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ANÁLISE
Reforma ou colapso
Michelle Nichols - 20.set.09/Reuters
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Manifestantes pedem aos líderes globais a criação de mais empregos em protesto em Pittsburgh, onde ocorrerá a reunião do G20
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
No período de medo que se
seguiu à quebra do banco de investimento Lehman Brothers,
parecia inconcebível que, passados apenas alguns meses, os
banqueiros retomassem as práticas que conduziram o sistema
financeiro mundial à beira do
colapso. Seria de imaginar que,
no mínimo, eles exibiriam certa discrição, por medo de causar uma reação adversa de parte do público.
Mas agora que recuamos alguns passos da beira do abismo
-graças, é bom não esquecer, a
imensos pacotes de resgate
bancados pelos contribuintes-
o setor financeiro decidiu que é
hora de voltar aos seus métodos habituais de negócios.
Enquanto o restante do país
continua a sofrer com a alta do
desemprego e as severas privações causadas pela crise, os salários de Wall Street estão retornando aos patamares anteriores ao colapso. E o setor está
empregando toda a sua influência política para bloquear
até mesmo as mais minúsculas
reformas.
A boa notícia é que os principais funcionários do governo
Obama e do Federal Reserve
(Fed, o banco central dos Estados Unidos) parecem estar perdendo a paciência com o egoísmo do setor. A má notícia é que
não se pode determinar se o
presidente Obama está pessoalmente disposto a enfrentar
os banqueiros, mesmo agora.
Primeiro, elogios merecidos:
fiquei muito satisfeito quando
Lawrence Summers, o principal economista do governo, criticou publicamente a campanha que a Câmara de Comércio
dos Estados Unidos, em colaboração com os lobbies do setor
financeiro, está promovendo
para combater a proposta de
criar uma agência que protegeria os consumidores contra
abusos financeiros, a exemplo
de empréstimos cujos termos
eles não compreendem. Os
anúncios veiculados pela entidade, declarou Summers, "são
o equivalente, em termos de regulamentação financeira, aos
anúncios sobre eutanásia que
vêm sendo veiculados com relação à saúde".
Mas proteger os consumidores contra abusos financeiros
deveria ser apenas o início da
reforma. Se realmente desejamos impedir Wall Street de
criar uma bolha, seguida por
nova contração, precisamos
mudar os incentivos do setor o
que significa, especialmente,
mudar a maneira pela qual os
executivos do setor financeiro
são remunerados.
O que há de errado com o sistema de remuneração do setor
financeiro? Em resumo, os executivos bancários são suntuosamente recompensados caso
produzam grandes lucros em
curto prazo, mas não sofrem
punições equivalentes se, posteriormente, vierem a sofrer
prejuízos ainda maiores.
Isso encoraja a aceitação de
riscos excessivos: alguns dos
homens mais responsáveis pela
atual crise saíram dela imensamente ricos, devido às bonificações que receberam nos anos
de bons resultados, embora as
estratégias de alto risco que resultaram nessas bonificações
tenham por fim dizimado suas
empresas -e com isso demolido boa parte do sistema financeiro.
O Fed, que agora despertou
do torpor em que vivia na era
Greenspan, compreende o problema e propõe fazer alguma
coisa a respeito. De acordo com
reportagens recentes, o conselho do Fed está estudando impor novas regras sobre a remuneração em companhias financeiras, exigindo que os bancos
reduzam suas bonificações e
vinculem a remuneração aos
resultados de longo, e não de
curto prazo. O Fed argumenta
que tem autoridade para essas
medidas, como parte de sua
missão mais ampla de fiscalizar
a solidez dos bancos.
Mas o setor -com apoio da
grande maioria dos legisladores republicanos e de alguns
democratas- combaterá furiosamente essas mudanças. E,
embora o governo americano
deva apoiar alguma modalidade de reforma no sistema de remuneração, não está claro até o
momento que venha a apoiar
plenamente os esforços do banco central do país.
Fiquei atônito, na semana
passada, quando o presidente
Barack Obama, em entrevista à
agência Bloomberg, questionou os argumentos em defesa
da limitação das remunerações
no setor financeiro. "Por que",
questionou ele, "devemos limitar a remuneração dos executivos financeiros de Wall Street,
mas não a dos empresários do
Vale do Silício ou a dos jogadores profissionais de futebol
americano?"
É uma declaração que causa
espanto, e não apenas porque a
National Football League
(NFL, organização que administra o futebol americano)
tem limitações salariais em vigor. Empresas de tecnologia
não derrubam todos os sistemas operacionais do mundo
quando quebram; os armadores de futebol americano que
exageram nos passes arriscados não precisam ser resgatados em operações de centenas
de bilhões de dólares. Os bancos representam um caso especial, e o presidente dos EUA
certamente é esperto o bastante para saber disso.
A única justificativa que consigo encontrar é algo que já vimos antes: a visceral relutância
de Obama em adotar qualquer
traço de retórica populista. E
isso é algo que ele precisa superar.
Não apenas porque assumir
uma postura populista quanto
à remuneração dos executivos
financeiros é bom em termos
políticos -embora seja: o governo sofreu mais do que parece se dar conta com a percepção
de que está transferindo o dinheiro arduamente ganho dos
contribuintes para Wall Street
e deveria receber com agrado a
oportunidade de retratar os republicanos como o partido das
bonificações obscenas.
Igualmente importante, porém, é que nesse caso o populismo é inteligente também em
termos econômicos. Seria possível, de fato, defender a posição de que uma reforma na remuneração dos executivos
bancários é a melhor coisa que
podemos fazer para prevenir
nova crise financeira dentro de
alguns anos.
É hora de o presidente compreender que às vezes o populismo, acima de tudo o tipo de
populismo que irrita banqueiros, é exatamente aquilo de que
a economia precisa.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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