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Blair e Merkel dizem que Lula decepcionou
Líderes europeus reclamam com presidente brasileiro um dia após fracasso das negociações para liberalizar comércio
Na OMC, em Genebra, a maioria dos diplomatas concorda com países ricos, que dizem que Brasil e Índia abandonaram negociação
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA
Os premiês do Reino Unido,
Tony Blair, e da Alemanha, Angela Merkel, manifestaram ontem sua "decepção" com a posição brasileira na reunião do G4
(Brasil, EUA, Índia e União Européia) que terminou em fiasco
anteontem na Alemanha.
Blair tomou até a iniciativa
de telefonar para o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, falando também em nome de Merkel. Pela versão da conversa obtida pela Folha com fontes brasileiras, Blair fez um apelo a
Lula para ver se era possível
encontrar convergências que
permitam um acordo na Rodada Doha de liberalização comercial, lançada há seis anos
na capital do Qatar e virtualmente paralisada desde então.
A convergência teria que se
dar em torno do que Peter
Mandelson, o comissário europeu do Comércio, chama de
"triângulo": os EUA têm que
reduzir os subsídios a seus
agricultores; a UE tem que cortar substancialmente suas tarifas de importação na área agrícola; Brasil, Índia e demais países em desenvolvimento têm
que reduzir suas tarifas de importação de bens industriais.
O lado brasileiro nega que
Blair tenha falado em decepção, mas foi essa a palavra ("deceive") que o gabinete do premiê britânico transmitiu a
quem, em Genebra, acompanha de perto as negociações.
A resposta de Lula indica que
houve algum tipo de queixa.
Disse que o desequilíbrio nas
ofertas estava nos lados europeu e americano, que pediam
muito mais do Brasil, na área
industrial, do que ofereciam
em agricultura. Mais: Lula deixou claro a Blair que, por mais
boa vontade que tenha, há limites para o que pode fazer em
matéria de abertura industrial.
A decepção, sempre segundo
a versão que chegou a Genebra,
se deve ao fato de que tanto
Merkel como Blair dizem ter
ouvido do próprio Lula garantias de que o Brasil faria, sim,
concessões muito próximas
das demandadas.
Aí, parece haver um claro
mal-entendido. Lula repetiu
muitas vezes que o Brasil estaria pronto a fazer concessões,
na área industrial, desde que
houvesse uma contrapartida
ainda mais gorda em agricultura de europeus e americanos.
A Folha apurou que, num
momento da negociação, a proposta brasileira para resolver o
"triângulo" de Mandelson era:
1 - Os EUA reduziriam seus
subsídios domésticos a US$ 12
bilhões. A proposta oficial é de
US$ 22 bilhões. O dinheiro efetivamente desembolsado em
2006 foi até menos (US$ 11 bilhões). Na reunião do G4, passou a ser de US$ 17 bilhões.
2 - A UE reduziria sua faixa
tarifária mais alta em 75% e teria direito a proteger setores
ditos sensíveis com um corte
em torno de 50%, desde que a
porcentagem de sensíveis não
passasse de 1% das linhas tarifárias. Em Potsdam, a UE ofereceu "mais de 50%".
3 - Nessas condições -e só
nelas- o Brasil cortaria suas
tarifas industriais para perto
do que demandam UE e EUA.
Quanto, exatamente, a Folha
não descobriu. O pedido dos ricos no G4 eqüivalia a um corte
de 58%, inaceitável ao Brasil.
O problema que se criou para
a diplomacia brasileira a partir
do fiasco de Potsdam é que está
perdendo a batalha propagandística. O chanceler Celso
Amorim e Susan Schwab, a negociadora-chefe dos EUA, correram da Alemanha para Genebra na própria quinta-feira do
fiasco, para falar de novo aos
jornalistas, numa cidade que
congrega grande número de
correspondentes estrangeiros,
por ser sede de organismos internacionais, entre eles a Organização Mundial do Comércio.
Amorim e Schwab apenas repetiram o que haviam dito em
Potsdam, com menos pólvora.
Mas a versão que colou mais
entre os diplomatas no casarão
da OMC às margens do lago Leman é a de que Brasil e Índia
abandonaram a negociação do
G4 porque não querem fazer
concessões na área industrial.
O representante da Costa Rica, por exemplo, disse que há
países em desenvolvimento
que querem, sim, muita ambição na abertura da indústria.
Nos corredores, o México dizia
a mesma coisa, para ficar só
nos latino-americanos. Só Cuba reproduziu a versão brasileira, ao culpar os ricos pelo
fracasso em Potsdam.
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