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PAULO RABELLO DE CASTRO
De neoliberais a neobobos
A tal ética da valorização súbita dos nossos ativos
não nos faz mais inteligentes nem competentes
PENSE NO sujeito que, há anos,
está socado no seu imóvel rural, longe de tudo e de todos,
plantando uma roça de subsistência.
De repente, o governo projeta e
constrói uma rodovia de seis faixas
passando pela porta do felizardo.
Qual o nome que se dá para esse tipo
de sorte: competência? Pense agora
num outro sujeito, endividado mas
insistente, que vai comprando bilhetes de loteria até o dia em que
acerta a quina... Sortudo? Cabra
competente?
Agora pense no país que, há duas
décadas, vem se arrastando pouco
acima do crescimento vegetativo da
população, cujos jovens querem
emigrar para outros lugares melhores e onde trabalhar paga imposto,
mas aplicar em rendas, não, especialmente se o recurso vem do exterior. Imagine, então, que esse país
endividado vê seus produtos extrativos se valorizarem da noite para o
dia, deixando-lhe saldos crescentes
para pagar todas as suas contas, até
então penduradas no FMI (Fundo
Monetário Internacional), liquidar
com credores privados etc. É sorte
ou competência?
O Brasil tem tido muita sorte ultimamente. Nesse ambiente, facilmente nos esquecemos da origem
da nossa felicidade, passando a atribui-la a algum tipo de premonição
genial que nos teria feito posicionar
o país na rota da competência absoluta. Humildade e menos prepotência conviria a um povo que -faz 30
anos- perdeu-se na neblina de suas
próprias contradições, não havendo,
desde então, conseguido reafirmar
para si mesmo, menos ainda para os
outros, onde deseja chegar e qual o
futuro da nação.
Contrariamente, esse sucesso que
nos invade pela porta dos fundos da
valorização do real é objeto de discreta aversão pelos outros países, especialmente os asiáticos, que insistem em se precaver contra os efeitos
devastadores dessa doença, reconhecendo apenas no trabalho, na escolaridade crescente e nas inovações técnicas a origem de uma prosperidade efetiva e sustentável.
A tal ética da valorização súbita
dos nossos ativos, que enlouquece
de prazer os consumidores e transforma políticos em grandes estadistas da hora, apesar dos óbvios rendimentos políticos e até sociais (por
resgatar parte da imensa pobreza),
não nos faz mais inteligentes nem
competentes. Saímos do terrível
neoliberalismo e caímos no perigoso neobobismo.
Nesse novo modelito, ninguém se
pergunta, por exemplo, por que diabos os países donde se origina nossa
sorte -os asiáticos, em especial-
insistem em manter de pé suas produções industriais, com crédito farto, taxa de juros baixíssimas para todos e quase nenhuma tributação,
além da melhor infra-estrutura possível e acesso às melhores práticas e
tecnologias. Nossos concorrentes
mundiais estão mirando estabilidade de preços, sim, mas o alvo final
das políticas nacionais são os empregos, milhões e milhões deles,
pois a filosofia dos asiáticos não prevê sustentar suas populações com
INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social) ou com Bolsa Família. Com
empregos e educação, sim. Esses milhões de empregos são disputados,
mundo afora, pelos países que se interessam em fazer suas populações
enriquecer gradualmente por meio
da acumulação resultante do trabalho e ver suas poupanças transformadas em capitalismo social. Soa
parecido conosco? Nem um pouco...
Fantasiados pela prosperidade
súbita, em nossos sonhos de retalhos, vestimo-nos para desfilar sob o
olhar piedoso de quem agora nos
torna por neobobos.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores,
consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo). Escreve às quartas-feiras, a cada 15
dias, nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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