São Paulo, terça, 22 de dezembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
Um negócio da China

BENJAMIN STEINBRUCH

Na semana passada, ao comentar os problemas e oportunidades que se abrem às exportações brasileiras, estimulei o governo a não recuar da meta de US$ 100 bilhões de exportações/ ano para 2002. Para reforçar argumentos, apresentei alguns números da economia chinesa, que exportava menos que o Brasil em 1980 e que, em 1997, já vendia para mercados externos US$ 183 bilhões, o triplo dos números brasileiros. Os leitores gostaram do exemplo e me cobraram mais informações como resposta à pergunta que então levantei: "Que tal procurar saber o que eles fizeram e que poderíamos ter feito?"
Para entender o processo chinês é preciso lembrar que, em 1978, Deng Xiaoping lançou o seu plano de "quatro grandes modernizações: a industrial, a agrícola, a tecnológica e a militar". Era o início da abertura chinesa para um capitalismo sui generis, que preservava os rígidos princípios do comunismo do Estado, mas escancarava incentivos aos investimentos externos destinados a fomentar a produção e a participar dos processos de privatização de empresas estatais deficitárias. O processo deu certo e a economia começou a crescer a níveis próximos de 10% ao ano, com uma consistência que faltou ao Brasil quando se exagerava na celebração do "milagre brasileiro".
O "milagre chinês" continua em marcha. Neste ano de 98, seu PIB ultrapassará US$ 1 bilhão, abrindo uma certa distância do Brasil e se aproximando do PIB inglês, que promete superar rapidamente. Com um crescimento de 9,7% em 96, 8,8% em 1997 e perto de 8% em 1998 (apesar da crise asiática), ninguém mais põe dúvidas sobre o que vem por aí.
A caminhada dos milagreiros chineses não foi nem será fácil. A "Era pós-Deng" é relativamente recente e o primeiro-ministro Zhu Rongji está enfrentando sérios problemas na desmontagem da mitologia econômica dos tempos de Mao, que gerou mais de 100 mil pequenas empresas estatais deficitárias que agora começam, velozmente, a ser privatizadas. As empresas não-estatais, em 1985, já respondiam por um terço da geração do PIB. Em 1998, já são dois terços, e os chineses esperam que, em 2002, as estatais respondam por menos de 10% da economia do país. Esse índice o Brasil só conseguiria se, de uma tacada, privatizássemos todas as empresas estatais remanescentes, que hoje são tabus intocáveis.
Em 1994, os chineses unificaram sua moeda que, estabilizada, tem sida a garantia da queda da inflação, que, no período, baixou para 6% ao ano. Com esse cenário, os investimentos externos cresceram velozmente, não se deixando intimidar pelas regras que só aceitavam a entrada de dinheiro externo se ele se destinasse a formar "joint ventures" com empresas chinesas, ou fosse dirigido à privatização de empresas estratégicas, ou contemplasse projetos destinados primordialmente às exportações. Nos últimos dez anos, as empresas multinacionais investiram US$ 324 bilhões na economia chinesa seguindo essas duras regras e atendendo à chamada "exigência maior" que está presente em qualquer dos formatos citados: prioridade máxima à geração (ou manutenção) de empregos chineses.
O primeiro-ministro Zhu Rongji, em declarações de março deste ano, disse a analistas internacionais que continuaria com o pé no acelerador do programa chinês de exportações. Na ocasião, ele afirmou que não iria desvalorizar o yuan e nem tocar no dólar de Hong Kong, que continuaria "imexível"... Sua palavra está sendo mantida. O que aumenta a importância do que disse na ocasião: "Não precisamos do doping cambial para incrementar nossas exportações".
E não precisam mesmo. O programa de exportações da China segue alguns modelos curiosos. Um deles é que fez a Nike levar para a China várias fábricas de seus produtos. Essas se espalharam por várias províncias do país, com o compromisso de gerar e manter determinado número de empregos, salários baixos e benefícios sociais razoáveis. As empresas externas ou joint ventures investiram em indústrias moderníssimas e ofereceram encomendas firmes a fornecedores locais. Em todo o processo, a China cobrou zero de imposto, mas foi rígida na fiscalização destinada a evitar maracutaias que minariam o processo. Um especialista chinês disse: "Precisamos de divisas e de empregos. Essas são as prioridades".
Outro formato foi a modernização de empresas estatais pelo caminho das joint ventures. Foi o que ocorreu com a brasileira Brasmotor, que foi para a China se associar com uma estatal obsoleta, equipando-a para produzir e exportar moderníssimos compressores como os que a Embraco fabrica em Joinville. Nessa mesma linha, a General Motors inaugurou, na semana passada, uma joint venture em Xangai que oficializou a parceria (50/50) entre a GM e a Saic (Shanghai Automotive Industrial Corp.), que é "a mais lucrativa montadora da China" e já é parceira da Volkswagen há 13 anos, na fabricação dos velhos Santana.
O projeto brasileiro não caminhará sem que a "mentalidade exportadora" seja difundida por toda a sociedade, a começar pelas autoridades que continuam tributando, direta e indiretamente, nossas vendas externas. Há uma oportunidade à vista. O Senado incluiu na pauta da convocação extraordinária de janeiro a discussão e votação do projeto que regulariza as 17 ZPE's (Zonas de Processamento de Exportação), criadas anos atrás e que até hoje mal saíram do papel.
Foi com uma legislação semelhante à das nossas ZPE's que os chineses levaram para lá uma série de grandes indústrias. Eles não permitiram vendas domésticas de parte da produção por concluírem que esta seria uma porta aberta para a sonegação e a corrupção. Que tal examinar a razão e os caminhos dos chineses? Afinal, eles deram certo. E é bom lembrar que exportação chinesa não é sinônimo de bugiganga. Esse é o folclore exportador chinês, e não tem nada a ver com os quase US$ 200 bilhões de divisas/ano que eles estão gerando como alavanca para o progresso. Esse, sim, um negócio da China.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional, da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br




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