São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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Novo governo começará com ajuste, diz analista

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O risco-país do Brasil, que atingiu seu índice mais alto desde 1999, não reflete um julgamento sobre a totalidade da economia brasileira. Indica o princípio de incerteza dos investidores, acentuada agora pelas eleições, segundo o economista francês Jérôme Sgard, do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais, de Paris.
Para Sgard, autor do livro "Turbulências e Flutuações na Economia Mundial" (1996), o problema não terminará com o fim das eleições. "O crescimento da dívida se imporá ao novo governo, qualquer que seja o eleito nas eleições. O novo governo terá que começar fazendo uma estabilização macroeconômica", afirmou, em entrevista à Folha.

Folha - Os investidores europeus estão diminuindo sua presença no Brasil?
Jérôme Sgard -
O que vemos é que houve uma saída de capital do país na última semana. Mas será que os europeus e os norte-americanos estão agindo diferentemente em relação ao Brasil? Não creio.

Folha - Por que se está deixando de investir no Brasil?
Sgard -
Por causa da conjuntura política no país, das eleições presidenciais.

Folha - Os investidores têm medo do candidato de esquerda?
Sgard -
Sim. Isso não quer dizer que eles achem que Lula, ao ser eleito, fará bobagens. Mas a incerteza sobre o que será feito e o que ocorrerá durante o período eleitoral os leva a fugir do país. Eles dizem: "Talvez esse senhor [Lula" seja bem-intencionado e esteja sendo bem aconselhado, mas não sabemos, temos medo e preferimos limitar nosso risco". No momento em que alguns investidores começam a sair, acelerando as trocas, outros também passam a achar que é mais racional deixar o país também, e o efeito se amplia.

Folha - O risco-país do Brasil atingiu, na semana passada, o patamar mais elevado desde o início de 1999, época da desvalorização do real. Não é exagerado?
Sgard -
É muito alto, estou de acordo. O índice não reflete um julgamento estrutural, sobre os fundamentos econômicos. Estes melhoraram bastante nos últimos anos, desde 1994. Houve reformas importantes, e o país mostrou que era bem gerido do ponto de vista macroeconômico. Então, o índice não é um julgamento que diz que o país esteja numa situação nigeriana. Ele aponta o princípio de incerteza dos investidores.

Folha - Mas isso não acaba colocando em risco todo o conjunto da economia?
Sgard -
Claro. O problema agora é que o aumento da taxa de risco vai ter consequências no financiamento da dívida, que vai se elevar bastante. Um déficit público pode precipitar ainda mais a saída de capitais. Isso já aconteceu em 1988 e 1989, quando taxas de riscos muito elevadas provocaram um crescimento do déficit orçamentário e uma inchação da dívida pública.

Folha - O país não corre o risco de sofrer um desastre econômico?
Sgard -
Ainda não se chegou lá. Depende de como tudo isso será gerido, se o FMI estará presente, se o Banco Central e o Ministério da Fazenda terão como agir. Espero muito que consigam.

Folha - E se essa instabilidade se prolongar até as eleições?
Sgard -
É um tempo extremamente longo. O problema é que, mesmo se não houver uma crise maior, o crescimento da dívida pública sempre limita fortemente as margens de manobra de não importa qual seja o presidente que venha a ser eleito e que será obrigado a começar fazendo uma estabilização macroeconômica.

Folha - O que o candidato de esquerda deveria fazer para tranquilizar os investidores?
Sgard -
A primeira mensagem a passar é, evidentemente, em relação à dívida, de que não haverá calote nem redução. Depois, que os objetivos de déficit público e inflação serão mantidos.

Folha - A crise brasileira pode levar o país a uma situação como a da Argentina?
Sgard -
Não do mesmo tipo. O que houve na Argentina foi uma crise monetária, antes de tudo. O peso não é uma moeda que possa sobreviver sozinha. É a morte do peso que estamos assistindo agora. O real, por seu lado, funciona bem. O Brasil não tem problemas monetários, mas de finanças públicas e balanço de pagamentos.

Folha - O que está acontecendo com a economia americana?
Sgard -
Esperava-se que os EUA tivessem uma retomada do crescimento, depois dos problemas de 2001. Mas essa retomada não aconteceu. Além disso, há um déficit em conta corrente muito grande. Quer dizer, a possibilidade de um ritmo de crescimento elevado, como em anos anteriores, está limitada agora pelo fato de que o país precisa financiar um déficit mensal entre US$ 30 bilhões e US$ 35 bilhões.

Folha - Quais as consequências dessa estagnação dos EUA para o mundo?
Sgard -
Num primeiro momento, ela não incomodou realmente, na medida em que nos últimos anos o déficit americano e o seu crescimento sustentaram a atividade na Europa e nas regiões emergentes. A questão agora, no entanto, é saber se estamos entrando numa fase em que haverá uma forte correção na base do dólar, cujo resultado será reduzir o déficit norte-americano.

Folha - O que se passará então com a economia européia?
Sgard -
No dia em que houver o ajuste nos EUA, com a queda do dólar, então haverá uma concorrência mais forte das exportações americanas e um menor crescimento. Isso vai provocar ajustes não desprezíveis na economia, em particular na Europa, mas também no Brasil.


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