São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Blair e Merkel dizem que Lula decepcionou

Líderes europeus reclamam com presidente brasileiro um dia após fracasso das negociações para liberalizar comércio

Na OMC, em Genebra, a maioria dos diplomatas concorda com países ricos, que dizem que Brasil e Índia abandonaram negociação


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

Os premiês do Reino Unido, Tony Blair, e da Alemanha, Angela Merkel, manifestaram ontem sua "decepção" com a posição brasileira na reunião do G4 (Brasil, EUA, Índia e União Européia) que terminou em fiasco anteontem na Alemanha.
Blair tomou até a iniciativa de telefonar para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, falando também em nome de Merkel. Pela versão da conversa obtida pela Folha com fontes brasileiras, Blair fez um apelo a Lula para ver se era possível encontrar convergências que permitam um acordo na Rodada Doha de liberalização comercial, lançada há seis anos na capital do Qatar e virtualmente paralisada desde então.
A convergência teria que se dar em torno do que Peter Mandelson, o comissário europeu do Comércio, chama de "triângulo": os EUA têm que reduzir os subsídios a seus agricultores; a UE tem que cortar substancialmente suas tarifas de importação na área agrícola; Brasil, Índia e demais países em desenvolvimento têm que reduzir suas tarifas de importação de bens industriais.
O lado brasileiro nega que Blair tenha falado em decepção, mas foi essa a palavra ("deceive") que o gabinete do premiê britânico transmitiu a quem, em Genebra, acompanha de perto as negociações.
A resposta de Lula indica que houve algum tipo de queixa. Disse que o desequilíbrio nas ofertas estava nos lados europeu e americano, que pediam muito mais do Brasil, na área industrial, do que ofereciam em agricultura. Mais: Lula deixou claro a Blair que, por mais boa vontade que tenha, há limites para o que pode fazer em matéria de abertura industrial.
A decepção, sempre segundo a versão que chegou a Genebra, se deve ao fato de que tanto Merkel como Blair dizem ter ouvido do próprio Lula garantias de que o Brasil faria, sim, concessões muito próximas das demandadas.
Aí, parece haver um claro mal-entendido. Lula repetiu muitas vezes que o Brasil estaria pronto a fazer concessões, na área industrial, desde que houvesse uma contrapartida ainda mais gorda em agricultura de europeus e americanos.
A Folha apurou que, num momento da negociação, a proposta brasileira para resolver o "triângulo" de Mandelson era:
1 - Os EUA reduziriam seus subsídios domésticos a US$ 12 bilhões. A proposta oficial é de US$ 22 bilhões. O dinheiro efetivamente desembolsado em 2006 foi até menos (US$ 11 bilhões). Na reunião do G4, passou a ser de US$ 17 bilhões.
2 - A UE reduziria sua faixa tarifária mais alta em 75% e teria direito a proteger setores ditos sensíveis com um corte em torno de 50%, desde que a porcentagem de sensíveis não passasse de 1% das linhas tarifárias. Em Potsdam, a UE ofereceu "mais de 50%".
3 - Nessas condições -e só nelas- o Brasil cortaria suas tarifas industriais para perto do que demandam UE e EUA. Quanto, exatamente, a Folha não descobriu. O pedido dos ricos no G4 eqüivalia a um corte de 58%, inaceitável ao Brasil.
O problema que se criou para a diplomacia brasileira a partir do fiasco de Potsdam é que está perdendo a batalha propagandística. O chanceler Celso Amorim e Susan Schwab, a negociadora-chefe dos EUA, correram da Alemanha para Genebra na própria quinta-feira do fiasco, para falar de novo aos jornalistas, numa cidade que congrega grande número de correspondentes estrangeiros, por ser sede de organismos internacionais, entre eles a Organização Mundial do Comércio.
Amorim e Schwab apenas repetiram o que haviam dito em Potsdam, com menos pólvora.
Mas a versão que colou mais entre os diplomatas no casarão da OMC às margens do lago Leman é a de que Brasil e Índia abandonaram a negociação do G4 porque não querem fazer concessões na área industrial.
O representante da Costa Rica, por exemplo, disse que há países em desenvolvimento que querem, sim, muita ambição na abertura da indústria. Nos corredores, o México dizia a mesma coisa, para ficar só nos latino-americanos. Só Cuba reproduziu a versão brasileira, ao culpar os ricos pelo fracasso em Potsdam.


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