de uma aguerrida luta em favor de garantias civis, a principal delas para reformar o precário sistema de saúde norte-americano.
Ao mesmo tempo um dos mais onerosos e mais ineficientes do mundo, o sistema de saúde dos Estados Unidos exige gastos públicos equivalentes a 16% do PIB do país.
Apesar disso, 47 milhões de pessoas seguem desprotegidas: não têm recursos para adquirir um seguro-saúde privado e não se enquadram nos dois sistemas públicos, um destinado aos pobres (Medicaid) e outro a idosos ou deficientes (Medicare). Entre os desassistidos estão 13,2 milhões de jovens adultos entre 19 e 29 anos. Quase 40% dos que se formam em universidades não têm nenhuma proteção à saúde.
A precariedade do sistema de saúde se reflete nos índices norte-americanos nesse setor, muito piores que os de outros países do Primeiro Mundo. A mortalidade infantil nos Estados Unidos era de 6,3 crianças por 1.000 nascidas vivas em 2008, índice bem pior que a média dos países ricos da OCDE, de 4 mortes por 1.000 nascimentos/ano. A expectativa de vida, de 77,2 anos, é uma das menores entre os países ricos.
O plano de Obama pretende incluir no seguro de saúde os 47 milhões de desassistidos. Parte do princípio de que o setor, muito concentrado -apenas duas empresas detêm um terço do mercado- tornou-se ineficiente e cobra prêmios cada vez mais caros e inacessíveis a grande parte da população. O plano também atinge os remédios, cujos preços elevados -o dobro dos cobrados em outros países ricos- estariam proporcionando lucros exorbitantes aos laboratórios.
Em resumo, Obama pretende fazer uma mudança drástica na maneira de encarar os negócios na saúde, que nos últimos anos ficaram totalmente entregues ao livre mercado. No setor público, um novo programa seria administrado pelo governo, com subsídios a trabalhadores e a empresas.
Para realizar essa tarefa, Obama precisa de recursos estimados em US$ 1 trilhão em dez anos, coisa complicada para quem já tem Orçamento com deficit previsto de US$ 9 trilhões nesse período. A oposição e parte dos democratas são contra esses gastos, e o presidente foi obrigado a fazer concessões a esses conservadores. Por isso, perdeu grande parte de seu prestígio -o índice de aprovação caiu de 66% em janeiro para 46% em julho.
Esse imbróglio americano engrandece a figura de Ted. Sua obstinação em favor de causas de interesse público o levou a pressionar pelo fim da Guerra do Vietnã, por normas de segurança no trabalho e por sanções contra o apartheid da África do Sul. Mais recentemente, fez forte oposição à Guerra do Iraque e defendeu os imigrantes. A criação do sistema de saúde universal para os americanos foi sua última batalha -caberá a Obama e a outros americanos tentar vencê-la. Mesmo tendo cometido pecados mortais em sua juventude política, Ted redimiu-se.


BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br


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