São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Alisamento cambial

BORIS TABACOF

A política do câmbio é uma das variáveis determinantes da sustentabilidade deste novo momento de crescimento da economia brasileira.
Os instrumentos macroeconômicos adotados, de claro efeito contracionista, têm sido objeto de exaustivas, embora pouco concludentes, discussões e explicações, hoje um pouco amainadas pelo crescimento econômico de algo como 4,5% da economia nacional neste ano. Mas permanece a dúvida cruel da sua sustentabilidade.
A política cambial, que determina o valor da moeda brasileira em relação às moedas mais poderosas, como o dólar norte-americano, tem pouca visibilidade pública, a não ser nas compras dos turistas que andam pelo mundo afora.
A participação do Brasil no comércio mundial vem diminuindo, considerando o dinamismo crescente e as transformações das economias das sociedades desenvolvidas e a ascensão dos países asiáticos. Em 1950, as nossas exportações e importações representavam 2,6% e 1,7%, respectivamente, dos fluxos de comércio internacional. Em 2003, caímos para 1,0% e 0,6%.
Mas, embora, em termos relativos, tenhamos caído de posição por miríades de razões, a balança comercial tem crescido de maneira importante em termos de números absolutos. Considerando que os outros vetores da economia provocam constrangimentos, é fácil concluir que o setor externo é quem puxa a maior parte do dinamismo, embora reduzido, da vida econômica do país.
Um dos feitos mais importantes da economia do país nos anos recentes tem sido a crescente cultura exportadora dos empresários brasileiros. De uma atitude de considerar, com algumas exceções, o mercado externo como um escoadouro eventual dos produtos que encontram dificuldades de colocação no âmbito doméstico, o mercado global passa a ser um campo permanente de ação. Vários setores já incluem essa perspectiva internacional na sua estratégia, dimensionando por aí os investimentos no aumento da capacidade produtiva.
A adoção do câmbio flutuante foi um avanço importante. O longo período em que a cotação do real em relação ao dólar foi mantida praticamente fixa e previsível em níveis artificialmente elevados causou estragos consideráveis na estrutura empresarial brasileira. A partir de 1999, com a nova posição cambial, puderam acontecer a evolução positiva da balança comercial e a criação da mentalidade exportadora que começa a se enraizar.
Mas é inegável que o pêndulo da taxa cambial brasileira está oscilando de forma que já perturba esse quadro. A moeda brasileira está ficando de novo superavaliada em relação ao dólar. A médio prazo, certamente o câmbio vai se tornando desfavorável aos exportadores, favorecendo a competição dos importados e tornando menos interessantes os investimentos estrangeiros diretos.
Esse movimento é agravado pelo aumento dos custos internos incorridos pelos produtores nacionais. Recentes levantamentos demonstram graficamente como a curva dos custos ultrapassa a da taxa de câmbio a partir de meados de 2003, não somente em relação ao dólar, mas a uma cesta de moedas dos 20 principais parceiros comerciais do Brasil. A partir de junho deste ano, a perda é de 10% do seu valor real. Se tomarmos a taxa cambial de janeiro de 2002 como índice 100, estamos em 89,5 em setembro deste ano. E essa tendência de valorização do real continua, alimentada pela performance comercial, o que é bom, mas também pelo ingresso de capitais de risco de investidores internacionais, atraídos pelos juros que o Brasil paga. Sabemos, por experiência, que essa situação pode inverter-se, o que, de novo, deixaria a nossa posição externa em situação crítica.
É notório que não existe mercado de moedas completamente limpo, mesmo nos países mais liberais. Os países asiáticos, principalmente a China, utilizam a intervenção no câmbio, mantendo suas moedas desvalorizadas, o que ajuda a explicar a sua imensa competitividade no comércio e nos investimentos.
O Brasil não pode perder a janela de oportunidade que a situação favorável global nos oferece. A ação adequada deve ser uma política de acumulação de reservas cambiais. Experientes economistas chamam esse processo de alisamento cambial. Consistiria em operações com as reservas líquidas do país, obviamente muito baixas neste mundo difícil e mutável. Só para exemplificar: as reservas da China são de US$ 483 bilhões; as da Índia, de US$ 113 bilhões; as do México, de US$ 61 bilhões; e as da Rússia, de US$ 94 bilhões.
O Tesouro Nacional deveria caminhar para a eliminação da emissão de títulos indexados à taxa de câmbio, e o Banco Central, as operações de "swap" cambial. O Tesouro voltaria a adotar a prática de atender a seus compromissos externos adquirindo dólares diretamente no mercado, sem utilizar reservas, e o BC adotaria explicitamente a política de acumulação de reservas, para as quais poderia se estabelecer uma meta de US$ 50 bilhões nos próximos três anos.
Essa política poderá gerar um viés para cima na taxa real de câmbio e alguma pressão sobre o nível de preços, que as políticas monetária e fiscal podem contrabalançar. Os benefícios dessa política, melhorando a liquidez do país, tão importante nestes tempos incertos, ao mesmo tempo em que estimulariam as exportações, compensariam plenamente os eventuais efeitos indesejáveis.
É uma questão de ênfase a ser dada às questões vitais da política cambial.


Boris Tabacof é presidente do Conselho Deliberativo da Bracelpa e vice-presidente do Conselho de Administração da Suzano Bahia Sul.

Excepcionalmente, hoje, a coluna de Luiz Carlos Mendonça de Barros não é publicada.


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