São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Os sujos e os mal lavados

"Manifesto de atualização" do programa tucano usa dados errados sobre o passado e nada tem a dizer sobre o futuro

É ARGUMENTÁVEL que a leitura e a discussão de programas partidários sejam falta do que fazer. Mas a alternativa é a rendição aos cangaceiros do apocalipse político, o mundo paralelo de Renan Calheiros, do cafezinho do Congresso e outros assuntos assim putrefatos.
E então a gente depara com o programa de "refundação" do PSDB, o "manifesto que atualiza o programa de 1988" dos tucanos, lançado na terça-feira. O tal manifesto é uma peça de manifesta falta do que dizer, de inanidades, demagogias, desconversas e dados errados. Um texto que tem a coragem de dizer coisas como "apoiamos as privatizações no passado" e que há "descoordenação" no setor elétrico sob Lula.
Fiquemos na "parte econômica", econômica em tudo, aliás, em idéias e fatos e projetos concretos de mudança. Sabe-se apenas que, num governo PSDB 3, haverá mais Estado, mais mercado, crescimento, justiça social e segurança. Parece um pouco com o programa de Geraldo Alckmin em 2006, mas é ainda pior que aquele projeto de quadratura do círculo, pelo qual o governo investiria mais, gastaria mais no "social", cortaria imposto, e o Estado não gastaria mais do que arrecada.
Nos últimos cinco anos, o país cresceu menos que a média mundial, diz o "manifesto". Sob FHC também. Lula manteve os "juros desnecessariamente elevados e o câmbio excepcionalmente apreciado". Bem, o PSDB não é favor de autonomia do Banco Central? Quem pariu Mateus que o embale. E, por falar em juro alto e câmbio apreciado, isso lembra... o governo FHC!
O manifesto diz que o governo Lula transferiu para Estados, municípios e estatais federais o esforço de fazer superávit primário (poupança do governo, desconsiderados gastos com juros). É "menas verdade".
Quando FHC fez superávit, no segundo mandato, o esforço proporcional do governo federal foi em média igual ao do governo Lula 1. A poupança do governo central vem caindo, é fato, e em 2007 será proporcionalmente a menor desde 2001.
Comparados os anos finais e iniciais dos governos FHC 1, 2 e Lula 1, foi nos anos tucanos que a receita federal de impostos cresceu mais, em porcentagem do PIB. A despesa primária do governo central sob Lula cresce mais rápido que sob FHC (25% mais rápido, em média). Mas sob FHC a despesa crescia a uma velocidade 100% maior que a do crescimento do PIB (contra 65% de Lula 1). E o gasto com pessoal ativo nos anos FHC foi em média igual ao dos anos Lula. Mas os investimentos federais foram um tico maiores no tucanato (0,2% do PIB a mais).
Sim, FHC teve de lidar com a quebra do setor público (para a qual contribuiu em parte), com as despesas decorrentes dos esforços da estabilização monetária e com terríveis crises financeiras mundiais, que destroçaram as contas do país.
Lula governa em período de crescimento mundial extraordinário e se beneficia das reformas de FHC etc. Quase nada faz em termos de mudanças institucionais e queima os frutos da bonança econômica. É um desastre programático na prática. Mas vamos, por favor, nos insultar com os palavrões adequados, usar dados certos, não falsificar a história, assumir erros e, enfim, pensar. Uma idéia, por favor.


vinit@uol.com.br

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