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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Pessimismos respeitáveis

ANTONIO BARROS DE CASTRO

As opiniões acerca do estado da economia brasileira continuam amplamente dominadas pelo pessimismo.
Há, primeiramente, o pessimismo que diante de um ou outro sinal de melhoria -relutantemente aceito- aponta para a persistência de sinais negativos. Esse é, com certeza, o mais frágil dos pessimismos: se há uma generalização que se pode fazer sobre os processos de saída de recessões, é que eles se dão de forma marcadamente desigual ou assimétrica.
Algumas melhorias surgem na frente, seguem-se outras, e só mais adiante despontam, por exemplo, os investimentos. Em nada reforça essa posição, além disso, denunciar a ausência de políticas voltadas para a expansão da economia. Isso porque estamos nos referindo, por enquanto, apenas à retomada das vendas -o que diversas vezes verificou-se no passado, sem concurso de políticas públicas. Advirta-se, aliás, a esse propósito, que o Copom tem acompanhado, em regra, os sinais de mercado, agindo, em suma, em consonância com a evolução das expectativas.
Mas há também o pessimismo fundado nas frustrações: já houve vários episódios de retomada (mais vigorosos até que o atual processo) logo a seguir abortados. Em outras palavras, por que não seria esse mais um vôo de galinha? Ingressamos aqui no tema dos pessimismos respeitáveis.
As razões preliminares para supor (ou apostar) que essa deve ser uma retomada de mais fôlego são duas. Primeiramente, dessa feita se verificam avanços simultâneos em diversos indicadores macroeconômicos -e a curto prazo, pelo menos, nada aponta no sentido do seu agravamento. As importações, em particular, podem por algum período -digamos dois anos- crescer mais rápido que as exportações, sem que o saldo comercial se reduza de forma ameaçadora. Além disso, não há, entre os emergentes, "bolas da vez", prontas a tombar e a arrastar consigo, mediante contágio, outras economias. Ou seja, a frustração do crescimento, se e quando vier, não tenderá a reproduzir episódios do passado recente, em que tantas reativações, vigorosamente iniciadas, tiveram de ser abruptamente abortadas.
Se é verdade o que precede, quais seriam, afinal, os pessimismos respeitáveis?
O primeiro advém do fato de que o crescimento, em meio a mercados financeiros (internacionais) exuberantes, pode levar a êxitos perigosos. Diversos autores no Brasil têm apontado para esse tipo de problema. Ainda prefiro, contudo, o excelente tratamento dado ao tema por Ricardo French-Davis e José Antonio Ocampo no livro sugestivamente intitulado "Crises Financeiras em Países Exitosos" (Mcgraw-Hill, 2001). A questão ali desenvolvida, em resumo, consiste em que diversos benefícios da globalização financeira apresentam efeitos colaterais negativos (externalidades negativas) que tardam anos em aparecer. Ao surgir, porém, abruptamente, provocam o colapso de economias até então apontadas como excepcionalmente bem-sucedidas. Os casos mais notáveis estudados naquela obra são Coréia do Sul e Chile -e os mecanismos que levam à interrupção do crescimento são bastante conhecidos no Brasil: sobrevalorização cambial, ampliação galopante da dívida externa e súbita inversão das expectativas.
As mais recentes informações sobre o comércio mundial e o fluxo de investimento das nações mais desenvolvidas em direção aos mercados emergentes começam, no entanto, a impor um outro tipo de preocupação. Refiro-me à emergência da China como país produtor de artigos de média e até mesmo elevada sofisticação tecnológica, com elevado padrão de qualidade e preços imbatíveis. Essa tendência pode ampliar rapidamente a deflação já verificada no preço internacional das manufaturas e tornar particularmente difícil o crescimento de países situados, digamos, a meio caminho dos EUA e da China. O que está aqui sendo sugerido é que o mundo do deslocamento em massa de fábricas para países de mão-de-obra extremamente barata e com padrões educacionais em melhoria exponencial impõe a rediscussão da inserção externa de países como o Brasil. Voltarei ao tema na próxima coluna.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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