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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Brasil: ainda as mudanças na economia
Uma verdadeira revolução está acontecendo no mercado de crédito e
de capitais no Brasil
CONTINUO MINHAS reflexões
sobre as mudanças que o analista voltado para as questões
da microeconomia no Brasil pode
perceber. Escrevo hoje sobre uma
verdadeira revolução que está acontecendo no mercado de crédito e de
capitais no Brasil. Uso como referencial para essa visita o susto que
levei nesta semana ao olhar para os
juros dos bônus em reais emitidos
pelo Tesouro brasileiro. O título
com vencimento em janeiro de
2016, negociado no exterior, rende
hoje 9,90% ao ano.
E por que adoto esse preço de
mercado como um indicador claro
das mudanças que estamos vivendo? Porque, em 40 anos de atividade
profissional, eu nunca tinha vivido a
conjugação de três fatos realmente
extraordinários: um título denominado em nossa moeda e sem um indexador ligado à inflação ou ao dólar, negociado no mercado internacional e com juros de apenas um dígito. Parece um sonho! Mas gostaria
de ir mais longe do que simplesmente dividir meu espanto. Quero explorar, com o leitor da Folha, os reflexos que essa situação inusitada
trará para nossa economia e para a
vida dos brasileiros.
Uma primeira influência positiva que uma curva de juros de longo
prazo, denominada em moeda nacional e sem nenhuma proteção
contra inflação e flutuação da taxa
de câmbio, traz é a de ampliar os
horizontes à atividade econômica.
Saímos das amarras do overnight e
dos prêmios de risco inaceitáveis
para as transações de prazo mais
longo e a taxas mais próximas das
existentes no mundo emergente. A
taxa interna de retorno dos investimentos deve se equilibrar, nas novas condições do mercado, em algo
próximo a 12% ao ano, liberando
novos investimentos na economia.
Um segundo ganho será a viabilização de novos mecanismos de divisão e pulverização de riscos por
meio do mercado financeiro futuro. Essa é uma característica inerente às economias modernas e
que tem permitido uma redução
importante da intensidade das crises em momentos de turbulência.
Com uma estrutura a termo de taxas de juros mais consistente, uma
série de derivativos financeiros, já
testados nos mercados internacionais, vai se desenvolver no Brasil.
Com isso a eficiência da economia
brasileira terá um aumento significativo via um mercado financeiro
mais sólido.
Uma terceira resultante será o
aumento da oferta de crédito de
prazos mais longos via instituições
financeiras privadas e mercado de
capitais. Já descrevi neste espaço
os efeitos incríveis que a extensão
dos prazos de financiamento ao
consumo vem trazendo para a atividade econômica. Com taxas de
juros nominais abaixo de 10% ao
ano, uma nova revolução será iniciada, agora no mercado de crédito
de hipotecas, segmento em que estamos ainda na rabeira do mundo
em desenvolvimento. E isso vai
acontecer sem a necessidade da
criação de mecanismos oficiais, fora do mercado privado de crédito,
como foi o caso de nossa experiência frustrante com o SFH -Sistema Financeiro da Habitação. A
participação do governo deverá ser
complementar à do mercado, principalmente nos segmentos de menor renda e na garantia de liquidez
na parte mais longa dos empréstimos hipotecários.
Finalmente, com os juros convergindo para o nível das taxas internacionais, vai se acelerar a migração de recursos para investimentos em ações e outros instrumentos do mercado de capitais. As
empresas brasileiras serão estimuladas a buscar mais capital próprio
com novos sócios privados para financiar os negócios, reduzindo sua
dependência ao crédito bancário e
à geração própria de caixa. Nesse
processo, teremos um ganho de
eficiência via regras mais rígidas de
governança corporativa em nossas
empresas. Isso será possível porque os lançamentos de ações de
novas empresas vêm ocorrendo no
chamado Novo Mercado da Bovespa, criado ainda no período FHC e
que tem regras claras nesse campo.
Não poderia deixar de citar o fato
de que o desenvolvimento de uma
estrutura a termo de taxas de juros
via mercado cria uma camisa-de-força para a condução da política
econômica. Ela fica refém da racionalidade embutida na construção
da curva de juros e, qualquer desvio significativo em relação a ela,
será punida imediatamente. Com
isso o risco de aventuras populistas
fica muito reduzido.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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