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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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FOGO AMIGO

Darc Costa defende desenvolvimentismo e diz que compra de ações da Valepar foi comunicada "a um canal competente"

Vice do BNDES ataca "Secretaria da Tesoura"

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Darc Costa, vice-presidente do BNDES, afirma que o Brasil precisa manter suas principais companhias em poder do capital nacional


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Nas últimas duas semanas, a diretoria do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sofreu um intenso bombardeio após o anúncio da compra por R$ 1,5 bilhão de 8,5% do capital da Valepar, a holding que controla a Vale do Rio Doce. A operação recebeu críticas por parte do próprio governo, que achou que ela poderia ser encarada como um movimento de reestatização da economia.
O vice-presidente do BNDES, Darc Costa, 55, tido como o principal estrategista do banco, nega que a intenção tenha sido a de reestatizar a mineradora. Segundo ele, ao fazer a operação, o objetivo do BNDES foi o de ter influência nas decisões estratégicas da empresa, além de evitar o risco de sua desnacionalização. "O Brasil sempre procurou manter suas principais empresas em mãos nacionais", afirmou.
Darc admitiu divergências entre o BNDES e o Ministério da Fazenda. "Nós somos desenvolvimentistas e a Fazenda cumpre sua visão de ser uma entidade preocupada com o Tesouro, com cortes", afirmou. "Eu não sei se nós temos uma Secretaria do Tesouro ou uma Secretaria da Tesoura".
Sem especificar nomes e apesar de dizer que se tratava de um assunto ligado a Carlos Lessa, presidente do BNDES, Darc afirmou que o banco comunicou o governo sobre a operação da Valepar. "A informação foi dada a um canal competente."
 

Folha - A compra das ações do Investvale significa que o BNDES deseja a reestatização da Vale do Rio Doce?
Darc Costa -
Não, não há nada de reestatização. O objetivo central do BNDES foi ter na Vale um parceiro. Nós precisamos enxergar a Vale como uma empresa parceira para o desenvolvimento do Brasil, como a Petrobras. São empresas que têm compromisso externo com o desenvolvimento do Brasil. O BNDES comprou um lote de ações, que era dos empregados da Vale, que permite termos um representante no conselho de administração da empresa. Nós achamos que era uma oportunidade para que nós comprássemos esse assento por um preço muito menor do que a Mitsui pagou. A Mitsui comprou um lote maior do que o nosso, mas o resultado foi o mesmo: ter acesso ao conselho. Só que nós já tínhamos um conselheiro, e agora passamos a ter dois. Os fundos de pensão do governo têm quatro e, com isso, nós temos seis conselheiros do governo dentro de um grupo de 11 da Valepar. Mas isso não é uma reestatização. É simplesmente a estruturação de uma parceria.

Folha - Mas é preciso ter 75% de votos do conselho para assegurar o poder de decisão sobre a Vale.
Darc -
Sim, mas nós temos o poder de decidir o comportamento da Valepar. Não o de decidir o comportamento da Vale, mas da Valepar, que tem influência significativa no conselho da Vale. Há determinadas decisões que exigem 75%, mas há questões estratégicas que não precisam dos 75%. A maioria simples comanda, por exemplo, onde e como se deve alocar os recursos de investimentos da empresa. Para nós, interessava ter a possibilidade de influenciar no processo decisório da Vale. Nós não queremos determinar as decisões da Vale, mas queremos ter o poder de influenciar.

Folha - Por que o BNDES se interessa em dar palpite sobre os investimentos da Vale?
Darc -
Essa operação que nós fizemos para a Vale foi perfeitamente exitosa diante dos interesses que nós temos em desenvolver o setor siderúrgico e o setor de metalurgia de não-ferrosos. Não olhamos a Vale como uma empresa de mineração. Ela é a segunda grande empresa do Brasil capaz de acessar o mercado internacional. A primeira é a Petrobras. Por isso, tem um valor estratégico. Não estamos pensando em reestatizar a Vale nem em reestatizar qualquer outro setor ou companhia, mas pretendemos atuar nos setores estratégicos da economia brasileira. O setor siderúrgico para nós é um setor importante. É um setor estratégico. Temos que cuidar dele, evitar que seja apropriado por siderurgias estrangeiras.

Folha - Havia risco de uma desnacionalização da Vale?
Darc -
Há sempre o risco de desnacionalização. Se as ações são negociáveis nas Bolsas, há sempre risco de desnacionalização. A Vale tem uma quantidade muito grande de ADRs [recibos de ações negociados nos Estados Unidos] na Bolsa de Nova York, mais de 40% do capital total. A preocupação de mantê-la em mãos nacionais é uma preocupação que todos os governos têm. Não é só o atual governo. O anterior também tinha essa preocupação. Não estamos fazendo nada de novo. Está se fazendo uma tempestade numa coisa que é usual. O Brasil sempre procurou manter suas principais empresas em mãos nacionais.

Folha - De onde viria o perigo de desnacionalização da Vale ?
Darc -
Ora, a Mitsui comprou as ações que pertenciam à Bradespar e que representavam cerca de 15% do capital da Vale. Isso nos preocupa. Nós até pensamos em entrar nessa operação e comprar as ações que acabaram sendo adquiridas pela Mitsui, mas a decisão já havia sido tomada no governo anterior. Na medida em que os fundos de pensão, numa determinada hora, vão maturar, eles serão obrigados a vender o patrimônio para fazer caixa e atender os planos atuariais dos empregados. Por isso, temos de ter essa preocupação, já que existe um acordo que dá privilégios aos acionistas na compra das ações. A Mitsui, sendo acionista, teria preferência no caso de um desses fundos de pensão vender suas ações no mercado para fazer caixa. Nossa entrada assegura a possibilidade de comprarmos essas ações.

