São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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Bancos em liquidação levam R$ 200 mi

Apesar de terem dívidas bilionárias com o governo federal, instituições financeiras recebem juros de fundo da habitação

Bancos aguardam avaliação de mais R$ 82,2 bilhões que podem gerar créditos que, mesmo não sendo pagos, são incorporados aos ativos

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os juros pagos pelo Tesouro Nacional vêm reforçando o caixa de bancos que estão em liquidação há mais de uma década e devem bilhões de reais ao próprio governo.
Detentores de créditos do FCVS -(Fundo de Compensação das Variações Salariais), criado em 1967 com o objetivo de cobrir eventuais saldos devedores de financiamentos habitacionais do SFH (Sistema Financeiro de Habitação)-, instituições como Nacional, Econômico e Mercantil de Pernambuco ficaram, juntas, com cerca de R$ 200 milhões do R$ 1,4 bilhão desembolsado pela União em 2007 como despesa de juros desses créditos.
A situação inusitada tende a aumentar ainda mais à medida que as liquidações se arrastam, os créditos se valorizam no mercado e a parcela que ainda não está reconhecida oficialmente, mas consta da contabilidade desses bancos, vai se transformando em ativo de fato das massas falidas.
Segundo os dados do próprio governo, o Tesouro já reconheceu e emitiu títulos correspondentes à dívida num montante de R$ 20 bilhões. Hoje, esse valor equivale a R$ 69,3 bilhões.
É sobre essa parcela de títulos, conhecidos como CVS, que, desde 2005, o governo desembolsa juros semestrais e, a partir do ano que vem, começará a pagar o principal da dívida.
Nacional, Econômico e Mercantil têm pouco mais de R$ 2,7 bilhões em CVS emitidos. Entre os maiores detentores desses papéis, estão também a Caixa Econômica Federal, com R$ 6,7 bilhões, e a Emgea (empresa constituída em 2002 no programa de saneamento dos bancos federais e que herdou os créditos ruins da Caixa Econômica), com R$ 900 milhões.
Mas ainda restam R$ 82,2 bilhões em créditos em poder dos bancos que estão em processo de avaliação para serem transformados em títulos. O valor corresponde à diferença entre o valor pago pelos mutuários que tomaram empréstimos habitacionais na década de 80 e o saldo devedor remanescente no final dos contratos, em razão de descasamento entre o reajuste da prestação e a correção do valor financiado.
A validação é lenta e, no processo, parte pode ser cancelada por não atender às exigências da legislação do FCVS, como a determinação de que cada mutuário tivesse direito ao benefício em apenas um contrato.
A emissão dos títulos segue a conveniência do governo por causa do impacto que isso acarreta na dívida líquida do setor público e, como conseqüência, no esforço fiscal. Em 2005, as emissões de CVS foram de R$ 17 milhões. No ano seguinte, subiram para R$ 1,2 bilhão, e, em 2007, para R$ 4,5 bilhões.
Dos R$ 82,2 bilhões na fila para serem oficializados, R$ 22,1 bilhões estão com a massa falida do Nacional, R$ 5,5 bilhões com o Econômico e R$ 100 milhões com o Mercantil de Pernambuco, de acordo com as próprias instituições. A Caixa registra no balanço créditos a receber de R$ 21,227 bilhões, e a Emgea, de R$ 9,3 bilhões.
Independentemente da data em que forem reconhecidos, esses créditos asseguram aos detentores direito a juros retroativos a 2005. A demora em oficializá-los está gerando um novo esqueleto para o governo que vai estourar no futuro.
Considerando que todos os créditos sejam confirmados e a taxa média dessa carteira fornecida pelos próprios bancos, o Nacional teria direito a receber juros anuais de cerca de R$ 1,8 bilhão, o Econômico, aproximadamente R$ 550 milhões, e o Mercantil, R$ 15 milhões. A Caixa receberia R$ 2,1 bilhões, e a Emgea, R$ 613 milhões.
Os valores não estão sendo integralmente quitados pela União, mas a diferença é incorporada aos ativos (bens) dos bancos e servirá para quitar a dívida que eles têm com o governo. De acordo com o Banco Central, o Nacional deve aos cofres públicos R$ 20,8 bilhões, o Econômico, R$ 17,7 bilhões, e o Mercantil, R$ 1,4 bilhão.
A maior parte dos créditos está com as massas falidas porque foram dados em garantia ao empréstimo do Proer, o programa de socorro aos bancos quebrados, em 1995.
Na época, os créditos e os CVS tinham pouco valor no mercado. Mas, depois do prazo de carência para pagamento de juros, e com a proximidade de início das amortizações em 2009, os títulos que vencem em 2027 têm se valorizado.
Segundo registros das negociações desses papéis na Cetip (Câmara de Custódia e Liquidação), os deságios dos títulos, que já chegaram a mais de 50%, caíram significativamente. No mês passado, uma operação de R$ 13,5 milhões registrou deságio de 13%. A tendência daqui para a frente, asseguram especialistas, é a de valorização.

Dívida
O governo criou o fundo para poder reajustar as prestações dos contratos do SFH abaixo das taxas previstas nos empréstimos originais e garantir que os bancos receberiam o previsto nos contratos. O saldo devedor acumulado foi para o FCVS.
"A assunção desses compromissos [dos subsídios] ocorreu sem a cobertura de recursos orçamentários. O FCVS (...) passou a assumir responsabilidades crescentes, incompatíveis com seu patrimônio e seu fluxo de caixa, acarretando o acúmulo da dívida", explica documento do Tesouro na internet.


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