São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

"Espelho, espelho meu..."

...quem gasta mais do que eu? Governo quer cortar crediário e consumo excessivo, mas não cuida do seu próprio quintal

BEM, LULA então está preocupado em frear o aumento do consumo e, assim, do risco da alta adicional de preços. A Fazenda pretende conter a demanda por meio de controles tais como a redução do prazo do crediário do carro a fim de evitar que o Banco Central o faça por meio dos juros.
Controles seletivos de crédito têm longo histórico no país. Um histórico de distorções econômicas causadas por panos quentes, tentativas de evitar medidas essenciais, de longo alcance e politicamente difíceis.
Por falar em história, o fato de o ministro Guido Mantega ter relacionado a restrição do consumo ao incentivo a exportações lembra, em escala diminuta, debates como o dos anos 1950 sobre controle seletivo de crédito, volta do déficit comercial e inflação, quando o governo oscilava entre nacionalistas e ortodoxos da Sumoc ("embrião" do BC), com Horácio Lafer, antecessor de Mantega, no meio da parada. Controle de preços por meio de limite ao crédito pessoal lembra ainda pacotes dos anos 80. Não deu muito certo.
Até fevereiro, o ministro Mantega parecia convicto de que não havia problemas nos preços. "Estamos cumprindo os objetivos da política de metas de inflação... Então não vejo nenhuma razão no horizonte para elevação dos juros... A inflação está totalmente controlada", dizia.
Agora, fala em excesso de demanda, de consumo, do que o governo é grande estimulador, pois seu gasto cresce ao dobro do ritmo de crescimento do PIB. Conter o gasto público seria relevante para vários dos objetivos que o governo ora parece se propor: conter a demanda, evitar que o BC eleve juros (ou os eleve menos) e o gasto correspondente com a dívida pública. Ajuda a conter a alta do real. A poupança poderia ser usada para o abate da dívida, o que reduz ainda mais a despesa fiscal.
A restrição seletiva de crédito costuma ter o defeito de ser contornada pelos agentes econômicos se os impulsos fundamentais ao consumo não são contidos. Se a renda disponível continua a aumentar e os juros ficam onde estão, as pessoas podem continuar a gastar sabe-se lá em que outros itens. Bancos podem mudar a composição de sua carteira de crédito, mas não seu volume.
Para que talvez funcionem, as restrições têm de ser violentas (crediário só de 12 meses. E como ficam cheque especial e cartão de crédito?). Violentas a ponto de causar colapso de vendas, o que cria desemprego, que o governo quer evitar.
É razoável aumentar a exigência de reserva de capital dos bancos para cobrir perdas em créditos longos, de maior risco, o que elevaria a taxa de juros nesse caso. Mas seria medida prudencial, o que pode não dar em efeitos monetários relevantes. O BC tem rodado pelos bancos, mas diz não ter visto problemas de imprudência, embora venha apertando certas cravelhas regulatórias.
Não é certo também que a restrição seletiva da demanda doméstica estimule exportações. Estas dependem não só de oferta suficiente mas de preço, que depende de câmbio e de custos como salários e impostos, além de vários fatores de produtividade; dependem ainda da demanda externa e da estratégia comercial das multinacionais, a maioria das exportadoras de bens duráveis.
Por fim, o governo se gaba da expansão do crédito a pessoas com maior propensão a consumir (as mais pobres, que gastam toda a renda adicional) por meio de crédito consignado, Pronaf, microcrédito. Ou seja, a política econômica do governo não é lá muito coerente. A perna da Fazenda vai para um lado, a do BC para outro. Isso costuma dar em lerdeza, tropeços ou tombos.


vinit@uol.com.br

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