|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
FHC e a questão da dívida pública
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Durante entrevista à revista
"Primeira Leitura", o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso afirmou que a questão
da dívida pública interna -e os
elevados juros pagos pelo governo- precisa ser enfrentada para
que o Brasil volte a crescer de forma sustentada. A repercussão de
suas palavras foi imediata, principalmente nos setores ligados ao
sistema financeiro. Os mais afobados viram nas palavras do presidente um namoro com a antiga
tese do PT de moratória da dívida.
Já os que conhecem o ex-presidente entenderam corretamente
sua mensagem à opinião pública:
a questão da dívida interna e dos
elevados juros pagos precisa ser
debatida de forma racional e sem
tabus, antes que alguém recoloque essa questão em termos demagógicos e populistas. Ele está
usando sua credibilidade, construída durante anos de enfrentamento da irresponsabilidade fiscal que foi a marca do país durante décadas, para iniciar um
debate que já deveria ter ocorrido
havia alguns anos. Que outra personalidade de nossa cena política
poderia assumir esse papel?
Uma boa mostra da credibilidade de FHC e do acerto de sua
decisão de trazer essa questão para o debate está na reação do secretário do Tesouro Nacional,
Joaquim Levy, à sua entrevista.
Não teve coragem de criticar o
presidente e voltou-se contra este
que vos escreve como se fosse ele o
autor de uma proposta de renegociação da dívida. Usando uma
prática conhecida, resolveu agredir o mensageiro, e não o autor
da mensagem.
Aproveito este momento criado
pela entrevista de FHC para iniciar uma reflexão sobre a dívida
interna e sua relação com a questão do crescimento econômico.
Embora a dimensão da dívida
pública no Brasil -cerca de 60%
do PIB- não seja exagerada, o
custo de seu serviço é desproporcionalmente elevado. A carga de
juros nos orçamentos públicos está assumindo dimensões inaceitáveis do ponto de vista da sociedade. Ano a ano a dimensão dos
juros pagos, em relação aos chamados gastos sociais, cresce de
maneira significativa.
Por outro lado, a necessidade de
garantir a solvência da dívida pública obriga o governo a realizar
superávits primários de grandes
proporções. Como não há condições políticas para atuar do lado
das despesas e dos gastos sociais,
resta a saída do aumento dos impostos e das contribuições sociais.
Com uma carga fiscal da ordem
de 40%, na sua maioria impostos
indiretos, fica muito difícil manter o crescimento sustentado da
economia.
O que o presidente Fernando
Henrique percebeu, do alto de sua
sensibilidade política, é que esse
processo está chegando ao limite.
Da mesma forma como foi o primeiro político a sentir que a sociedade brasileira estava farta da inflação, ele agora nos adverte de
que podemos estar nos aproximando de outro momento de
ruptura. Não cabe a ele produzir
propostas de como enfrentar esse
problema. Essa tarefa deve ser assumida pelos que conhecem o
funcionamento de nosso mercado
financeiro e podem identificar as
causas que levam um país com
uma relação dívida/PIB relativamente baixa a ter esse problema
com a carga de juros.
Em outras palavras, devemos
responder por que temos juros
reais tão elevados, apesar de um
sistema financeiro sólido, de uma
organização institucional moderna e de um quadro fiscal relativamente sólido. Que mudanças precisam ser implementadas, na gestão da dívida pública e da política
monetária, para reduzir os gastos
com juros sem que se perca a eficácia da política monetária na
busca da estabilidade de preços?
O sistema financeiro brasileiro
tem uma característica única
quando comparado com economias semelhantes: a taxa de juros
de um dia remunera o investidor
com um ganho real da ordem de
10% ao ano. Essa taxa, formada
por ação do Banco Central no
mercado monetário, é definida
no âmbito do Copom. Três conseqüências principais derivam desse fato: primeiro, não há incentivo para que os investidores alonguem suas aplicações; em segundo lugar, o governo remunera
com juros reais elevados a parcela
de moeda de transação que deveria servir para arrecadar o imposto inflacionário, como ocorre nas
outras economias.
Finalmente, um aumento dos
juros reais para acomodar a ocorrência de algum choque na economia é transmitido quase que
imediatamente para a totalidade
da dívida pública, impactando a
conta de juros pagos pelo governo. Como corrigir essas distorções
que herdamos de nosso passado
inflacionário é o ponto central de
nossa tarefa.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
Texto Anterior: Retomada: Indústria espera faturar e contratar mais, aponta CNI Próximo Texto: Luís Nassif: O último vôo da garça Índice
|