São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Commodities: bolha ou fundamentos?

A incerteza sobre commodities é razão para lamentar a falta de empenho do governo para aprofundar as reformas

APESAR DA semana curta, com somente quatro dias úteis, os preços das commodities sofreram o maior declínio semanal em mais de meio século: 8,3%, no índice que o Commodity Research Bureau de Chicago publica desde 1957 para medir o desempenho de uma cesta de produtos, incluindo petróleo, metais e alimentos. Enquanto os pessimistas vêem nessa queda o início do fim de uma bolha de preços das commodities, os mais otimistas apontam que a alta de preços de produtos primários neste século acompanhou o aumento da demanda da economia mundial e o crescimento extraordinário da China e Índia.
Uma característica necessária para a sustentação de uma bolha de preços é a existência de uma história convincente para explicar a valorização do ativo em questão. Nos Estados Unidos, episódios especulativos freqüentemente coincidiram com o aparecimento de tecnologias promissoras. Por exemplo, no final do século que terminou, houve uma grande alta de preços nas ações de companhia ligadas à internet. A revolução da internet foi um fenômeno real, mas hoje sabemos que foi acompanhada por um aumento excessivo do preço de papéis de empresas ligadas àquela indústria. Os historiadores dos mercados financeiros apontam que episódios semelhantes acompanharam outras mudanças tecnológicas importantes: a construção das ferrovias, a invenção da eletricidade, do automóvel, do rádio ou do computador pessoal. Em cada um desses casos, as ações de companhias vinculadas ao novo setor apresentaram uma rápida valorização, seguida, mais tarde, por uma correção acentuada. Mesmo a bolha imobiliária nos Estados Unidos tinha até o seu estouro uma explicação mais ou menos persuasiva. As novas técnicas de controle de risco por parte dos bancos e o crescimento da economia americana permitiriam o acesso de novas camadas da população à casa própria, pressionando os preços.
É provável que a alta da cotação dos produtos primários resultante do crescimento da economia mundial tenha sido exagerada pela especulação. Como já escrevi nesta Folha, as bolhas financeiras são invariavelmente acompanhadas pelo aumento no volume de transações. Durante a bolha da internet, as ações de alta tecnologia representavam apenas 6% do valor das Bolsas americanas, mas mais de 20% do volume transacionado a cada dia.
Os volumes negociados nos contratos futuros de matérias-primas aumentaram rapidamente nos últimos meses, pressionados pela presença cada vez maior dos "hedge funds" nesses mercados. Como se diz por aqui, a questão cuja resposta vale US$ 1 milhão de dólares (e mesmo 1 milhão) é saber em que medida os atuais preços das commodities refletem o inegável crescimento da demanda e quão grande é o seu componente especulativo.
O crescimento da economia brasileira resulta em boa parte do longo período de estabilidade da moeda, do equilíbrio fiscal e das reformas microeconômicas, tais como a do crédito, que aumentou a demanda interna. Mas não resta dúvida de que o Brasil, um dos maiores países exportadores de metais e alimentos, beneficiou-se muito do aumento de preços de produtos primários. A incerteza sobre o preço das commodities é mais uma razão para lamentar a falta de empenho da atual equipe econômica em aproveitar este momento de prosperidade para aprofundar as reformas que seus antecessores nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula 1 implementaram em condições muito mais difíceis.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

jose.scheinkman@gmail.com


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