São Paulo, quarta-feira, 23 de maio de 2007

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PAULO RABELLO DE CASTRO

De neoliberais a neobobos

A tal ética da valorização súbita dos nossos ativos não nos faz mais inteligentes nem competentes

PENSE NO sujeito que, há anos, está socado no seu imóvel rural, longe de tudo e de todos, plantando uma roça de subsistência.
De repente, o governo projeta e constrói uma rodovia de seis faixas passando pela porta do felizardo.
Qual o nome que se dá para esse tipo de sorte: competência? Pense agora num outro sujeito, endividado mas insistente, que vai comprando bilhetes de loteria até o dia em que acerta a quina... Sortudo? Cabra competente?
Agora pense no país que, há duas décadas, vem se arrastando pouco acima do crescimento vegetativo da população, cujos jovens querem emigrar para outros lugares melhores e onde trabalhar paga imposto, mas aplicar em rendas, não, especialmente se o recurso vem do exterior. Imagine, então, que esse país endividado vê seus produtos extrativos se valorizarem da noite para o dia, deixando-lhe saldos crescentes para pagar todas as suas contas, até então penduradas no FMI (Fundo Monetário Internacional), liquidar com credores privados etc. É sorte ou competência?
O Brasil tem tido muita sorte ultimamente. Nesse ambiente, facilmente nos esquecemos da origem da nossa felicidade, passando a atribui-la a algum tipo de premonição genial que nos teria feito posicionar o país na rota da competência absoluta. Humildade e menos prepotência conviria a um povo que -faz 30 anos- perdeu-se na neblina de suas próprias contradições, não havendo, desde então, conseguido reafirmar para si mesmo, menos ainda para os outros, onde deseja chegar e qual o futuro da nação.
Contrariamente, esse sucesso que nos invade pela porta dos fundos da valorização do real é objeto de discreta aversão pelos outros países, especialmente os asiáticos, que insistem em se precaver contra os efeitos devastadores dessa doença, reconhecendo apenas no trabalho, na escolaridade crescente e nas inovações técnicas a origem de uma prosperidade efetiva e sustentável.
A tal ética da valorização súbita dos nossos ativos, que enlouquece de prazer os consumidores e transforma políticos em grandes estadistas da hora, apesar dos óbvios rendimentos políticos e até sociais (por resgatar parte da imensa pobreza), não nos faz mais inteligentes nem competentes. Saímos do terrível neoliberalismo e caímos no perigoso neobobismo.
Nesse novo modelito, ninguém se pergunta, por exemplo, por que diabos os países donde se origina nossa sorte -os asiáticos, em especial- insistem em manter de pé suas produções industriais, com crédito farto, taxa de juros baixíssimas para todos e quase nenhuma tributação, além da melhor infra-estrutura possível e acesso às melhores práticas e tecnologias. Nossos concorrentes mundiais estão mirando estabilidade de preços, sim, mas o alvo final das políticas nacionais são os empregos, milhões e milhões deles, pois a filosofia dos asiáticos não prevê sustentar suas populações com INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ou com Bolsa Família. Com empregos e educação, sim. Esses milhões de empregos são disputados, mundo afora, pelos países que se interessam em fazer suas populações enriquecer gradualmente por meio da acumulação resultante do trabalho e ver suas poupanças transformadas em capitalismo social. Soa parecido conosco? Nem um pouco...
Fantasiados pela prosperidade súbita, em nossos sonhos de retalhos, vestimo-nos para desfilar sob o olhar piedoso de quem agora nos torna por neobobos.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br


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