São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

FHC e a questão da dívida pública

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Durante entrevista à revista "Primeira Leitura", o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que a questão da dívida pública interna -e os elevados juros pagos pelo governo- precisa ser enfrentada para que o Brasil volte a crescer de forma sustentada. A repercussão de suas palavras foi imediata, principalmente nos setores ligados ao sistema financeiro. Os mais afobados viram nas palavras do presidente um namoro com a antiga tese do PT de moratória da dívida.
Já os que conhecem o ex-presidente entenderam corretamente sua mensagem à opinião pública: a questão da dívida interna e dos elevados juros pagos precisa ser debatida de forma racional e sem tabus, antes que alguém recoloque essa questão em termos demagógicos e populistas. Ele está usando sua credibilidade, construída durante anos de enfrentamento da irresponsabilidade fiscal que foi a marca do país durante décadas, para iniciar um debate que já deveria ter ocorrido havia alguns anos. Que outra personalidade de nossa cena política poderia assumir esse papel?
Uma boa mostra da credibilidade de FHC e do acerto de sua decisão de trazer essa questão para o debate está na reação do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, à sua entrevista. Não teve coragem de criticar o presidente e voltou-se contra este que vos escreve como se fosse ele o autor de uma proposta de renegociação da dívida. Usando uma prática conhecida, resolveu agredir o mensageiro, e não o autor da mensagem.
Aproveito este momento criado pela entrevista de FHC para iniciar uma reflexão sobre a dívida interna e sua relação com a questão do crescimento econômico. Embora a dimensão da dívida pública no Brasil -cerca de 60% do PIB- não seja exagerada, o custo de seu serviço é desproporcionalmente elevado. A carga de juros nos orçamentos públicos está assumindo dimensões inaceitáveis do ponto de vista da sociedade. Ano a ano a dimensão dos juros pagos, em relação aos chamados gastos sociais, cresce de maneira significativa.
Por outro lado, a necessidade de garantir a solvência da dívida pública obriga o governo a realizar superávits primários de grandes proporções. Como não há condições políticas para atuar do lado das despesas e dos gastos sociais, resta a saída do aumento dos impostos e das contribuições sociais. Com uma carga fiscal da ordem de 40%, na sua maioria impostos indiretos, fica muito difícil manter o crescimento sustentado da economia.
O que o presidente Fernando Henrique percebeu, do alto de sua sensibilidade política, é que esse processo está chegando ao limite. Da mesma forma como foi o primeiro político a sentir que a sociedade brasileira estava farta da inflação, ele agora nos adverte de que podemos estar nos aproximando de outro momento de ruptura. Não cabe a ele produzir propostas de como enfrentar esse problema. Essa tarefa deve ser assumida pelos que conhecem o funcionamento de nosso mercado financeiro e podem identificar as causas que levam um país com uma relação dívida/PIB relativamente baixa a ter esse problema com a carga de juros.
Em outras palavras, devemos responder por que temos juros reais tão elevados, apesar de um sistema financeiro sólido, de uma organização institucional moderna e de um quadro fiscal relativamente sólido. Que mudanças precisam ser implementadas, na gestão da dívida pública e da política monetária, para reduzir os gastos com juros sem que se perca a eficácia da política monetária na busca da estabilidade de preços?
O sistema financeiro brasileiro tem uma característica única quando comparado com economias semelhantes: a taxa de juros de um dia remunera o investidor com um ganho real da ordem de 10% ao ano. Essa taxa, formada por ação do Banco Central no mercado monetário, é definida no âmbito do Copom. Três conseqüências principais derivam desse fato: primeiro, não há incentivo para que os investidores alonguem suas aplicações; em segundo lugar, o governo remunera com juros reais elevados a parcela de moeda de transação que deveria servir para arrecadar o imposto inflacionário, como ocorre nas outras economias.
Finalmente, um aumento dos juros reais para acomodar a ocorrência de algum choque na economia é transmitido quase que imediatamente para a totalidade da dívida pública, impactando a conta de juros pagos pelo governo. Como corrigir essas distorções que herdamos de nosso passado inflacionário é o ponto central de nossa tarefa.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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