São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Ação de Lula fracassa e deixa pouca opção

Presidente brasileiro fez grande esforço para destravar a Rodada Doha e chegou a dizer que faltava pouco para acordo

Possibilidade de acordos bilaterais em vez de acerto global na OMC também é reduzida devido a posições de EUA e União Européia

Michael Urban - 19.jun.07/France Presse
Manifestantes protestam contra o encontro da OMC vestidos de fogo, ar, terra e água


DO ENVIADO ESPECIAL A GENEBRA

O paradoxal -e contraditório- nas críticas que se fazem ao governo brasileiro, ao apontá-lo como responsável pelo malogro do G4 e, por extensão, pelo estado comatoso da Rodada Doha, é que nenhum outro presidente fez tanto esforço e falou tanto sobre a necessidade de concluir a rodada como Luiz Inácio Lula da Silva.
Ainda na semana passada, logo após a reunião do G8 (oitos países mais industrializados) na Alemanha, Lula disse aos jornalistas que eles se surpreenderiam ao ver como o acordo seria fechado muito antes do que se previa.
Pode-se, portanto, criticar Lula por propaganda enganosa mas não por bloquear um acordo global.
Cansou-se de telefonar para os líderes dos grandes países (George W. Bush, Tony Blair, Angela Merkel), cansou-se de propor, aliás inutilmente, uma reunião de cúpula para dar o "impulso político" à negociações que, na área técnica, está emperradas a rigor desde o lançamento, há seis anos.
Um empenho, aliás, muito lógico: o eixo da negociação é abrir o mercado agrícola dos países ricos. O Brasil é uma potência no agronegócio, mundialmente reconhecido. Seria, portanto, o primeiro e maior beneficiário da queda de barreiras agrícolas no mundo rico.
É o único setor, de resto, que pode aumentar imediatamente suas exportações, mesmo que não houvesse o "boom" de commodities.
O problema para a diplomacia brasileira não é que tenha boicotado Doha de uma hora para outra. É que, se Doha fracassar, a diplomacia comercial não tem muito para onde ir.
Pode tentar acordos bilaterais, mas os únicos que fazem real sentido econômico seriam com os Estados Unidos e a União Européia.
Com os EUA, os entendimentos em torno da Alca pararam em fevereiro de 2007, com a promessa de se convocar nova reunião em três semanas. Passaram-se três anos, e não há o menor sinal de que possam recomeçar.
Com a Europa, a sua comissária de Agricultura já cortou qualquer esperança, ao dizer que, em negociações bilaterais, ninguém vai obter mais concessões do que os europeus ofereceram em Potsdam (e que o Brasil achou muito pouco).
Resta ao Brasil manter ou reforçar a política de aproximação Sul/Sul, tão criticada pelo empresariado, que quer os mercados do mundo rico.
O problema é que, além das dificuldades na negociação com os Estados Unidos, o ambiente tenso criado com o fiasco de Potsdam e a troca de acusações levam os americanos a acenar com radicalização.
Ontem, em sua entrevista coletiva em Genebra, Susan Schwab, a negociadora-chefe dos EUA, disse que era possível que os senadores americanos retomassem uma proposta surgida quando do fracasso anterior do G4 no sentido de retirar as preferências comerciais de que Brasil (e Índia) gozam naquele mercado.
Pode não passar de uma resposta de circunstância, mas é importante lembrar que o projeto preferido de Lula é o que ele chama de "revolução no mundo" representada pela transformação do álcool em combustível de largo uso. Para isso, depende da concretização da parceria desenhada quando da viagem de Bush ao Brasil.
Agora que a lua-de-mel azedou, o Brasil acaba condenado a olhar mesmo para o Sul. É sintomático que a primeira pergunta de Lula quando o chanceler Celso Amorim lhe avisou do fracasso de Potsdam foi sobre o G20, exatamente o grupo de países em desenvolvimento que luta para abrir o mercado agrícola do mundo rico.
Por gosto ou necessidade, podem se tornar parceiros preferenciais. (CLÓVIS ROSSI)


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