São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NOVA ECONOMIA

Presidente da empresa, que também criou o Kazaa, diz que ela não perdeu identidade com venda para a eBay

Skype ainda acredita em telefonia paga

ALISON MAITLAND
DO "FINANCIAL TIMES"

Como presidente de uma companhia que deseja revolucionar a maneira pela qual o mundo se comunica, Niklas Zennström é um homem surpreendentemente difícil de contatar. O site do Skype, a companhia que ele dirige e cujo software permite telefonemas gratuitos via internet, não informa o endereço dos escritórios do grupo nem oferece telefone para contato.
Talvez esse sueco de fala rápida, que lançou o Skype em parceria com o sócio Janus Friis em 2003 e o vendeu ao eBay no ano passado, embolsando pagamento inicial de US$ 2,6 bilhões, esteja tentando provar alguma coisa àqueles dentre nós que ainda não ousam abandonar os grilhões da telefonia convencional em troca da conversação ilimitada no ciberespaço?
No escritório do Skype em Londres, localizado em uma rua lateral sem graça no bairro do Soho, perto de Picadilly Circus, Zennström ri da idéia e explica que operar uma central telefônica não se enquadra ao modelo de negócios que ele propõe.
"Temos mais de 80 milhões de usuários e registramos 250 mil novos assinantes ao dia", diz. "Oferecemos serviços gratuitos. Se decidíssemos dar assistência técnica completa a todos os usuários, tanto gente nos ligaria que o custo se tornaria proibitivo."
O escritório dispõe de "algumas" linhas convencionais de telefonia, incluindo uma de fax, mas qualquer dúvida ou questão será respondida de maneira mais rápida se o interessado preencher um formulário no site, diz ele. Na minha experiência, tentar contatar empresas dessa maneira é ineficiente. Mas o Skype, por outro lado, não é exatamente uma companhia convencional.
Os admiradores de Zennström no setor de "venture capital" (capital para empreendimentos de risco) dizem que ele pode se tornar um novo Michael Dell (da Dell), Jeff Bezos (Amazon) ou até mesmo Bill Gates (Microsoft), com quem é parecido fisicamente. Mas, se você não o conhece, é difícil distinguir quem exatamente é o chefe, no escritório sem divisórias do qual a empresa é comandada.
Ele se senta numa longa mesa de canto, compartilhada por meia dúzia de outros colegas, e está absorto na tela de um computador à sua frente. Não se pode nem dizer que aquele é o lugar dele, já que outros funcionários costumam ocupar sua posição quando Zennström viaja.
Em janeiro, quando a equipe de Londres voou para uma reunião da companhia na Estônia, onde o Skype desenvolve seu software, o presidente-executivo, um homem de 1,95 metro, viajou no assento do meio, aprisionado entre dois passageiros na classe turística de um vôo comercial.
Ele entra na sala de reunião vestindo uma camisa xadrez, de colarinho aberto, e calças de veludo escuras, trazendo na mão uma caneca de café, que manipula enquanto fala.
Por trás da aparência discreta, porém, existe uma vontade férrea. A missão do Skype é mais importante do que o status ou o nome do cargo e ele espera que todos os demais funcionários compartilhem desse sentimento.
"Se as pessoas começam a se posicionar internamente para obter mais poder ou um cargo melhor, estão na empresa errada", diz. "Não temos tempo para disputas políticas internas que acontecem nas grandes empresas. No começo, fizemos diversas contratações que não funcionaram. É preciso perceber esse tipo de problema cedo e dispensar essas pessoas."

Kazaa
Zennström, que acaba de completar 40 anos, é conhecido por desenvolver tecnologias perturbadoras. Ele e Friis criaram o Kazaa, software que permitia que milhões de usuários compartilhassem arquivos musicais ilegalmente via internet e gerou processos judiciais contra os criadores.
O que fez com que ele tomasse esse rumo? Filho de um casal de professores de Uppsala, ele nega que seja um radical. Mas, como consumidor, o imenso poderio das grandes corporações o incomoda. "Todos têm a obrigação de lutar contra os monopólios e também contra as empresas que oferecem maus serviços", afirma.
Depois de concluir simultaneamente cursos superiores de engenharia e administração de empresas, ele começou a ganhar experiência como gerente encarregado de desenvolver novos negócios na Tele2, uma empresa de rápido crescimento que ele descreve entusiasticamente como a primeira empresa européia de telecomunicações a desafiar a companhia dominante do setor.
A seguir, ele contratou Friis, um jovem e "brilhante" dinamarquês com pouca educação formal mas grande capacidade intuitiva para conceber modelos de negócios nada convencionais, e os dois vêm trabalhando em estreita colaboração desde então.
Zennström é um líder natural, de acordo com Howard Hartenbaum, que acompanha sua carreira há muito e foi o primeiro investidor a apoiar o Skype, quando os profissionais de "venture capital" na Europa "não chegariam perto dele nem usando luvas", devido à disputa judicial entre a indústria do entretenimento e o Kazaa e à hesitação do mercado depois da bolha do setor de internet.
Hartenbaum, hoje sócio da Draper Richards, empresa de "venture capital" na costa oeste dos Estados Unidos, lembra que a visão de Zennström o "capturou". Ele diz: "Fiquei tentado a deixar o setor de "venture capital" e simplesmente segui-lo. Provavelmente deveria tê-lo feito, porque assim teria mais ações. Mas comprei número suficiente".

