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OPINIÃO ECONÔMICA
Por uma reforma tributária minimalista
GESNER OLIVEIRA
Falta o fio condutor do desenvolvimento às propostas
de reforma do governo. Isso é particularmente verdadeiro no caso
da proposta de mudança do sistema tributário.
O parecer do relator da reforma
tributária, Virgílio Guimarães
(PT-MG), adjetiva bem o sistema
brasileiro. Segundo o voto do relator, a "tributação brasileira é
iníqua, irracional, regressiva, cara, burocrática, paquidérmica".
A lista de defeitos é extensa, mas
não exaustiva.
No entanto, naquilo que é substantivo, a proposta do governo e,
em particular, o parecer do relator não atacam os principais problemas do sistema tributário nacional e, em alguns casos, até
agravam as distorções existentes.
Em primeiro lugar, a proposta
tem um viés de aumento da carga
tributária. Na reformulação do
ICMS, por exemplo, veda novas
isenções e ao mesmo tempo equaliza as alíquotas da cesta básica
ao nível interestadual, superior
ao percentual vigente em vários
Estados.
Talvez um dos poucos fatos indiscutíveis na matéria é que a
carga tributária brasileira é excessiva. O Brasil taxa 36% do PIB,
contra 18,3% do México, 15,3%
da Argentina, países de renda e
desenvolvimento comparáveis.
Japão e EUA têm percentuais inferiores aos do Brasil, de 29,7% e
28,9%, respectivamente.
Embora as evidências estatísticas não demonstrem uma relação
simples e direta entre carga tributária e crescimento econômico,
não é razoável imaginar que um
país como o Brasil possa retomar
a expansão sem interromper o
aumento do peso dos impostos
que ocorreu nos últimos anos. A
carga tributária passou de 22%
em 1988 para os 36% citados antes em um período inferior a 15
anos!
Em segundo lugar, a proposta
mantém distorções sérias, como a
cumulatividade. Servem como
exemplo a perenização da CPMF
e o ataque brando à Cofins. Em
relação a esse último ponto, a
proposta apenas prevê que uma
lei "definirá os setores de atividade econômica para os quais [...]
será não-cumulativa".
A proposta também não ataca
as origens da regressividade do
sistema tributário. Além disso, o
torna mais complicado, elevando
os custos de transação e discriminando contra as pequenas e médias empresas. Em terceiro lugar,
acentua distorções preexistentes.
É o caso, por exemplo, da prorrogação dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus até 2023.
Da forma como esta concebida,
a reforma tributária apenas gera
aquilo que se costuma chamar de
evento de oportunidade. Ao suscitar todo tipo de debate, sem uma
prioridade clara e bem definida,
termina por organizar um conjunto amplo de setores que pressionam por uma maior fatia do
bolo de tributos.
Há um conjunto de pleitos tributários que estão dormentes em
qualquer sistema econômico.
Quando se fala em reforma sem o
devido cuidado e foco, eles surgem com grande intensidade, e a
conta quase sempre é paga pelo
contribuinte, com perda de eficiência e bem-estar.
Em se tratando de uma Federação com razoável grau de autonomia dos governos subnacionais,
um sistema político fragmentado
e uma conjuntura de contração
da renda e arrecadação, a probabilidade de o Congresso aprovar
algo pior do aquilo que já existe
não é pequena.
Diante desse quadro, seria preferível que o governo se concentrasse naquilo que é urgente no
curto prazo a fim de assegurar o
essencial para a manutenção das
metas fiscais, organizando as mudanças estruturais em um cronograma planejado, sem os atropelos que marcaram as discussões
na Câmara nesta semana.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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