São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O risco do vale-tudo eleitoral

BENJAMIN STEINBRUCH

Já esquecemos a Copa do Mundo e estamos em plena campanha eleitoral para a Presidência. Em menos de um mês, vai começar a propaganda gratuita dos partidos na televisão. Antes disso, seria interessante que os candidatos refletissem sobre o que pretendem colocar no ar no horário gratuito e dizer em suas entrevistas nos palanques eletrônicos.
É triste observar que, em campanhas passadas, imperou a lei do vale-tudo. Não quero citar exemplos. Mas todos sabemos que questões familiares costumam ser levadas a público, numa exposição desnecessária e maldosa de problemas pessoais que em nada contribuem para a tomada de decisão do eleitor. Denúncias não comprovadas são tranquilamente divulgadas como se fossem fatos consumados. Mesmo que sejam posteriormente desmentidas, seus efeitos eleitorais não podem mais ser apagados.
A lei do vale-tudo é uma das duas pragas de nossas campanhas, ainda que a Justiça Eleitoral tenha conseguido dar uma certa agilidade ao direito de resposta de candidatos ofendidos.
A imprensa também escorrega frequentemente. Em nome da independência e da neutralidade, muitas vezes atira para todos os lados e atinge a vida privada do candidato.
A campanha ideal seria aquela em que todos os personagens tivessem um comportamento ético, com imprensa e candidatos concentrando atenções em programas e propostas de governo.
A segunda praga de nossas campanhas é o financiamento. Segundo a maioria dos analistas, seria mais adequado que os partidos tivessem financiamento público para realizar suas campanhas. Recursos do Orçamento ou de algum fundo constituído por doações seriam distribuídos de forma razoavelmente igualitária -apenas parcialmente dividido em razão da representação partidária- para todos os partidos e candidatos registrados na Justiça Eleitoral.
Infelizmente, não temos ainda uma lei para regular esse financiamento público. Está em vigor o financiamento privado, que traz uma série de deturpações e influências pouco democráticas ao processo eleitoral.
Não há limites para gastos a não ser os declarados pelos próprios partidos. Fernando Henrique Cardoso gastou oficialmente, em 1998, US$ 41 milhões, apenas US$ 2 milhões a menos do que Bill Clinton em 1993. Neste ano, os quatro principais candidatos pretendem gastar R$ 146 milhões.
Empresas podem doar até 2% de seu faturamento anual. Pessoas físicas, até 10% de sua renda bruta. A lei é detalhista e severa, mas a fiscalização, falha. Por isso, alguns candidatos gastam muito mais do que declaram à Justiça Eleitoral e utilizam largamente uma contabilidade paralela, alimentados por recursos provenientes de caixa dois das empresas. Terminada a eleição, têm 30 dias para a prestação de contas, prazo nem sempre cumprido.
Um levantamento feito pela Transparência Brasil mostrou que, em junho de 2001, muitos Tribunais Regionais Eleitorais não haviam ainda recebido a prestação de contas de todos os candidatos das eleições municipais de outubro de 2000. Contas de campanha, portanto, ficam abertas a novas doações paralelas colhidas por candidatos já eleitos e empossados.
Enquanto não muda a legislação sobre financiamento, seria útil que pelo menos alguma norma da Justiça Eleitoral determinasse a divulgação dos nomes dos doadores durante o próprio período de campanha eleitoral. Nada impede que os partidos sejam obrigados a relacionar os doadores e as quantias em seus sites na internet à medida que os recursos forem sendo arrecadados. Como não há financiamento público, o eleitor tem o direito de saber quem apóia seu candidato antes de votar.
Sartre dizia que fazer política é sujar as mãos. Talvez ele tenha razão, mas não se pode aceitar que candidatos e partidos adotem o vale-tudo para chegar ao poder nem em matéria de baixaria contra seus adversários nem em matéria de financiamento de campanha.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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