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ARTIGO
Emergente deve ser pressionado a abrir mercado
MARTIN WOLF
O que eles desejam? Justiça
no comércio externo. E
quando eles o querem? Agora. No
último dia 15, o "Financial Times"
publicou uma carta sobre esse tema assinada por representantes
de não menos de 142 organizações. Os números são impressionantes. Mas, como disse Albert
Einstein em resposta a um panfleto intitulado "Cem Autores Contra Albert Einstein", "se eu estivesse errado, um só bastaria".
O movimento pela "justiça no
comércio externo" vem conquistando substancial apoio, até mesmo no Reino Unido. Uma moção
apresentada à Câmara Baixa do
Parlamento propondo que "o governo do Reino Unido não deveria pressionar os países em desenvolvimento para que abram seus
mercados, mas sim respeitar seu
direito de decidir quanto a políticas comerciais que os ajudem a
pôr fim à pobreza, respeitar os direitos dos trabalhadores e proteger o ambiente" conquistou a
adesão de 219 dos 646 parlamentares. Os oponentes, seria possível
presumir, são os que desejam perpetuar a pobreza, solapar os direitos de trabalhadores e destruir o
ambiente. A verdade é que eles
não desejam isso.
Qual é, portanto, a diferença essencial de opinião? Ela não gira
em torno de determinar se os países ricos deveriam ou não liberalizar seus mercados em benefício
dos mais pobres. Tanto os defensores do livre comércio quanto os
ativistas do comércio justo concordam quanto a isso, em larga
medida. O que está em debate é a
alegação de que liberalização é algo imposto aos países pobres.
A Christian Aid é uma das mais
tenazes adversárias do livre comércio, que ela condena como escravidão. Suas pesquisas chegam
a sugerir que a liberalização comercial das duas últimas décadas
tornou os países africanos ao sul
do Saara US$ 272 bilhões mais pobres, em termos cumulativos, do
que teria sido o caso de outra maneira. Se as acusações procedessem, seria um crime hediondo.
Felizmente, não procedem. O
estudo sobre o qual se baseiam esses números presume que, se os
déficits comerciais superam o valor disponível para financiamento, todos os ajustes ocorrem em
termos de renda e produção, e
não como mudanças na estrutura
da produção e consumo. Os leitores talvez se recordem de que argumentos semelhantes foram
empregados pelos proponentes
da idéia de uma "economia de
cerco" no Reino Unido, três décadas atrás. Felizmente, eles foram
ignorados. De outra forma, o Reino Unido teria seguido pelo mesmo caminho da Alemanha Oriental. Uma depreciação na taxa de
câmbio pode (e deve) compensar
o impacto das reduções nas tarifas
de importação. Qualquer modelo
de longo prazo que ignore esse fator não passa de uma tolice.
Por que, então, a liberalização
do comércio deveria interessar
até mesmo aos mais pobres?
Primeiro, e o mais simples: o peso dos indícios aponta para uma
correlação positiva entre abertura
de mercados e renda.
Segundo, o protecionismo representa um imposto sobre o comércio internacional, pago em
larga medida pelas exportações.
Terceiro, tributar exportações é
uma maneira tola de promover o
desenvolvimento de indústrias
nascentes. Privilegiar a produção
para os mercados internos garante que não haverá crescimento.
Quarto, exportações competitivas dependem do acesso fácil a insumos com preços competitivos.
Até mesmo as maiores economias
se envolvem cada vez mais em
"transações intersetoriais" como
essas. Zonas de processamento de
exportações são uma possível solução. Idéia mais simples, como
demonstraram Hong Kong e Cingapura, é adotar o livre comércio.
Quinto, a geração de exportações competitivas também depende de acesso a know-how estrangeiro, boa parte do qual chega
como parte de investimento estrangeiro direto em uma economia nacional. Quanto mais uma
economia ficar para trás da fronteira tecnológica, mais dependente se tornará de know-how estrangeiro. No entanto, as atividades de
investimento estrangeiro que se
beneficiam do protecionismo
tendem a ser extremamente dispendiosas para o país anfitrião, já
que os lucros expatriados derivam de um tributo imposto ao
resto da economia.
Sexto, as barreiras comerciais
dos países em desenvolvimento
estão entre os mais importantes
obstáculos às suas exportações.
Sétimo, é incoerente defender
assistência mais elevada e ainda
assim combater a liberalização
comercial.
Nada disso quer dizer que a liberalização comercial é tudo de
que os países precisam. Mas é necessário ter em mente que uma
oposição geral à liberalização, de
parte dos países em desenvolvimento, constitui um sério erro.
Pressões externas
Mesmo que seja simples mencionar argumentos em favor da liberalização, surge uma questão
distinta: será que se deveria permitir aos países em desenvolvimento que façam suas escolhas,
sem que tenham de sofrer pressões externas?
Antes de concordarmos com essa proposição aparentemente razoável, consideremos o comportamento dos países avançados.
Ainda que a política neles padeça
de corrupção menos grave que na
maioria dos países em desenvolvimento, seus governos estão
enredados em uma imensa teia de
obrigações quanto à liberalização
de suas economias. Acreditam,
corretamente, que acordos como
esses facilitam assumir um compromisso para com as políticas liberais. No entanto, os governos
dos países em desenvolvimento
praticam abusos maiores contra
suas soberanias do que os governos das nações de alta renda.
Não se trata de um argumento
em defesa de que cada país seja
solicitado a assumir compromissos inflexíveis para com a OMC
(Organização Mundial do Comércio). Trata-se, no entanto, de
um argumento contra a condenação genérica dos ativistas às obrigações internacionais.
Os defensores da justiça no comércio internacional são sem dúvida pessoas bem-intencionadas.
Mas sua oposição à liberalização
comercial nos países em desenvolvimento e sua hostilidade ante
a pressão internacional dirigida a
esses países, em defesa da liberalização, representam um equívoco.
A crença de que os países em desenvolvimento deveriam fazer o
que quer que seus governantes
prefiram, sem influência de pressões externas, é um engano. Soberania é, sem dúvida, um bem; soberania sem limites não o é.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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