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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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APOSTA PETISTA

Para obter superávit, governo segura R$ 500 milhões que deveriam ser repassados para projetos sociais

Ajuste fiscal retém até dinheiro da loteria

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A cada R$ 1 arrecadado pelas loterias federais, mais de R$ 0,35 deveria financiar projetos nas áreas de educação e cultura e no combate à violência. Seria uma bolada: nos primeiros dez meses do ano, os apostadores deixaram nos guichês das lotéricas quase R$ 2,8 bilhões, informa a Caixa Econômica Federal.
Desse total, a Caixa repassou ao Tesouro Nacional pouco mais de R$ 1 bilhão, sem contar o Imposto de Renda. E chegaram ao destino final até a primeira semana de novembro R$ 471 milhões, o equivalente a R$ 0,17 de cada R$ 1 dos apostadores. A diferença -mais de R$ 500 milhões- ajudou o governo a fazer superávit primário, a economia de gastos que indica a capacidade do governo de pagar a dívida pública.
Como resultado, faltou dinheiro para a implantação do sistema de informações penitenciárias, o reaparelhamento de prisões, a modernização de bibliotecas públicas, a preservação do patrimônio histórico, a construção de quadras em escolas e o financiamento a universitários.
Dados do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) mostram que os valores pagos pelo Fundo Penitenciário Nacional até o último dia 7 correspondem a 25% da previsão de gastos com o dinheiro das loterias no ano.
O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior dispôs de 37%. O Fundo Nacional de Cultura teve o pior desempenho: menos de 15% do que o Orçamento de 2003 lhe reserva por conta das apostas.
Esses fundos têm, nas leis que os criaram, a garantia de receber uma parcela do que os apostadores arriscam nas loterias federais. O dinheiro, teoricamente, não poderia ser usado em outra coisa. A Caixa arrecadou mais com suas nove loterias do que a previsão feita no Orçamento para 2003. Mas os fundos gastaram menos.

Fundo fictício
"Se houvesse mais dinheiro, mais projetos seriam executados", diz o novo diretor do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, Clayton Nunes. O déficit do sistema penitenciário é de 108 mil vagas.
O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, também se queixa. "A gente não vê a cor desse dinheiro. Queremos discutir um caminho para blindar nosso fundo, que hoje é fictício."
Leonel Cunha, que administra o Fies, observa que o dinheiro das loterias não chega completamente ao fundo criado para financiar estudantes pobres em universidades privadas da mesma forma que as demais receitas vinculadas do Orçamento. Isso por conta da DRU (Desvinculação de Receitas da União), destinada a dar mais liberdade de gastos ao governo.
O Fies financia quase 300 mil alunos. A maioria vive em famílias com renda entre três e cinco salários mínimos.
No caso do Funpen, não é a primeira vez que o dinheiro serve para fazer superávit. Uma inspeção feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre as aplicações do fundo entre 1994 e 1998 mostrou que cerca de 30% do dinheiro ficou no Tesouro Nacional.
A própria Secretaria do Tesouro informou, em nota técnica, que deixou de transferir ao fundo até dezembro de 2000 quase R$ 206 milhões -mais de 35% do que havia sido arrecadado ou o suficiente para abrir vagas para 11 mil presos no sistema.
Uma ação proposta pelo procurador Marlon Weichert, do Ministério Público Federal em São Paulo, garantiu temporariamente o desbloqueio da verba, mas a liminar foi cassada no ano passado a pedido da União.
Em 2002, de acordo com o Siafi, pouco mais de metade dos projetos do Fundo Penitenciário que seriam bancados com dinheiro das loterias teve o dinheiro liberado até o fim de ano.
Neste ano, os mais de R$ 500 milhões de diferença entre o que a Caixa Econômica Federal repassou ao Tesouro e o que saiu de lá para despesas que esse dinheiro deveria pagar ajudaram o país a produzir um superávit primário além do necessário.
Até setembro, o governo central havia economizado R$ 39,4 bilhões para o pagamento de juros da dívida, o equivalente a 3,05% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas no país). Acima, portanto, da parcela da meta de superávit primário que cabe ao governo central, de 2,45% do PIB. O restante do esforço de economia cabe às empresas estatais, aos Estados e municípios.



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