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OPINIÃO ECONÔMICA
Finanças públicas estaduais
FELIPE OHANA
A conscientização nacional sobre a importância da austeridade fiscal foi lenta e, por isso, custou-nos caro, tanto por fomentar a inflação como por minar a confiança na economia brasileira. Resultados disso são o baixo crescimento econômico, maior desemprego e mais pobreza. Esse reconhecimento deu origem à emenda constitucional nº 19/98 e à Lei de Responsabilidade Fiscal (lei complementar nº 101/ 2000).
O novo espírito de austeridade,
contudo, não elidiu a cultura da
vinculação de receitas, que retira
graus de liberdade da administração das finanças públicas, ao
implicar despesas obrigatórias.
Em um Estado típico, para cada
R$ 100 de receita, R$ 25 são transferidos aos municípios, R$ 18,75
são gastos obrigatoriamente com
educação, R$ 9 obrigatoriamente
com saúde, cerca de R$ 15,75 com
aposentados e, para quase todos,
R$ 9,75 com o serviço da dívida.
Ao final, dos R$ 100, somente R$
21,75 ficam com os governos estaduais para a execução da política.
Ao lado do reduzido poder de
manobra das finanças estaduais,
a LRF diz que, para os Estados
que tenham caído em pecado fiscal, o excesso de gasto com pessoal
deve ser corrigido em oito meses e
o de dívida, em nove meses. Entre
as penas encontram-se a proibição de novos empréstimos e a suspensão de transferências voluntárias. Ou seja, uma vez em pecado,
as chances de continuar pecador
aumentam muito. Para não haver dúvida a respeito da severidade do legislador, o artigo 35 da
LRF proíbe qualquer renegociação de contratos de dívida.
Uma das críticas mais contundentes que se faz ao FMI, no âmbito internacional, é que, antes de
salvar um país que se afoga, exige
que ele mergulhe mais dez metros. Não raro, com água nos pulmões, não vem à tona. O FMI tem
suavizado sua abordagem; o mesmo cabe às regras brasileiras que
regem os procedimentos de reequilíbrio fiscal.
Naturalmente, ao princípio da
austeridade não cabe crítica.
Contudo, a solução estabelecida,
para os desvios, não se mostra
temporalmente consistente, a não
ser para montantes muito reduzidos. Estão envolvidas questões
que vão desde a prestação de serviços públicos, cuja administração no curto prazo não é trivial
(como as de polícia, Justiça, saneamento etc.), até processos legais relativos à estabilidade dos
servidores públicos (nada obstante o parágrafo 4º do artigo 21 da
EC nº 19), sem desprezar a necessidade de recursos para reestruturar e modernizar a administração pública, implementar um
PDV, retreinar servidores etc.
Na prática, ao novo governo federal caberia implantar um programa de reestruturação do ajuste fiscal de alguns Estados, além
de novos prazos para as penas,
previstas na LRF, e de suspensão
temporária das vinculações.
O programa de reestruturação
pode vir a ter várias formas, mas,
essencialmente, consistiria em
transferir para os Estados um percentual do pagamento feito a título de serviço da dívida, condicionado a metas fiscais trimestrais, acoplado a uma engenharia
financeira (taxa de juros, por
exemplo) que permitisse à União
recuperar, no longo prazo, as
transferências feitas sob a égide
do programa. Tudo isso, naturalmente, sem prejuízo do resultado
fiscal agregado.
As críticas a essa iniciativa podem ser antecipadas. Primeiro,
há o risco moral, ou seja, um incentivo para que os bem-comportados se tornem faltosos. Para isso, os termos do programa devem
ser adequados (taxa de juros do
novo contrato, comprometimento
da receita, prazos e exigências fiscais). Segundo, a isonomia, vale
dizer, os Estados bem-comportados irão demandar compensações. Essa é uma questão política,
com fundamentos jurídicos, que
deve ser trabalhada sob o princípio de que é legítimo melhorar a
condição de um Estado desde que
não se piore a de nenhum outro.
Terceiro, a União perde receita e,
portanto, seu esforço fiscal aumenta. Nesse ponto, não se pode
esquecer que a capacidade de um
Estado cumprir com suas obrigações depende do superávit primário que pratica. Quando o resultado primário é insuficiente, o Estado é inadimplente por definição.
Isso nos remete a um paradoxo: a
União perde o que não tem.
Por fim, um programa dessa
natureza pode ser visto como um
recuo e uma brecha para o populismo. Com essa preocupação, cabe lembrar que renegociações legítimas são feitas todos os dias,
em todos os segmentos econômicos e que, portanto, é possível avaliar se essa renegociação é justificável. De fato, o que não se justifica é ignorar a inadequação das
normas, simplesmente por receio
de se vir a ferir princípios inquestionáveis. Uma atitude que se poderia identificar como uma "Santa Inquisição fiscal".
Felipe Ohana é economista e professor da Fundação Getúlio Vargas em Brasília.
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