São Paulo, quinta-feira, 22 de outubro de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Areia nas rodas da finança mundial


Desestimular o ingresso de capitais especulativos ou de curto prazo é uma medida altamente recomendável

O LEITOR não se surpreenderá ao saber que apoio a decisão de aplicar um IOF sobre a entrada de certos capitais estrangeiros no país. Não é de hoje que venho defendendo obstinadamente, e contra a maioria dos economistas, o uso seletivo de controles de capitais. No governo FHC, cheguei a terminar algumas colunas com o apelo patético (em caixa alta): pelo amor de Deus e da Santíssima Trindade, controlem os fluxos de capital!
Tive que esperar muito. Mesmo no governo Lula, durante o primeiro mandato, persistiu a tendência de liberalização nessa área. Só muito recentemente é que o governo brasileiro finalmente mudou a sua orientação. Talvez a medida de segunda- -feira possa ser aperfeiçoada ou parcialmente revista à luz da experiência prática, mas o fundamental é que o governo resolveu agir.
Como dizia James Tobin, é preciso colocar areia nas rodas da finança mundial. Desestimular o ingresso de capitais especulativos ou de curto prazo é uma medida de prudência, altamente recomendável neste mundo em que a turma da bufunfa tem um potencial destrutivo incomparável, como estamos vendo na crise financeira de 2008/9. Os bufunfeiros nacionais e internacionais já estão fazendo barulho, às vezes com argumentos um pouco ridículos (por exemplo, "não se pode mexer nas regras do jogo"). Mas a credibilidade dessa turma saiu um tanto abalada das turbulências recentes e não acredito que o governo vá se impressionar com as reclamações.
O IOF de 2% não atinge os investimentos diretos estrangeiros e não afetará muito os investimentos de portfólio que tenham horizonte mais longo. O alvo são os movimentos especulativos de capital que provocam valorização excessiva da moeda nacional e podem gerar grande turbulência quando acontecer a reversão da fase de forte expansão da liquidez em dólares no mercado internacional.
O enfraquecimento do dólar é, como se sabe, um movimento mundial, que reflete os problemas da economia dos EUA e a acentuada ampliação da oferta de dólares patrocinada pelo Federal Reserve. Por outro lado, não se pode negar que há fatores especificamente brasileiros.
Os pontos fortes da economia e da política econômica atraem capital estrangeiro em grande escala, pressionando o real para cima. A isso se acrescentam os juros altos do Banco Central. Apesar das reduções recentes, a taxa real brasileira ainda é cerca de quatro vezes maior do que a média das taxas nos principais países, segundo levantamento da Uptrend Consultoria Econômica.
Para que o controle de capitais tenha mais chance de sucesso, seria conveniente combiná-lo com outras medidas. Por exemplo, continuar acumulando reservas internacionais de forma a absorver eventuais excessos de oferta de moeda estrangeira no mercado. Além disso, praticar juros mais moderados, um pouco mais em linha com os praticados pelos principais bancos centrais.
É claro que o BC não deve subordinar a política monetária à taxa de câmbio. As circunstâncias da economia podem recomendar a manutenção de um elevado diferencial de juros em relação ao exterior. Contudo, a menos que haja uma ameaça palpável de inflação, o BC não deveria ampliar a diferença entre os juros nacionais e os do resto do mundo.
Em tese, restrições à entrada de capitais de curto prazo são uma forma de conciliar juros altos, necessários por motivos domésticos, com alguma estabilidade do câmbio real.
Mas, nas condições atuais do Brasil, é bem possível que exista espaço para abrandar a política monetária.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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