Folha - A operação foi informada ao governo?
Darc -
Soube que essa informação foi dada a um canal competente, mas quem fala sobre isso é o Lessa [Carlos Lessa, presidente do BNDES]. Nós combinamos que o Lessa cuida do banco para fora e eu do banco para dentro. Agora, é preciso entender que o BNDES opera na Bolsa e é muito difícil você informar tudo a todos, todos os dias. Essa operação teve um caráter excepcional.

Folha - O BNDES tem divergido bastante das opiniões da Fazenda. Na discussão do marco regulatório para o setor aéreo, por exemplo, o BNDES apresentou um trabalho e a Fazenda, outro.
Darc -
Não foi um trabalho apresentado pela Fazenda. Foi contratado pela Fazenda ao ex-presidente do Banco do Brasil do governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Guimarães. Ele foi contratado pela Fazenda, por meio do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], para fazer um trabalho sobre o assunto. Nós fizemos um trabalho e apresentamos ao Ministério da Defesa. Nossas posições são divergentes. Somos desenvolvimentistas. Queremos crescimento, geração de empregos.

Folha - E a Fazenda?
Darc -
E a Fazenda, não. A Fazenda cumpre lá sua visão de ser uma entidade preocupada com o Tesouro, com cortes. A Fazenda tem essa preocupação, cortar. Eu não sei se nós temos uma Secretaria do Tesouro ou uma Secretaria da Tesoura. Nós temos a preocupação de fazer a economia crescer, de gerar ativos. A Fazenda está preocupada com o cumprimento de verbas orçamentárias, acordos externos, e nós, em gerar empregos.

Folha - O sr. acha que a Fazenda está equivocada?
Darc -
Não, eu não falei que ela está equivocada. Ela está cumprindo o papel dela. Ela está cumprindo os acordos internacionais que contingenciam o Orçamento. Ela está executando metas orçamentárias e gerando superávits fiscais. O papel do BNDES é gerar ativos. Não são papéis que se conjugam. São papéis que muitas vezes se antagonizam. Agora, o que é relevante entender é o seguinte: o Brasil há 20 anos cresce muito pouco e há 20 anos o Brasil coloca de 1,2 milhão a 1,5 milhão de pessoas no mercado de trabalho por ano. Nós precisamos recuperar a ideologia do desenvolvimento. Nós viemos para o BNDES para isso. Viemos para recuperar seu papel histórico de principal instituição de fomento.

Folha - Em que pé está o projeto de capitalização do BNDES?
Darc -
Se nós queremos fazer o desenvolvimento do Brasil, o BNDES precisa ter uma relação de capital próprio e de capital de terceiros melhor do que a gente tem hoje. Acho que essa situação vai ter uma solução. Algumas injunções levaram a um adiamento desse processo, mas isso se resolve até o final do ano.

Folha - De quanto vai ser a capitalização?
Darc -
Seria ótimo termos um terço dos nossos ativos em capital próprio, e não de terceiros. Isso significaria R$ 50 bilhões de capital próprio. Hoje, temos R$ 12 bilhões. Estamos pedindo uma capitalização de R$ 15 bilhões para este ano e vamos pedir mais R$ 20 bilhões no ano que vem. Não temos que fazer o desenvolvimento do Brasil? Para isso, temos que ter capital. Temos um ativo patrimonial da ordem de R$ 150 bilhões e precisamos ter um capital de R$ 50 bilhões.

Folha - Mas o governo não tem dinheiro. Como fazer?
Darc -
O dinheiro é uma coisa que surge depois do crédito. O crédito é que puxa a economia. Não é a poupança. A macroeconomia não é como a economia doméstica. Economia doméstica funciona assim: eu tenho de ter no bolso para poder gastar. Na macroeconomia não é assim. Se tiver crédito, faço a economia crescer. Como dizia Keynes [economista britânico John Maynard Keynes, 1883-1946], o investimento é que gera a poupança. Não é a poupança que gera o investimento.

Folha - E como convencer o Palocci disso?
Darc -
Eu acho que o Palocci já está convencido de que é necessário retomar o desenvolvimento. Ao menos seus últimos discursos são no sentido de o país voltar a crescer. É preciso agir.

Folha - E por que não age?
Darc -
Não sei, acho que ele está agindo. Ele não diz que está fazendo tudo para o país crescer? A única coisa que nós precisamos é recuperar a nossa auto-estima. Se a gente voltar a acreditar que somos capazes de fazer um grande país, o Brasil vai ser diferente.

Folha - Não falta dinheiro?
Darc -
Crédito tem, basta que as pessoas acreditem que são capazes de construir seus sonhos. Se elas forem capazes de acreditar nos seus sonhos elas mudam o país, como o Brasil foi mudado da década de 30 à década de 80. Nessa época, todo mundo acreditava que o Brasil era um país que tinha futuro. Nós precisamos recuperar isso. As decisões de investir vêm atrás. Havia no Brasil correntes políticas diferentes, mas havia um consenso. O objetivo central era o desenvolvimento. Nós precisamos recuperar esse consenso.

Folha - Mas como fazer isso se o governo está dividido?
Darc -
O que a outra ala precisa entender é que o papel dela só faz sentido se o Brasil se desenvolver. Se o Brasil não se desenvolver, o papel dela não faz sentido nenhum.



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