São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 2006

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Desobstruinte

O presidente Lula pode lançar uma "Desobstruinte", que precisará promover de vez a simplificação tributária

SE O noticiário econômico continua tão fraco quanto antes, matizado pela pobreza de idéias de propósitos que caracterizou a corrida presidencial, não deixa de ser uma luz de esperança a insistência do presidente Lula em pedir "mais ousadia" de seus ministros da área econômica na programação das políticas de governo.
A "ousadia" do presidente seria como um presente para seus eleitores. A nação não almeja muito e tem se conformado em marcar passo, enquanto avança, em marcha acelerada, o conjunto dos países chamados de emergentes. Nossa taxa de crescimento, neste ano, mal compensa o crescimento populacional, ficando na média do desempenho dos três mandatos do Plano Real.
Com toda a razão, o presidente já desconfiou de que algo há de errado em nossa impossibilidade de crescer além da faixa da semi-estagnação econômica.
A frase da semana, "estou preocupado agora é em desobstruir o crescimento e o desenvolvimento", revela um presidente adequadamente motivado pela obsessão em alcançar a sonhada meta de 5% ao ano de expansão da pachorrenta economia nacional. O presidente poderia muito bem lançar uma "Desobstruinte", ao seu ensejo de querer desobstruir os caminhos do Brasil. Já que não se lança a necessária Constituinte, revisora e modernizadora dos capítulos da tributação, da repartição de receitas e da seguridade social, uma "Desobstruinte" seria programa de envergadura compatível com as naturais dificuldades políticas de um governo de composições e coalizões.
No topo da lista da "Desobstruinte", é fundamental encarar a simplificação tributária para valer. O Brasil e os brasileiros não têm a menor noção do quanto perdem por não fazer a desobstrução tributária. Vivem no inferno pensando ser esse o padrão mundial de tributação. Por sermos um país culturalmente isolado e territorialmente continental, não dispomos nem do benefício do confronto e da comparação com os sistemas tributários e previdenciários dos vizinhos. Enquanto os anos e as décadas passam, definhamos e morremos na cruz tributária em que governos gastadores e inconseqüentes nos pregaram.
Lula quer enfrentar isso, em nome do crescimento. Sabe que não lhe alcançará apenas lançar os projetos de investimento de maior evidência. O que importa mais é o impulso de investir de uma multidão de empreendedores anônimos. Nos últimos 30 anos, a rentabilidade relativa dos projetos no Brasil minguou em comparação com a taxa de juros relevante na decisão empresarial.
Portanto, empresário que tinha juízo e não tinha padrinhos no governo pôs o pé no freio em relação a investir no Brasil, corrigiu seu endividamento e olhou para o exterior como alternativa de continuar crescendo. As maiores empresas brasileiras até fizeram isso. Outras, na hora da sucessão empresarial, alienaram o capital ou encerraram suas atividades.
Basta comparar, na seqüência das três últimas décadas, o desempenho da Bolsa de Valores com o juro básico que o governo tem pago para rolar seu endividamento. No cotejo, os investimentos espelhados pelas empresas lá cotadas, por melhor que tenham se apresentado -e, de fato, a rentabilidade absoluta tem sido bastante razoável-, não compensaram o risco de investir diante do ganho da renda fixa.
Nos últimos dez anos, a Bolsa rendeu 10,5% ao ano, mas a renda fixa ultrapassou-a, com 12,7% ao ano. Mesmo na média de três décadas, de 1977 a 2006, a rentabilidade relativa não chega a compensar o risco: 9,9% para a Bolsa, contra 7,7% para as aplicações a juros.
A "Desobstruinte" do presidente Lula terá que inverter a percepção de risco distorcida e invertida no mercado brasileiro. Programas de crescimento acelerado temos oferecido há pelo menos 25 anos, em versões sucessivas, o mais recente deles sendo "Simplificando o Brasil", patrocinado pela Fecomercio SP. Mas é preciso vencer a "impermeabilidade do medo e dos grupos de interesse".
Tem razão o presidente reeleito em pedir mais ousadia. Pacotinhos e pacotões, medidas de ocasião, sem mexer na pervertida estrutura de rentabilidades dos ativos no Brasil e, portanto, sem convencer profundamente os atores econômicos, empreendedores e investidores, alterando suas expectativas, não trarão ao país dias muito melhores, menos ainda qualquer espetáculo de crescimento. "Desobstruinte" é preciso, e urgente.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br


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