|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O último vôo da garça
Tentou-se montar uma
política de financiamento
à pesquisa, o superávit primário não deixou. Quando se tentou revitalizar a marinha mercante, o superávit primário
impediu. O dinheiro das estradas o superávit primário consumiu. O crédito interno o superávit primário absorveu. As
despesas com saúde o superávit primário comeu.
Quando se pensa em qualquer política pró-ativa, Lula se
vira para o interlocutor e resmunga: "Mexe com o superávit primário?". Se mexer, não
sai.
Nas últimas semanas, procurei fazer um pequeno inventário dos avanços que o país real
conquistou nos últimos anos,
apesar do pensamento cabeça
de planilha. Transformar o potencial em real demanda romper com o nó górdio da dívida.
Conforme descrevi na semana passada, há um ponto em
comum entre a estagnação da
Monarquia, a falta de rumo da
Velha República e o rentismo
da Nova República (entendido
o período que se prolonga da
redemocratização até o final
do governo Lula). Trata-se do
monopólio do crédito.
Cria-se o ambiente propício
para que grupos internos se associem à banca internacional,
captem a taxas baratas para
aplicar, internamente, a taxas
caras. Não se trata do movimento virtuoso de aplicar em
atividades produtivas, mas de
meramente arbitrar taxas.
O monopólio do crédito é
transferido para a banca internacional. Ganha quem tem
acesso ao crédito externo; paga
a conta quem fica restrito à
moeda interna, pelas taxas de
juros pagas, pelos impostos cobrados e pelas despesas públicas cortadas. A transferência
da riqueza se dá por meio desse mecanismo perverso de internacionalizar as aplicações
na dívida pública e rolá-la a
taxas exorbitantes.
Pais desse modelo, os cabeças
de planilha são tão antigos
quanto o diabo. Aliados dos escravagistas, flanaram pela
monarquia impedindo o Barão de Mauá de espalhar crédito barato pelo país. Depois
transformaram os cafeicultores em rentistas, ensinando
Campos Salles a destruir as políticas públicas para preservar
os créditos em libra. Quebraram o país do Cruzado, quebraram o país do Real. Mas
cumpriram sua missão de
enriquecer os rentistas e desmoralizar princípios de trabalho, produção, projeto de país e
solidariedade nacional.
A vantagem é que esses processos não têm como se perpetuar. Encerram-se em si próprios, quando a dívida pública
assume uma dinâmica própria
e se torna não-financiável. Aí
se dá a ruptura, que pode ser
por meio de três caminhos: crise social e política, superinflação ou tentativa de saída organizada da armadilha da dívida.
Para a última alternativa, há
as seguintes etapas:
1) tomada de consciência sobre o esgotamento do modelo
rentista;
2) montagem de um projeto
alternativo que permita unir o
país em torno das novas idéias;
3) articulação de um pacto
político capaz de dar sustentabilidade ao novo modelo;
4) montagem da engenharia
financeira capaz de refinanciar a dívida sem comprometer
o desenvolvimento;
5) coragem política para o tiro de largada.
No momento, o governo Lula
e o país estão começando a sair
da primeira etapa. Sobre as demais, falamos outro dia.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Opinião econômica: FHC e a questão da dívida pública Próximo Texto: Administração: Conselho do BNDES terá mais membros Índice
|