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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Commodities: bolha ou fundamentos?
A incerteza sobre commodities é razão para lamentar a falta
de empenho do governo para aprofundar as reformas
APESAR DA semana curta, com
somente quatro dias úteis, os
preços das commodities sofreram o maior declínio semanal em
mais de meio século: 8,3%, no índice
que o Commodity Research Bureau
de Chicago publica desde 1957 para
medir o desempenho de uma cesta
de produtos, incluindo petróleo, metais e alimentos.
Enquanto os pessimistas vêem
nessa queda o início do fim de uma
bolha de preços das commodities, os
mais otimistas apontam que a alta de
preços de produtos primários neste
século acompanhou o aumento da
demanda da economia mundial e o
crescimento extraordinário da China e Índia.
Uma característica necessária para a sustentação de uma bolha de
preços é a existência de uma história
convincente para explicar a valorização do ativo em questão. Nos Estados Unidos, episódios especulativos
freqüentemente coincidiram com o
aparecimento de tecnologias promissoras. Por exemplo, no final do
século que terminou, houve uma
grande alta de preços nas ações de
companhia ligadas à internet. A revolução da internet foi um fenômeno real, mas hoje sabemos que foi
acompanhada por um aumento excessivo do preço de papéis de empresas ligadas àquela indústria. Os historiadores dos mercados financeiros
apontam que episódios semelhantes
acompanharam outras mudanças
tecnológicas importantes: a construção das ferrovias, a invenção da eletricidade, do automóvel, do rádio ou
do computador pessoal. Em cada um
desses casos, as ações de companhias
vinculadas ao novo setor apresentaram uma rápida valorização, seguida, mais tarde, por uma correção
acentuada. Mesmo a bolha imobiliária nos Estados Unidos tinha até o
seu estouro uma explicação mais ou
menos persuasiva. As novas técnicas
de controle de risco por parte dos
bancos e o crescimento da economia
americana permitiriam o acesso de
novas camadas da população à casa
própria, pressionando os preços.
É provável que a alta da cotação
dos produtos primários resultante
do crescimento da economia mundial tenha sido exagerada pela especulação. Como já escrevi nesta Folha, as bolhas financeiras são invariavelmente acompanhadas pelo
aumento no volume de transações.
Durante a bolha da internet, as
ações de alta tecnologia representavam apenas 6% do valor das Bolsas
americanas, mas mais de 20% do
volume transacionado a cada dia.
Os volumes negociados nos contratos futuros de matérias-primas aumentaram rapidamente nos últimos meses, pressionados pela presença cada vez maior dos "hedge
funds" nesses mercados. Como se
diz por aqui, a questão cuja resposta
vale US$ 1 milhão de dólares (e
mesmo 1 milhão) é saber em que
medida os atuais preços das commodities refletem o inegável crescimento da demanda e quão grande é
o seu componente especulativo.
O crescimento da economia brasileira resulta em boa parte do longo período de estabilidade da moeda, do equilíbrio fiscal e das reformas microeconômicas, tais como a
do crédito, que aumentou a demanda interna. Mas não resta dúvida de que o Brasil, um dos maiores países exportadores de metais e
alimentos, beneficiou-se muito do
aumento de preços de produtos
primários. A incerteza sobre o preço das commodities é mais uma razão para lamentar a falta de empenho da atual equipe econômica em
aproveitar este momento de prosperidade para aprofundar as reformas que seus antecessores nos governos Itamar Franco, Fernando
Henrique Cardoso e Lula 1 implementaram em condições muito
mais difíceis.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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