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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Por uma reforma tributária minimalista

GESNER OLIVEIRA

Falta o fio condutor do desenvolvimento às propostas de reforma do governo. Isso é particularmente verdadeiro no caso da proposta de mudança do sistema tributário.
O parecer do relator da reforma tributária, Virgílio Guimarães (PT-MG), adjetiva bem o sistema brasileiro. Segundo o voto do relator, a "tributação brasileira é iníqua, irracional, regressiva, cara, burocrática, paquidérmica". A lista de defeitos é extensa, mas não exaustiva.
No entanto, naquilo que é substantivo, a proposta do governo e, em particular, o parecer do relator não atacam os principais problemas do sistema tributário nacional e, em alguns casos, até agravam as distorções existentes.
Em primeiro lugar, a proposta tem um viés de aumento da carga tributária. Na reformulação do ICMS, por exemplo, veda novas isenções e ao mesmo tempo equaliza as alíquotas da cesta básica ao nível interestadual, superior ao percentual vigente em vários Estados.
Talvez um dos poucos fatos indiscutíveis na matéria é que a carga tributária brasileira é excessiva. O Brasil taxa 36% do PIB, contra 18,3% do México, 15,3% da Argentina, países de renda e desenvolvimento comparáveis. Japão e EUA têm percentuais inferiores aos do Brasil, de 29,7% e 28,9%, respectivamente.
Embora as evidências estatísticas não demonstrem uma relação simples e direta entre carga tributária e crescimento econômico, não é razoável imaginar que um país como o Brasil possa retomar a expansão sem interromper o aumento do peso dos impostos que ocorreu nos últimos anos. A carga tributária passou de 22% em 1988 para os 36% citados antes em um período inferior a 15 anos!
Em segundo lugar, a proposta mantém distorções sérias, como a cumulatividade. Servem como exemplo a perenização da CPMF e o ataque brando à Cofins. Em relação a esse último ponto, a proposta apenas prevê que uma lei "definirá os setores de atividade econômica para os quais [...] será não-cumulativa".
A proposta também não ataca as origens da regressividade do sistema tributário. Além disso, o torna mais complicado, elevando os custos de transação e discriminando contra as pequenas e médias empresas. Em terceiro lugar, acentua distorções preexistentes. É o caso, por exemplo, da prorrogação dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus até 2023.
Da forma como esta concebida, a reforma tributária apenas gera aquilo que se costuma chamar de evento de oportunidade. Ao suscitar todo tipo de debate, sem uma prioridade clara e bem definida, termina por organizar um conjunto amplo de setores que pressionam por uma maior fatia do bolo de tributos.
Há um conjunto de pleitos tributários que estão dormentes em qualquer sistema econômico. Quando se fala em reforma sem o devido cuidado e foco, eles surgem com grande intensidade, e a conta quase sempre é paga pelo contribuinte, com perda de eficiência e bem-estar.
Em se tratando de uma Federação com razoável grau de autonomia dos governos subnacionais, um sistema político fragmentado e uma conjuntura de contração da renda e arrecadação, a probabilidade de o Congresso aprovar algo pior do aquilo que já existe não é pequena.
Diante desse quadro, seria preferível que o governo se concentrasse naquilo que é urgente no curto prazo a fim de assegurar o essencial para a manutenção das metas fiscais, organizando as mudanças estruturais em um cronograma planejado, sem os atropelos que marcaram as discussões na Câmara nesta semana.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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