|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS TORRES FREIRE
"Espelho, espelho meu..."
...quem gasta mais do que eu?
Governo quer cortar crediário
e consumo excessivo, mas não
cuida do seu próprio quintal
BEM, LULA então está preocupado em frear o aumento do
consumo e, assim, do risco da
alta adicional de preços. A Fazenda
pretende conter a demanda por
meio de controles tais como a redução do prazo do crediário do carro a
fim de evitar que o Banco Central o
faça por meio dos juros.
Controles seletivos de crédito têm
longo histórico no país. Um histórico de distorções econômicas causadas por panos quentes, tentativas de
evitar medidas essenciais, de longo
alcance e politicamente difíceis.
Por falar em história, o fato de o
ministro Guido Mantega ter relacionado a restrição do consumo ao incentivo a exportações lembra, em
escala diminuta, debates como o dos
anos 1950 sobre controle seletivo de
crédito, volta do déficit comercial e
inflação, quando o governo oscilava
entre nacionalistas e ortodoxos da
Sumoc ("embrião" do BC), com Horácio Lafer, antecessor de Mantega,
no meio da parada. Controle de preços por meio de limite ao crédito
pessoal lembra ainda pacotes dos
anos 80. Não deu muito certo.
Até fevereiro, o ministro Mantega
parecia convicto de que não havia
problemas nos preços. "Estamos
cumprindo os objetivos da política
de metas de inflação... Então não vejo nenhuma razão no horizonte para
elevação dos juros... A inflação está
totalmente controlada", dizia.
Agora, fala em excesso de demanda, de consumo, do que o governo é
grande estimulador, pois seu gasto
cresce ao dobro do ritmo de crescimento do PIB. Conter o gasto público seria relevante para vários dos
objetivos que o governo ora parece
se propor: conter a demanda, evitar
que o BC eleve juros (ou os eleve menos) e o gasto correspondente com a
dívida pública. Ajuda a conter a alta
do real. A poupança poderia ser usada para o abate da dívida, o que reduz ainda mais a despesa fiscal.
A restrição seletiva de crédito costuma ter o defeito de ser contornada
pelos agentes econômicos se os impulsos fundamentais ao consumo
não são contidos. Se a renda disponível continua a aumentar e os juros
ficam onde estão, as pessoas podem
continuar a gastar sabe-se lá em que
outros itens. Bancos podem mudar a
composição de sua carteira de crédito, mas não seu volume.
Para que talvez funcionem, as restrições têm de ser violentas (crediário só de 12 meses. E como ficam
cheque especial e cartão de crédito?). Violentas a ponto de causar colapso de vendas, o que cria desemprego, que o governo quer evitar.
É razoável aumentar a exigência
de reserva de capital dos bancos para cobrir perdas em créditos longos,
de maior risco, o que elevaria a taxa
de juros nesse caso. Mas seria medida prudencial, o que pode não dar
em efeitos monetários relevantes. O
BC tem rodado pelos bancos, mas
diz não ter visto problemas de imprudência, embora venha apertando certas cravelhas regulatórias.
Não é certo também que a restrição seletiva da demanda doméstica
estimule exportações. Estas dependem não só de oferta suficiente mas
de preço, que depende de câmbio e
de custos como salários e impostos,
além de vários fatores de produtividade; dependem ainda da demanda
externa e da estratégia comercial
das multinacionais, a maioria das
exportadoras de bens duráveis.
Por fim, o governo se gaba da expansão do crédito a pessoas com
maior propensão a consumir (as
mais pobres, que gastam toda a renda adicional) por meio de crédito
consignado, Pronaf, microcrédito.
Ou seja, a política econômica do
governo não é lá muito coerente. A
perna da Fazenda vai para um lado,
a do BC para outro. Isso costuma dar
em lerdeza, tropeços ou tombos.
vinit@uol.com.br
Texto Anterior: José Alexandre Scheinkman: Commodities: bolha ou fundamentos? Próximo Texto: Yoshiaki Nakano: No auge do ciclo Índice
|