Receita
Ao contrário da maioria das empresas, o Skype não fatura dinheiro com a maioria de seus usuários, que usam seu software de download gratuito para realizar telefonemas usando seus computadores.
A receita da empresa -US$ 60 milhões no ano passado e meta de US$ 200 milhões neste ano- é derivada da minoria de assinantes que paga para fazer e receber telefonemas de e para linhas telefônicas convencionais e móveis (SkypeOut e SkypeIn) e de serviços como correio de voz.
Zennström se irrita diante de qualquer sugestão de que o eBay teria "tomado o controle" de sua empresa. O Skype continua a ter estratégia, orçamento, cultura e marcas separadas, aproveitando, ao mesmo tempo, a sinergia com o eBay, ele afirma.
"Uma das coisas importantes para nós, e também uma das melhores coisas quanto ao eBay, é que desejávamos garantir que pudéssemos nos fundir com uma empresa maior sem que o Skype perdesse a identidade como companhia. Meg [Whitman, presidente-executiva do eBay] disse que deveríamos aproveitar os recursos de que eles dispõem, mas que ela não nos diria o que fazer, porque nós éramos as melhores pessoas do mundo para dirigir o nosso negócio."
Agora que a Skype é parte do eBay, porém ele não pode comentar sobre as perspectivas de que a empresa saia do vermelho ou sobre a porcentagem de usuários que pagam pelos serviços oferecidos pelo grupo.
O que ele tem a dizer sobre a aparente contradição em sua estratégia? Os fundadores dizem que querem "tornar possível ao mundo inteiro conversar de graça", mas os serviços que geram receita dependem da sobrevivência da telefonia tradicional.
A visão de "dominar o mundo" é distante, admite Zennström. "Em algum momento, esse modelo de receita desaparecerá, mas esse momento ainda está muito distante", diz. "Não é possível acreditar que os pagamentos por serviços telefônicos desaparecerão completamente."
Enquanto isso, o Skype está desenvolvendo outros serviços em parcerias com produtores de hardware e software, grupos de varejo, operadoras de telefonia móvel e até mesmo gravadoras.
O maior desafio para Zennström é controlar o crescimento vertiginoso do grupo e comunicar a cultura comum da empresa aos novos recrutas que começam a trabalhar na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos. Ele e Friis agora contam com uma equipe executiva de oito membros, dois dos quais oriundos do eBay.
A comunicação por meio do Skype não é suficiente com uma força de trabalho que quadruplicou para 300 funcionários de 30 diferentes nacionalidades em um ano. "Há muitas ocasiões em que é preciso garantir que as pessoas em diferentes escritórios se conheçam e encontrem. Temos muitos eventos sociais, organizados e desorganizados."
E a cultura da empresa tampouco pode ser imposta. "É a forma de operar, o modo de se comportar. Começa com a contratação. Eles precisam estar realmente excitados quanto à Skype como movimento, não como simples local de trabalho."
Os excêntricos são bem-vindos, até certo ponto. "Não se pode ter uma equipe inteira dessas pessoas. É necessário que os gerentes de projetos sejam muito bons. Jamais tivemos escassez de idéias. O desafio é decidir quais são as idéias corretas e implementá-las."
Será que o empresário serial que já co-fundou quatro empresas se sentirá tentado a seguir adiante? Ele e Friis têm incentivo para ficar, dados os objetivos de lucros que, se atingidos, elevarão o valor de aquisição do Skype de US$ 2,6 bilhões a mais de US$ 4 bilhões.
Ele diz também que essa é a tecnologia de troca de arquivos que ele vinha procurando desde 2000 e que deseja levar o projeto a bom termo. "O dia em que você percebe que não sabe mais o que acrescentar é o dia em que você deveria deixar a empresa. Não sei se estarei aqui pelo resto da vida. Mas, enquanto eu tiver esse entusiasmo, tudo vai bem."


Texto Anterior: Declaração: 9 milhões entregarão IR na última semana
Próximo Texto: Comida: McDonald's turbina lucro com lanche de US$ 1
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.