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OPINIÃO ECONÔMICA
Um negócio da China
BENJAMIN STEINBRUCH
Na semana passada, ao comentar os problemas e oportunidades que se abrem às exportações brasileiras, estimulei o
governo a não recuar da meta de
US$ 100 bilhões de exportações/
ano para 2002. Para reforçar argumentos, apresentei alguns números da economia chinesa, que
exportava menos que o Brasil em
1980 e que, em 1997, já vendia
para mercados externos US$ 183
bilhões, o triplo dos números
brasileiros. Os leitores gostaram
do exemplo e me cobraram mais
informações como resposta à
pergunta que então levantei:
"Que tal procurar saber o que
eles fizeram e que poderíamos
ter feito?"
Para entender o processo chinês é preciso lembrar que, em
1978, Deng Xiaoping lançou o
seu plano de "quatro grandes
modernizações: a industrial, a
agrícola, a tecnológica e a militar". Era o início da abertura
chinesa para um capitalismo sui
generis, que preservava os rígidos princípios do comunismo do
Estado, mas escancarava incentivos aos investimentos externos
destinados a fomentar a produção e a participar dos processos
de privatização de empresas estatais deficitárias. O processo
deu certo e a economia começou
a crescer a níveis próximos de
10% ao ano, com uma consistência que faltou ao Brasil quando
se exagerava na celebração do
"milagre brasileiro".
O "milagre chinês" continua
em marcha. Neste ano de 98, seu
PIB ultrapassará US$ 1 bilhão,
abrindo uma certa distância do
Brasil e se aproximando do PIB
inglês, que promete superar rapidamente. Com um crescimento
de 9,7% em 96, 8,8% em 1997 e
perto de 8% em 1998 (apesar da
crise asiática), ninguém mais
põe dúvidas sobre o que vem por
aí.
A caminhada dos milagreiros
chineses não foi nem será fácil. A
"Era pós-Deng" é relativamente
recente e o primeiro-ministro
Zhu Rongji está enfrentando sérios problemas na desmontagem
da mitologia econômica dos
tempos de Mao, que gerou mais
de 100 mil pequenas empresas estatais deficitárias que agora começam, velozmente, a ser privatizadas. As empresas não-estatais, em 1985, já respondiam por
um terço da geração do PIB. Em
1998, já são dois terços, e os chineses esperam que, em 2002, as
estatais respondam por menos
de 10% da economia do país. Esse índice o Brasil só conseguiria
se, de uma tacada, privatizássemos todas as empresas estatais
remanescentes, que hoje são tabus intocáveis.
Em 1994, os chineses unificaram sua moeda que, estabilizada, tem sida a garantia da queda
da inflação, que, no período, baixou para 6% ao ano. Com esse
cenário, os investimentos externos cresceram velozmente, não
se deixando intimidar pelas regras que só aceitavam a entrada
de dinheiro externo se ele se destinasse a formar "joint ventures"
com empresas chinesas, ou fosse
dirigido à privatização de empresas estratégicas, ou contemplasse projetos destinados primordialmente às exportações.
Nos últimos dez anos, as empresas multinacionais investiram
US$ 324 bilhões na economia
chinesa seguindo essas duras regras e atendendo à chamada
"exigência maior" que está presente em qualquer dos formatos
citados: prioridade máxima à
geração (ou manutenção) de empregos chineses.
O primeiro-ministro Zhu
Rongji, em declarações de março
deste ano, disse a analistas internacionais que continuaria com o
pé no acelerador do programa
chinês de exportações. Na ocasião, ele afirmou que não iria
desvalorizar o yuan e nem tocar
no dólar de Hong Kong, que continuaria "imexível"... Sua palavra está sendo mantida. O que
aumenta a importância do que
disse na ocasião: "Não precisamos do doping cambial para incrementar nossas exportações".
E não precisam mesmo. O programa de exportações da China
segue alguns modelos curiosos.
Um deles é que fez a Nike levar
para a China várias fábricas de
seus produtos. Essas se espalharam por várias províncias do
país, com o compromisso de gerar e manter determinado número de empregos, salários baixos e benefícios sociais razoáveis.
As empresas externas ou joint
ventures investiram em indústrias moderníssimas e ofereceram encomendas firmes a fornecedores locais. Em todo o processo, a China cobrou zero de imposto, mas foi rígida na fiscalização destinada a evitar maracutaias que minariam o processo.
Um especialista chinês disse:
"Precisamos de divisas e de empregos. Essas são as prioridades".
Outro formato foi a modernização de empresas estatais pelo
caminho das joint ventures. Foi o
que ocorreu com a brasileira
Brasmotor, que foi para a China
se associar com uma estatal obsoleta, equipando-a para produzir e exportar moderníssimos
compressores como os que a Embraco fabrica em Joinville. Nessa
mesma linha, a General Motors
inaugurou, na semana passada,
uma joint venture em Xangai
que oficializou a parceria (50/50)
entre a GM e a Saic (Shanghai
Automotive Industrial Corp.),
que é "a mais lucrativa montadora da China" e já é parceira da
Volkswagen há 13 anos, na fabricação dos velhos Santana.
O projeto brasileiro não caminhará sem que a "mentalidade
exportadora" seja difundida por
toda a sociedade, a começar pelas autoridades que continuam
tributando, direta e indiretamente, nossas vendas externas.
Há uma oportunidade à vista. O
Senado incluiu na pauta da convocação extraordinária de janeiro a discussão e votação do projeto que regulariza as 17 ZPE's
(Zonas de Processamento de Exportação), criadas anos atrás e
que até hoje mal saíram do papel.
Foi com uma legislação semelhante à das nossas ZPE's que os
chineses levaram para lá uma série de grandes indústrias. Eles
não permitiram vendas domésticas de parte da produção por
concluírem que esta seria uma
porta aberta para a sonegação e
a corrupção. Que tal examinar a
razão e os caminhos dos chineses? Afinal, eles deram certo. E é
bom lembrar que exportação
chinesa não é sinônimo de bugiganga. Esse é o folclore exportador chinês, e não tem nada a ver
com os quase US$ 200 bilhões de
divisas/ano que eles estão gerando como alavanca para o progresso. Esse, sim, um negócio da
China.
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional,
da Metropolitana e da Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
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