São Paulo, domingo, 24 de março de 2002

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COLAPSO DA ARGENTINA

Alta de 72% do dinheiro em circulação (desde janeiro) e saques diários de até 100 milhões de pesos derretem a moeda

Argentina à beira de ataque especulativo

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Sangria de recursos dos bancos e excesso de dinheiro emitido pelo Banco Central para cobrir o rombo nas contas do governo argentino. Essas foram as principais causas da recente derrocada da moeda argentina, que colocaram o país à beira de um ataque especulativo na última sexta-feira.
Em apenas um dia, a moeda argentina sofreu desvalorização de 16%. O dólar fechou a semana custando 3,10 pesos. Desde que a conversibilidade foi abandonada, no início de janeiro, a moeda argentina perdeu 68% do seu valor em relação ao dólar. Pouco adiantou o BC já ter gasto entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,5 bilhão, desde o início do ano, na tentativa de conter a derrocada do peso.
O ataque contra o peso foi possível porque há uma explosão de dinheiro em circulação na economia argentina. A combinação entre saques nos bancos e impressão de papel-moeda pelo BC a fim de cobrir os déficits fiscais do governo já levou a uma expansão de 72% na base monetária do país. Esse é o principal indicador usado para medir a quantidade de moeda em circulação na economia.

Curralzinho
Decisões judiciais que favorecem os argentinos cujos recursos estão congelados pelo curralzinho têm levado, segundo estimativas de analistas, a uma saída diária de 50 milhões a 100 milhões de pesos por dia dos bancos.
Descrentes no governo e temendo que o peso continue perdendo valor, os argentinos estão correndo para comprar dólares, o que tem levado à disparada no valor da moeda americana.
O refúgio no dólar também é explicado pela falta de instrumentos financeiros no mercado.
"Com a completa paralisação do sistema financeiro, aqueles que conseguem liberar seus recursos não têm alternativa para proteger o valor da sua moeda a não ser comprar dólares", disse Bernardo Kosakoff, economista da Cepal em Buenos Aires.
Segundo Kosakoff, o excesso de dinheiro em circulação não está sequer contribuindo para a retomada da atividade econômica.
"Tem muito dinheiro em circulação, mas a maior parte está indo para as mãos de pessoas físicas e não está chegando aos setores produtivos", afirmou Kosakoff.
Com isso, explica o economista, o maior benefício que o país poderia ter com a desvalorização - que é o aumento de competitividade da economia- está sendo aproveitado de forma limitada.
As exportações até devem ter crescimento expressivo, que deverá garantir um superávit comercial de US$ 15 bilhões em 2002. Mas, segundo Kosakoff, esse resultado poderia ser melhor se as amarras do setor financeiro fossem soltas de forma planejada e as empresas tivesse acesso a recursos, hoje bloqueados.

Impasses
Para evitar que continuem vazando recursos dos bancos, o governo argentino tem duas saídas. A primeira alternativa é política, difícil de ser alcançada e representa um dos maiores desafios do presidente Eduardo Duhalde. Trata-se de conseguir convencer a Justiça de que, se a população continuar tendo acesso a seus pesos congelados, a pressão cambial vai provocar um agravamento da crise econômica.
"É difícil conseguir acordo com a Justiça, pois a pressão da população é muito grande", diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central do Brasil e economista da consultoria Tendências.
A outra solução para estancar a sangria de recursos dos bancos seria um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Um entendimento com o Fundo, no entanto, parece tão distante quanto um acordo com a Justiça.
"O FMI está fazendo exigências, como a proibição de emissão de mais papel-moeda, praticamente impossíveis de serem alcançadas agora", diz a economista Monica Baer, da MB Associados.



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