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PAULO RABELLO DE CASTRO
Desobstruinte
O presidente Lula pode lançar uma "Desobstruinte", que precisará promover de vez a simplificação tributária
SE O noticiário econômico continua tão fraco quanto antes,
matizado pela pobreza de
idéias de propósitos que caracterizou a corrida presidencial, não deixa
de ser uma luz de esperança a insistência do presidente Lula em pedir
"mais ousadia" de seus ministros da
área econômica na programação das
políticas de governo.
A "ousadia" do presidente seria
como um presente para seus eleitores. A nação não almeja muito e tem
se conformado em marcar passo,
enquanto avança, em marcha acelerada, o conjunto dos países chamados de emergentes. Nossa taxa de
crescimento, neste ano, mal compensa o crescimento populacional,
ficando na média do desempenho
dos três mandatos do Plano Real.
Com toda a razão, o presidente já
desconfiou de que algo há de errado
em nossa impossibilidade de crescer
além da faixa da semi-estagnação
econômica.
A frase da semana, "estou preocupado agora é em desobstruir o crescimento e o desenvolvimento", revela um presidente adequadamente
motivado pela obsessão em alcançar
a sonhada meta de 5% ao ano de expansão da pachorrenta economia
nacional. O presidente poderia muito bem lançar uma "Desobstruinte",
ao seu ensejo de querer desobstruir
os caminhos do Brasil. Já que não se
lança a necessária Constituinte, revisora e modernizadora dos capítulos da tributação, da repartição de
receitas e da seguridade social, uma
"Desobstruinte" seria programa de
envergadura compatível com as naturais dificuldades políticas de um
governo de composições e coalizões.
No topo da lista da "Desobstruinte", é fundamental encarar a simplificação tributária para valer. O Brasil e os brasileiros não têm a menor
noção do quanto perdem por não fazer a desobstrução tributária. Vivem
no inferno pensando ser esse o padrão mundial de tributação. Por sermos um país culturalmente isolado
e territorialmente continental, não
dispomos nem do benefício do confronto e da comparação com os sistemas tributários e previdenciários
dos vizinhos. Enquanto os anos e as
décadas passam, definhamos e morremos na cruz tributária em que governos gastadores e inconseqüentes
nos pregaram.
Lula quer enfrentar isso, em nome
do crescimento. Sabe que não lhe alcançará apenas lançar os projetos de
investimento de maior evidência. O
que importa mais é o impulso de investir de uma multidão de empreendedores anônimos.
Nos últimos 30 anos, a rentabilidade relativa dos projetos no Brasil
minguou em comparação com a taxa de juros relevante na decisão empresarial.
Portanto, empresário que
tinha juízo e não tinha padrinhos no
governo pôs o pé no freio em relação
a investir no Brasil, corrigiu seu endividamento e olhou para o exterior
como alternativa de continuar crescendo. As maiores empresas brasileiras até fizeram isso. Outras, na
hora da sucessão empresarial, alienaram o capital ou encerraram suas
atividades.
Basta comparar, na seqüência das
três últimas décadas, o desempenho
da Bolsa de Valores com o juro básico que o governo tem pago para rolar seu endividamento. No cotejo, os
investimentos espelhados pelas empresas lá cotadas, por melhor que tenham se apresentado -e, de fato, a
rentabilidade absoluta tem sido bastante razoável-, não compensaram
o risco de investir diante do ganho
da renda fixa.
Nos últimos dez anos, a Bolsa rendeu 10,5% ao ano, mas a renda fixa
ultrapassou-a, com 12,7% ao ano.
Mesmo na média de três décadas, de
1977 a 2006, a rentabilidade relativa
não chega a compensar o risco: 9,9%
para a Bolsa, contra 7,7% para as
aplicações a juros.
A "Desobstruinte" do presidente
Lula terá que inverter a percepção
de risco distorcida e invertida no
mercado brasileiro. Programas de
crescimento acelerado temos oferecido há pelo menos 25 anos, em versões sucessivas, o mais recente deles
sendo "Simplificando o Brasil", patrocinado pela Fecomercio SP. Mas
é preciso vencer a "impermeabilidade do medo e dos grupos de interesse".
Tem razão o presidente reeleito
em pedir mais ousadia. Pacotinhos e
pacotões, medidas de ocasião, sem
mexer na pervertida estrutura de
rentabilidades dos ativos no Brasil e,
portanto, sem convencer profundamente os atores econômicos, empreendedores e investidores, alterando suas expectativas, não trarão
ao país dias muito melhores, menos
ainda qualquer espetáculo de crescimento.
"Desobstruinte" é preciso, e urgente.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 57, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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